quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Crítica – Jobs

O fundador da Apple, Steve Jobs, mudou de várias maneiras a relação que temos com aparatos tecnológicos, principalmente os computadores. Esse papel transformador na sociedade, além das muitas intrigas que envolvem sua história profissional, o tornam um candidato ideal para uma cinebiografia. Uma pena, então, que este Jobs seja tão indigno da ambição transformadora de seu objeto biografado, soando bastante esquemático, convencional e moroso.
O filme aborda a trajetória de Jobs (Ashton Kutcher) desde o momento em que decidiu largar a faculdade até o ponto em que retorna à presidência da Apple no final da década de 90. Por abordar um pedaço tão grande da vida do personagem, o filme adota aquela velha estrutura estilo “melhores momentos”, saltando entre diferentes momentos significativos da vida do personagem através de cenas que literalmente se situam a anos de distância uma da outra.
Essa opção dá um incômodo tom demasiadamente episódico ao filme, além disso impede que nos conectemos com os dramas e obstáculos do personagem, já que mal eles são estabelecidos, já são finalizados e resolvidos poucos minutos depois. Além disso o foco é quase que inteiro à Apple, deixando de lado praticamente todos os outros aspectos da vida de Jobs de lado. Assim sendo, o filme parece se contentar em apenas nos revelar os fatos já conhecidos da vida de Jobs sem nenhum interesse em mergulhar no que há por trás de suas ações ou seus conflitos internos, nesse sentido não há, então, muita razão para se ver o filme, pois se quiser souber o que factualmente aconteceu na vida de Steve Jobs basta eu ler a wikipedia.

O filme chega a sugerir algumas questões emocionais como fato dele ter sido adotado ou a relação problemática com sua primeira filha, Lisa, mas tudo isso acontece apenas de passagem e sem grandes repercussões na trama como um todo. Isso chega a soar gratuito contraditório em alguns momentos, já que em uma cena o vemos rejeitar a paternidade da filha (mesmo com um teste de DNA provando o contrário) para no momento seguinte ele colocar o nome dela em um de seus projetos da Apple e no outro já vemos ele casado com outra mulher e Lisa morando com ele exibindo uma relação amistosa. Entre essas três momentos anos se passam e o filme nunca se dá ao trabalho de explicar ou ao menos sugerir (mesmo que de modo implícito) o que causou essa mudança de atitude em Jobs.
O retrato de Steve pintado aqui é aquele mesmo retrato midiático e mitificado do empresário de um gênio incompreendido, a frente de seu tempo constantemente perseguido por tentar mudar o estado das coisas e cujo distanciamento, frieza e alienação das demais pessoas seriam justamente fruto de sua genialidade e de sua visão de futuro. Além de ser uma abordagem rasa e pouco interessante, já que basta ler uma matéria jornalística qualquer para se ter essa impressão do sujeito, acaba se revelando também uma opção aborrecida já que cada fala, cada ação é retratada como um momento de grande significado e inspiração, mesmo coisas banais são tratadas com essa reverência, como a cena em que Jobs faz a barba, na qual tudo é mostrado em câmera lenta e com uma música excessivamente intrusiva.
A isso somam-se os diálogos expositivos que apenas dizem o que acabou de acontecer como o momento em que o chefe de Jobs na Atari lhe diz que ele não sabe trabalhar com outras pessoas, sendo que tínhamos acabado de vê-lo discutir agressivamente com colegas de trabalho. Outro problema é a pesada pieguice nos “discursos inspiradores” do personagem já que ao longo do filme temos pelo menos uma meia dúzia de cenas com Jobs discursando para seus empregados e suas palavras parecem um amálgama de palestras motivacionais para executivos e livros de autoajuda corporativa.
O ator Ashton Kutcher até que se esforça e é bastante competente em captar a postura, a dicção e a linguagem corporal do fundador da Apple, mas pouco tem a fazer com um roteiro tão raso e engessado e nunca consegue desenvolver sua composição do personagem.
Chama a atenção também que o filme é extremamente convencional no uso dos recursos estilísticos do cinema. Por se tratar de alguém tão iconoclasta era de se esperar que o filme tentasse de algum modo fazer algo diferente no modo como conta sua história, do mesmo modo que David Fincher fez com sua montagem quase que hipertextual e seus diálogos acelerados e desconexos como que retirados de um histórico de bate-papo em A Rede Social (2010).  Lamentavelmente tais brincadeiras estilísticas estão completamente ausentes em Jobs e mais uma vez o filme desperdiça uma chance de honrar a sede de inovação de seu protagonista.
Jobs é um filme raso, expositivo e banal que tem pouco a agregar ao legado de seu protagonista.
Nota: 4/10

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