segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Crítica – Jogos Vorazes: Em Chamas

Resenha Crítica – Jogos Vorazes: Em ChamasO primeiro Jogos Vorazes (2012), adaptação do primeiro livro da trilogia literária escrita por Suzanne Collins, era um filme correto, certinho, mas não tinha nada demais. O filme propunha um cenário interessante na qual a capital de uma nação fictícia mantinha o controle de seus distritos através da exigência de “tributos” anuais. Esses tributos consistiam de dois jovens (um garoto e uma garota) por distrito que seriam levados à capital para competir no maior evento midiático desta nação, os Jogos Vorazes, uma espécie de reality show no qual esses jovens deveriam matar uns aos outros e apenas o último sobrevivente seria o vencedor.
O filme tratava de temas como autoritarismo, controle, alienação midiática de uma forma surpreendentemente desencantada e fatalista para um blockbuster hollywoodiano, mas ainda assim tudo isso era tratado de forma relativamente superficial, como que servisse apenas de fundo para a ação. Felizmente este Jogos Vorazes: Em Chamasconsegue ir além do seu predecessor, pegando aquilo que o primeiro filme apenas propunha e dispõe destes elementos para tecer sua trama.
Neste novo filme, Katniss (Jennifer Lawrence) e Peeta (Josh Hutcherson) são obrigados pelo Presidente Snow (Donald Sutherland) a viajar em uma “turnê de vitória” após os eventos do filme anterior. Para o presidente, as ações dos dois no filme anterior foram interpretadas por muitos como um desafio ao sistema e, sob a ameaça de repressões e ataques violentos aos distritos, ele quer que convençam a todos que o amor que encenam ter é de fato real de modo a calar os revoltosos. Ao mesmo tempo, Snow e o novo organizador dos Jogos Vorazes, Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), constroem uma estratégia para poderem eliminar Katniss através do “Massacre Quaternário”, uma espécie de edição especial dos Jogos que ocorre a cada 25 anos na qual antigos campeões são colocados mais uma vez nesta competição pela vida.

Apesar de parecer apenas reciclar preguiçosamente a trama do original ao colocar Katniss de volta aos Jogos, o filme consegue, mais do que o anterior, construir com competência a tensão experimentada na nação de Panem depois dos eventos do filme anterior, mostrando as pichações e pequenos atos de protesto ao redor dos distritos, bem como a repressão violenta e autoritária das autoridades, que executam cidadãos simplesmente por fazerem um gesto que é considerado uma saudação revolucionária.
Os eventos nos dão a dimensão de que há um perigo e uma responsabilidade maior pairando sobre Katniss, já que ela não está apenas lutando por sua vida ou pela de sua família, mas, querendo ou não, é também responsável por tudo aquilo que acontece e por aquelas pessoas que inspira. Assim como no anterior, o filme é permeado por uma sensação de desencanto e pessimismo em relação à situação de Panem, mesmo depois de vencer os Jogos, Katniss percebe que sua situação em nada mudou, ela continua presa aos desígnios da capital e há pouco espaço para vislumbrar mudanças frente a uma repressão tão violenta e onipresente.
O competente design de produção ajuda a mostrar as diferenças gritantes entre as locações pobres e arruinadas dos distritos com os espaços amplos, opulentos e futurísticos da capital. Essa construção ainda é beneficiada pelo uso da fotografia que investe no contraste entre a predominância de tons cinzentos e pouco saturados dos distritos com os ambientes cheios de cores e luzes da capital.
Mas o principal mérito do filme reside mesmo em seu elenco, em especial na protagonista Jennifer Lawrence que domina cada segundo que está em cena com sua construção de uma Katniss traumatizada, acuada e temerosa, mas que ainda assim tenta tomar o controle de sua vida e tenta não permitir que seus inimigos enxerguem suas fragilidades, como ao lembrar Plutarch em cada conversa que tem com ele do fracasso do organizador anterior dos Jogos (Wes Bentley com uma das barbas mais bizarras da história do cinema) em matá-la. Em seu discurso em um dos distritos vemos quanto pesar ela tem por suas ações no filme anterior quando ela vê diante de si a família da garota Rue, que morreu para protegê-la. Percebemos seu temor contido na cena em que Effie (Elizabeth Banks) anuncia sua participação no Massacre Quaternário e seu esforço em manter sua face rígida e impassível mesmo quando uma lágrima atravessa seu rosto, deixando-a exposta. O melhor momento da personagem, no entanto, é no primeiro plano que encerra este filme e vemos Lawrence ir, em poucos segundos, da tristeza ao desespero, passando pela raiva para enfim chegar a um destemor sereno com um olhar que desafia seus inimigos (e a audiência) a tentar lhe deter novamente.
O elenco de apoio também é bastante eficiente, desde Sutherland, que transforma cada fala lenta e mansa de Snow em uma perigosa ameaça velada, à Seymour Hoffman que mais uma vez constrói um tipo incrivelmente escorregadio e ambíguo que jamais deixa claro suas intenções e lealdade, nos deixando o filme inteiro sem saber se ele está do lado de Snow, de Katniss ou se quer mais que os dois se matem para que ele mesmo tome o poder. O veterano Stanley Tucci continua divertidíssimo como Ceasar, uma espécie de Nelson Rubens demente sob efeito de ácido.
Dito isto, é preciso dizer que o filme tem lá sua parcela de problemas. Um deles é a tal síndrome de “capítulo do meio” que já acometeu filmes como O Império Contra-Ataca (1980) e O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (2002), já que o filme praticamente não tem começo nem fim e pode mandar muitos de volta para casa insatisfeitos. Ver o filme anterior é praticamente indispensável e quem não o viu (ou leu o primeiro livro) certamente irá ficar sem entender grande parte do que acontece. Outro problema são os Jogos em si, principalmente as diversas armadilhas colocadas pelos organizadores.
Assim como no filme anterior os perigos espalhados pela floresta continuam soando como uma coleção forçada de deus ex machina enfiados de modo a inserir algumas cenas de ação que pouco acrescentam à trama de modo a impedir que as coisas fiquem paradas demais e entediem o jovem público-alvo. Aqui a situação é mais grave, já que estes recursos são narrativamente incoerentes, uma vez que mais de uma vez Snow e Plutarch dizem que não querem apenas eliminar Katniss e os demais vencedores, mas destruir suas imagens e eu imagino que suas mortes pelas mãos destas armadilhas que todos sabem que são colocadas pela organização teria o efeito contrário, colocando-os como vítimas deliberadas da alta cúpula de Panem e reforçaria seus status de mártires.
Essas questões, no entanto, não apagam o brilho de Jogos Vorazes: Em Chamas, uma continuação que melhora e amadurece praticamente todos os aspectos presentes no filme original e é uma grata surpresa em um ano repleto de blockbusters decepcionantes.
Nota: 8/10

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