A primeira vez que ouvi que a adaptação de Peter Jackson para O Hobbit seria dividida em três filmes para poder comportar elementos da trilogia O Senhor dos Anéis fiquei com um pé atrás em relação à produção por uma série de motivos. Primeiro porque O Hobbit é mais curto que qualquer um dos volumes da trilogia do anel (cerca de 290 páginas contra a média de 500 de cada um da trilogia) e em segundo porque o O Hobbit tinha um tom bastante diferente da trilogia, com uma abordagem mais leve, bem-humorado e aventuresco em relação ao tom sombrio e grave da trilogia do anel.
Meus temores, entretanto não se confirmaram e este O Hobbit: Uma Jornada Inesperada mantém-se fiel ao espírito da obra de Tolkien, mantendo o foco em Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) e a companhia de anões liderada pelo príncipe Thorin Escudo-de-Carvalho (Richard Armitage) na viagem para expulsar o dragão Smaug (Benedict Cumberbacht) da Montanha Solitária e recuperar o tesouro dos anões. As adições à narrativa, por sua vez, preenchem algumas lacunas que são apenas citadas rapidamente no livro (ou nos apêndices acrescentados por Tolkien pós trilogia do anel, já que ele não a tinha em mente quando redigiu O Hobbit). Claro, algumas ainda são totalmente inúteis como a aparição de Frodo (Elijah Wood) na toca do velho Bilbo (Sir Ian Holm) e outra envolvendo Gandalf (Sir Ian McKellen) e Galadriel (Cate Blanchett), mas no geral servem para dar a noção de que há um mal crescente rondando a Terra-Média.
Outro ponto importante das adições ao material original é que elas ajudam a aprofundar alguns personagens, em especial Thorin, de um modo que a obra original não fazia e assim uma certa reviravolta envolvendo o personagem (e que só deve acontecer no terceiro filme) não parecerá tão súbita quanto no livro. Logicamente há o mérito da composição cuidadosa de Richard Armitage, que constrói o príncipe anão como uma figura corajosa, inspiradora, mas orgulhosa e amarga. O trabalho de Martin Freeman também não fica para trás, retratando muito bem o humor e a esperteza de Bilbo, mantendo-se bastante próximo do que fez Ian Holm é o O Senhor dos Anéis, mas sem nunca imitá-lo. O resto do elenco é composto em grande parte por velhos conhecidos e falar da performance de Ian McKellen ou de Hugo Weaving como Elrond seria chover no molhado.
O filme mantém muito da estética da trilogia do anel, o que ajuda a dar um senso de coesão espacial e nos faz crer realmente na Terra-Média, algumas locações inclusive serão facilmente identificadas pelos fãs de SdA, mesmo quando o filme não informar de onde se trata. A música também retém alguns dos temas da trilogia mas seu ponto alto é mesmo são as canções do anões. Diretamente retiradas dos livros, as canções possuem um trovadoresco medieval com alguns componentes de música celta, é uma pena entretanto, que como as letras já existiam nos livros provavelmente não poderão concorrer a premiações de melhor canção original.
Os efeitos especiais apresentam um relativo salto em relação aos filmes anteriores e se Gollum (Andy Serkis) já era um construto digital impressionante, agora ele surge com ainda mais detalhes e nuances de expressão. Algumas criaturas maiores como o Grão-Orc ou os wargs ainda exibem uma movimentação pouco fluida em alguns momentos, mas nada que estrague a experiência.
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada é um grato retorno ao rico universo da Terra-Média que casa o humor e a aventura de O Hobbit com o clima épico e sombrio de O Senhor do Anéis. A divisão em três possuía potencial para criar uma narrativa enrolada e irresoluta, mas o filme consegue usar os acréscimos a seu favor, aprofundando a história e ainda consegue encerrar amarrando os arcos narrativos dos principais personagens. A duração de quase três horas pode ser um problema para alguns, mas para aqueles que já desbravaram a Terra-Média nos filmes anteriores, a obra tem o gosto de um digno retorno ao lar.
[Atualizado 17/12/2012 às 22:29] Enfim conferi o filme em formato 3D e com os polêmicos 48 quadros por segundo. A título de informação, o cinema comumente projeta filmes a 24 quadros por segundo, projetar ao dobro da velocidade implicaria em menos “quebras” nos movimentos, o famoso motion blur, aquele turvamento da imagem que acontece quando há muito movimento em cena ou câmera se movimenta rápido demais. Em um filme 3D os 48 quadros ajudam a suavizar o turvamento do próprio 3D, já se trata de uma ilusão de ótica.
O resultado é uma definição de imagem bem mais realista, beirando um hiper-realismo quase que fantasioso, pois é possível ver até as asas de um beija-flor batendo sem estarem turvadas. Inicialmente há um breve estranhamento, já que a velocidade dobrada dá a impressão dos movimentos estarem levemente mais lentos, mas depois de alguns minutos nosso olhar se acostuma e passamos apreciar a qualidade da imagem que também contribui para uma sensação mais clara de profundidade uma vez que nada parece turvo ou fora de foco e, portanto, parece dar uma noção mais clara de distância. Assistir O Hobbit: Uma Jornada Inesperada neste formato é uma experiência interessantíssima e altamente recomendada, pena que apenas uma sala de cinema em Salvador projeta o formato.
Nota: 7/10
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