Assim que saí da sala de cinema após assistir este O Lugar Onde Tudo Termina, novo filme do diretor e roteirista Derek Cianfrance (de Namorados para Sempre), soube que seria difícil escrever sobre ele. Não que seja um filme complicado e inacessível, mas pelo fato da narrativa estar em um constante movimento que sempre desafia nossas expectativas. Assim, tive a clara noção que, ao comentar sobre os méritos e qualidades da obra, deveria ter cuidado para não entregar as principais viradas do filme e assim estragar a experiência daqueles que ainda irão assisti-lo.
Quando menciono as reviravoltas, não me refiro aos fatos inesperados por si só, mas todo o impacto emocional e o sentimento de fatalismo e implacabilidade da vida que nos toma quando eles ocorrem. Entregar o desenvolvimento da trama não estragaria somente a surpresa, mas boa parte da experiência sensorial, emocional e de produção de sentido que filme visa provocar em seu público.
Mas deixemos de lado o que não é possível ser dito e partamos para o que é. O filme começa com Luke (Ryan Gosling) um motociclista que viaja com um circo realizando o truque do globo da morte. Quando ele se reaproxima de Romina (Eva Mendes), uma mulher com quem se relacionou na última vez em que estivera na cidade, Luke descobre que teve um filho com ela e assim decide abandonar a vida circense e se estabelecer. Entretanto, as coisas não são fáceis para o motociclista e o único modo que encontra para ajudar no sustento do filho é recorrer ao crime e isso o coloca em confronto com o policial Avery (Bradley Cooper), num encontro que mudará para sempre a vida dos dois.
É fascinante como Gosling constrói Luke como um sujeito cuja agressividade vem do fato de ser retraído e um pouco estúpido, sendo a violência o único modo que conhece de se expressar. Isso se mostra bem pelo modo quase que sintomático com que veste suas roupas viradas ao avesso, como se quisesse manter para si o que deve ser externado e exibir o “lado errado” aos outros. Ao mesmo tempo, Bradley Cooper entrega uma performance bastante cuidadosa, mostrando Avery como um policial novato e ambicioso, mas também inseguro como mostra o belo plano contra-plongée que registra sua reação ao atirar em suspeito e o vemos de baixo e ao longe, enquanto suas lágrimas caem na direção da tela.
O desenvolvimento da narrativa é incrivelmente ambicioso ao tratar temas como relações de poder e papel da polícia na sociedade, apresentando a visão higienista (a de que bandido bom é bandido morto) acerca do trabalho policial como uma grande falácia que nada resolve ou contribui, mas que, em longo prazo, afunda a sociedade em uma espiral ainda mais profunda de violência e corrupção. A ideia parece ser que a polícia é muito mais uma força de opressão e manutenção das desigualdades sociais do que uma instituição preocupada em promover a paz e o bem estar social para todos.
O diretor Derek Cianfrance caminha com bastante sensibilidade e parcimônia por temáticas tão espinhosas, nunca apresentando soluções fáceis ou comportamentos maniqueístas, nos apresentando um amplo panorama e confiando em nossa inteligência para que julguemos por nós mesmos. Essa incerteza e esse turvamento moral são evidenciados pelo uso da câmera e dos enquadramentos que nunca são fixos ou estáticos, sempre tremendo e vacilando, pendendo para diferentes direções do mesmo modo que a bússola moral dos personagens.
Em alguns momentos parece que o filme está abrindo demais seu escopo ideológico e temi que ele se perdesse em um mar de pretensões, mas então chegamos no terceiro ato da narrativa que apresenta um enorme salto temporal e então o caminho do filme torna-se claro novamente. Nesse momento a narrativa muda o foco para o jovem Jason (Dane DeHaan) e se parece estranho introduzir um personagem completamente novo no terço final e dar-lhe o protagonismo da história, o filme realiza a mudança de modo bastante sutil e orgânico, sem nunca soar forçado ou despropositado.
Afinal, o personagem servirá como símbolo das consequências de longo prazo desta espiral de violência que citei acima, mostrando como nossos erros e excessos sempre voltam para nós. Inclusive o filme vai além, reverberando tudo que aconteceu na vida dos personagens como algo também ligado às suas relações familiares, demonstrando a presença e a força do legado parental em nossas vidas através do modo como as atitudes (ou falta delas) de nossos pais nos guiam.
Assim, estando perto ou distante estamos ligados aos nossos pais de um modo quase que fatalista, como se fosse inevitável assumir traços que identificamos neles, mesmo aqueles de que não gostamos. Avery é um exemplo disso, tornando-se tão obcecado com sua carreira e suas campanhas da mesma maneira que criticava em seu pai.
O Lugar Onde Tudo Termina é um belo, complexo e ambicioso tratado sobre família, sociedade e relações de poder, com uma direção segura e um elenco em excelente forma que fazem as discussões levantadas reverberarem em nossas mentes mesmo depois de muito tempo que saímos da sala de cinema.
Nota: 9/10
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