sábado, 26 de janeiro de 2013

Crítica - O Mestre

Durante muito tempo O Mestre era tido como uma espécie de filme-denúncia que trataria do início da cientologia, seita que arrebanha famosos como Tom Cruise e John Travolta, centrando-se na figura de seu criador, L. Ron Hubbard. O filme, entretanto passa longe disto. O diretor Paul Thomas Anderson de fato retrata um grupo bem parecido com a cientologia e o personagem Lancaster Dodd (Philip Seymour-Hoffman), o mestre do título, é a cara de Hubbard, mas sua intenção aqui parece ser muito mais tratar de ideias como controle, poder e o fascínio da crença do que apenas criticar a cientologia.
O Mestre conta a história de Freddie Quell (Joaquin Phoenix) um veterano da Segunda Guerra, confuso, alcoólatra e autodestrutivo que se encontra por acaso com Lancaster Dodd, líder do grupo conhecido como “A Causa”. A partir desse encontro, Dodd vê em Quell uma cobaia (o personagem chega a se referir a ele desta forma) para testar os métodos de sua religião e acompanhamos o desenrolar da relação dos dois bem como o crescimento do culto.
É impressionante como Phoenix desaparece em sua composição de Quell, com uma postura torta, ombros curvados e andar esquisito que revelam externamente o interior “distorcido” do personagem. A confusão interna do personagem também é retratada em sua dicção, com um tom grave e lento (como se o ato fosse incrivelmente difícil), além de mal mover os lábios para falar.

A câmera o acompanha, reproduzindo sua movimentação inconstante e mantem-se nele mesmo quando está conversando com outras pessoas, como se as reações atípicas do personagem fossem mais importantes do que a fala de seus interlocutores. A música, muitas vezes assemelha-se a outro trabalho de Paul Thomas Anderson, Embriagado de Amor (2001), com seus acordes dissonantes e quase ininterruptos, produzindo um efeito de desconforto, visando, assim como no filme de 2001, transmitir o conflito mental do protagonista.
Já Lancaster Dodd é um homem que se apresenta como culto e polido, discursando com naturalidade ao usar uma retórica repleta de metáforas e inflexões bem-humoradas que não diferem do modo de falar de alguns religiosos televisivos. Aos poucos vemos as falhas do personagem emergir, conforme ele parece alterar sem qualquer critério, quase que por capricho, os métodos da Causa, a forma explosiva e raivosa com que rechaça aqueles que o questionam, além de sua constante paranoia e mania de perseguição.
Dodd tenta tratar Quell com um tratamento baseado em uma teoria sobre seres interplanetários, viagens no tempo através de mergulhos na consciência e mais um monte de coisas que misturam ficção-científica com autoajuda. Estas sessões representam o ponto alto do longa ao trazer o confronto da impulsividade de Quell com a retórica calculada de Dodd.
Com o tratamento, Dodd parece querer mantê-lo sob controle como se adestrasse um cão, isso fica patente pelo modo como ele sinaliza Quell quando ele se comporta de maneira indevida e o seu olhar de reprovação é o mesmo de um dono para o cachorro que acabou de urinar no tapete. A metáfora se torna ainda mais evidente na cena em que eles se abraçam depois de um período separados e Quell o derruba no chão, rolando com ele como um cachorro faz com seu dono.
O filme poderia se contentar apenas em chegar nesta faceta manipuladora e controladora do culto, mas o imprevisível diretor Paul Thomas Anderson, responsável por obras emblemáticas como Magnólia (1999) eSangue Negro (2007), não se contenta aqui em produzir uma mera denúncia ou reflexão sobre este aspecto quase que fascista de entidades que usam a fé para impor uma única visão de mundo e eliminar o espaço de diálogo e questionamento.
Não, em O Mestre isto é apenas uma pequena parcela das instituições de controle da sociedade, tal como o Estado e até mesmo a família, demonstrando que há sempre alguém ou alguma coisa nos impondo valores, condutas e objetivos, tornando quase impossível que qualquer pessoa seja capaz de levar uma vida tão desregrada quanto à de Freddie Quell. Esse sentido parece evidente no momento em que Dodd indaga a Quell “É possível que as pessoas consigam viver sem um mestre? Talvez você consiga dar essa resposta, já que você é o único que parece querer isso”.
É provável que Dodd esteja certo e que, de algum modo, todos servimos a alguém ou a alguma coisa, seja uma divindade, nosso chefe, nossos pais ou o governo. Talvez seja verdade e talvez façamos tudo isso apenas para nos aproximar uns dos outros, para termos a sensação de que fazemos parte de algo, de que o outro não está tão distante de nós e até mesmo alguém tão primitivo quanto Freddie Quell também almeja, ao seu modo, o contato humano, como evidencia o plano que encerra a obra, contrapondo o fim do personagem com o seu início.
O Mestre é um triunfo da arte cinematográfica, um filme ambicioso e maduro, com uma direção segura e competente que faz o filme reverberar em nossas mentes mesmo depois que deixamos a sala de cinema.

Nota: 10/10

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