quarta-feira, 8 de maio de 2013

Crítica – O Último Elvis

O filme argentino O Último Elvis abre com o protagonista, Carlos Gutierrez (John McInerny), subindo ao palco devidamente paramentado como Elvis Presley sob o som da música “Also Sprach Zaratustra” (imortalizada no cinema por 2001: Uma Odisseia no Espaço). A música evoca uma dimensão de grandeza épica, de algo maior que vida, uma sensação que casa perfeitamente com o eterno rei do rock, que mesmo décadas depois de sua morte atrai uma legião de seguidores e transformou sua mansão em um local de peregrinação para fãs de todo mundo. A obra do diretor Armando Bo trata justamente do fascínio que a celebridade desperta e como esse fascínio pode ser usado para distanciar as pessoas da realidade.
Gutierrez é um operário que vive uma vida sem muitas perspectivas, mora sozinho em um apartamento caindo aos pedaços, tem um emprego que detesta e mal vê a filha, Lisa Marie (Margarita Lopez), que não por acaso tem o mesmo nome da filha de Elvis. O nome da filha não é o único lugar onde transborda sua admiração pelo icônico músico, o personagem passa boa parte de seu tempo livre assistindo apresentações e entrevistas do rei do rock e toda noite come sanduiches de pasta de amendoim e banana, iguaria que era bastante apreciada pelo Elvis real.
John McInerny traz uma composição sensível e cheia de nuances, mostrando sua recusa em ser chamado pelo nome real (ele pede para ser chamado de Elvis) como um modo de negar a própria identidade e manter a ilusão de viver como o rei do rock, cuja semelhança vocal ele considera como um dom divino a ser compartilhado. Em outro momento, sua filha lhe diz que entrou para o coral da escola e ele a interrompe abruptamente dizendo “o negócio da música é muito difícil”, projetando na criança sua frustração por saber que nunca será de verdade um ídolo da música, sendo apenas um imitador que se apresenta em bingos e asilos.

O filme usa da fotografia para retratar o contraste do cotidiano de Gutierrez e sua vida noturna como Elvis. Quando está imitando o cantor, tudo é cheio de cor, com predominância de tons quentes, iluminado e brilhoso, suas apresentações são carregadas de emoção e sua voz de fato evoca a do rei do rock. Por outro lado, quando está na sua vida “normal” há uma predominância de cores frias e escuras e um uso maior de sombras e espaços vazios nos enquadramentos de câmera.
As dificuldades do cotidiano, entretanto, impedem Carlos de viver completamente sua fantasia, já que precisa pagar as despesas médicas de sua mãe doente e lidar com Alejandra (Griselda Siciliani), sua ex-esposa que deseja obter a guarda total da filha, pois, como a própria personagem diz em outro momento, “ela precisa de um pai de verdade, não de suas musiquinhas”.
É interessante notar, durante a conversa sobre a guarda, o instante em que ela vê a manga de sua camisa desce, revelando uma tatuagem e ela rapidamente puxa a roupa de volta para cobri-la. Só depois que descobrimos o conteúdo da tatuagem, a frase “Love me tender” (nome de uma música de Elvis), que parece revelar que um dia ela partilhou da paixão por Elvis de seu ex-marido e sua agilidade em cobrir a frase indicaria uma parcela de arrependimento ou amargura por ter acreditado nas fantasias de Carlos.
A necessidade de escolher entre sua vida real e sua fantasia de Elvis vai se impondo cada vez mais ao personagem, principalmente quando Alejandra se fere em um acidente e ele fica responsável pela filha. Tudo parece caminhar para que o protagonista passe a enfrentar a sua própria vida, mas conforme sua mulher melhora, ele decide seguir seu sonho de sair em turnê. Seu último ato de tentar se aproximar do ídolo é ao mesmo tempo trágico e lírico, dimensões potencializadas pelo uso da canção “Hallelujah” na voz, é claro, de Elvis Presley.
O Último Elvis revela-se um belo e sensível estudo de personagem, mostrando os problemas que podem ocorrer quando nossas fantasias tomam conta de nossas vidas.
Nota: 9/10

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