A trama acompanha o jornalista e ex-assessor do governo britânico Martin Sixsmith (Steve Coogan) que se encontra em depressão depois de ser demitido de modo controverso (algo que o filme jamais explica). Buscando um novo trabalho, acaba encontrando por acaso a idosa Philomena Lee (Judi Dench), uma mulher que foi abandonada pelo pai em um convento ainda adolescente depois de engravidar, teve seu filho vendido para adoção pelas freiras e passou os 50 anos seguintes tentando encontrá-lo. Assim, Sixsmith decide fazer uma matéria acompanhando a aposentada em sua busca para reencontrar o filho.
Os dois formam uma dupla improvável com a personalidade positiva, ingênua e crédula de Philomena contrastando com o cinismo, o sarcasmo e a amargura de Sixsmith, que começa sua pesquisa vendo toda situação apenas como uma forma de faturar. Entretanto, conforme vai desvendando a questão do filho de Philomena, se envolve cada vez mais com a busca e se revolta com o tratamento desonesto preconceituoso e fundamentalmente pouco cristão dado a ela pelas freiras do convento em que foi abandonada.
Ao mesmo tempo, vamos também descobrindo aos poucos outras camadas da personalidade de Philomena que revelam que por debaixo de sua fachada humilde, ingênua e pouco letrada, temos alguém com um pensamento mais avançado e menos desprovido de preconceitos do que se esperaria de alguém de sua idade, bem como uma sabedoria e uma calma que simplesmente destrói, com poucas palavras e de modo sincero e humilde, todo ódio vociferado por sua antagonista. Claro, tudo isso apoiado em um excelente trabalho de Judi Dench que a torna uma pessoa sofrida, cheia de dor e arrependimento, mas, ao mesmo tempo, altamente carismática e adorável, sendo difícil não torcer por ela. Já Steve Coogan oferece um contraponto cômico ao drama da situação de Philomena com seu humor auto-depreciativo, suas tiradas irônicas, além de suas constantes expressões de desespero e embaraço sempre que Philomena começa a tagarelar sobre os romances que lê ou outras frivolidades. O personagem, no entanto, não é um mero alívio cômico e o trabalho de Coogan permite que vejamos como ele usa seu cinismo e atitude arrogante para mascarar suas próprias inseguranças.
A narrativa ainda é beneficiada por um ritmo ágil que consegue fugir do óbvio e do previsível com algumas impactantes reviravoltas que irão emocionar e também incomodar ao revelar os horrendos bastidores de atividades que a igreja católica prefere varrer para debaixo do tapete. É vergonhoso perceber como membros do clero, que deveriam ter uma conduta pautada na promoção da compaixão e caridade exibem comportamentos tão mesquinhos, cheios de preconceitos e julgamentos radicais pautados em dogmas absurdos, desmedidos e anacrônicos, como se alguém realmente merecesse passar pelo que passa a protagonista apenas como “penitência” por fazer sexo fora do casamento. Afinal, ao invés de oferecer conforto e auxílio a uma jovem sozinha e fragilizada, tudo que as freiras fizeram foi enchê-la de culpa e arrependimento, causando-lhe traumas que se estenderam durante toda sua vida, algo potencializado pelas cruéis mentiras que lhe contaram, uma atitude que também não é nem um pouco cristã. Assim sendo, é quase impossível conter o sentimento de satisfação quando Philomena age com sabedoria e altivez diante da pessoa que mais lhe fez sofrer, revelando que o comportamento cristão não deve se pautar na promoção do ódio e do preconceito, mas no amor, na compreensão e no perdão. É necessário salientar, no entanto, que o comportamento das freiras nunca é generalizado e que algumas realmente exibem o comportamento altruísta e compassivo que se espera de alguém com esta vocação.
Philomena é um filme que consegue dosar com equilíbrio o humor e o drama, jamais soando apelativo, graças a sua dupla de protagonistas e um roteiro que desnuda os terríveis abusos que se pode cometer em nome de uma visão radical, deturpada e excessivamente dogmática da religião.
Nota: 8/10
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