quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Crítica – Rush: No Limite da Emoção

Análise Rush: No Limite da Emoção


Review Rush: No Limite da EmoçãoSeria muito fácil resumir este Rush: No Limite da Emoção como apenas sendo um filme sobre a Fórmula 1, poderia ir um pouco mais fundo e dizer que é um filme sobre a rivalidade entre dois homens, mas esta ainda seria uma declaração que não capta a essência da obra. Mais do que tudo isto, este filme é sobre a alma do esportista e aquilo que o faz seguir em frente. De antemão devo lhes dizer que sou relativamente fã de automobilismo e que já participei de competições esportivas (mas não de automobilismo), então se meu discurso soa exagerado ou demasiadamente apaixonado é porque entendo e compartilho muitas das posições dos personagens aqui retratados sobre a prática esportiva.
O filme é centrado nos pilotos James Hunt (Chris Hemsworth) e Niki Lauda (Daniel Brühl) e da rivalidade existente entre os dois que nasceu quando ainda eram pilotos novatos na Fórmula 3 e perdurou até que fossem para a Fórmula 1, culminando na espetacular disputa pelo título mundial de 1976. O primeiro grande mérito do filme é não reduzir a disputa a algo maniqueísta, evitando uma composição preguiçosa que certamente seria feita por boa parte dos cineastas e roteiristas que se debruçassem sobre o material. Digo isto porque seria muito fácil pegar a personalidade explosiva de Hunt para transformá-lo em um vilão simplista e o mesmo poderia ser feito com o discurso seco e frio de Lauda, entretanto o texto de Peter Morgan, que escreveu o ótimo Frost/Nixon (2008), nos mostra esses dois pilotos como figuras complexas, carregadas de nuances e sentimentos conflitantes.

Ao mesmo tempo, a relação entre eles jamais é uma completa inimizade, eles são mais adversários que inimigos e embora se provoquem e tentem tirar o outro da corrida, não chegam exatamente a se odiar e isso fica claro no momento em que Hunt bate brutalmente em um repórter que acabara de fazer uma pergunta humilhante a Lauda depois que este volta a ocorrer pouco tempo depois de um grave acidente e com parte do rosto ainda cheia de queimaduras.
Grande parte deste mérito reside, é claro, na dupla de protagonistas. Daniel Brühl capta com perfeição a linguagem corporal e a dicção de Niki Lauda, bem como o modo frio, direto e até mesmo grosseiro e arrogante com que interagia com outras pessoas, um trabalho beneficiado pelo ótimo texto cujos diálogos refletem bem o estilo do piloto. Apesar da superfície fria, Lauda tem espaço para demonstrar seu lado mais emotivo nas cenas em que divide com a esposa e como, com seu modo direto e seco demonstra seu amor. Há também uma forte ambiguidade entre sua obstinação em ganhar e a clareza com que tenta evitar riscos desnecessários e o ponto alto disto é a cena em que pede o cancelamento do GP da Alemanha realizado no perigoso circuito Nürburgring (que não é usado mais hoje) pelas péssimas condições de tempo. No momento ele mantinha uma ampla vantagem de pontos em relacao e Hunt e o cancelamento facilitaria essa vantagem e a composição de Brühl é perfeita em equilibrar essa fria busca pela vitória com o temor que o piloto tinha.
Do outro lado, Hemsworth é bastante competente em captar a persona explosiva, temperamental e impetuosa de Hunt, que se colocava em qualquer tipo de risco para vencer sem se importar com a própria segurança, um completo contraponto ao frio e contido Lauda. Assim como o rival austríaco, Hunt também não fica preso apenas ao retrato simplório de playboy irresponsável, ilustrando com igual habilidade a solidão e a melancolia do personagem, sugerindo que sua fachada frívola e seu engajamento com festas interminaveis fosse apenas um mecanismo de defesa do sujeito para suplantar seu vazio.
O filme também consegue criar de modo eficiente uma atmosfera de tensão e perigo envolvendo as corridas, já que na década de 70 a Fórmula 1 não tinha boa parte da segurança que tem hoje e era comum que um ou dois pilotos morressem por temporada, assim sendo o filme não se furta em mostrar os acidentes que ocorreram nas corridas, um lembrete constante que as vidas dos personagens estão em risco, mostrando com crueza o resultado dos acidentes, como fraturas expostas e queimaduras. O acidente de Lauda na Alemanha é um momento extremamente angustiante, já que a câmera fica estática enquanto nos mostra o corpo do piloto queimar dentro do cockpit e os poucos segundo que ela dura parecem intermináveis, pois temos clareza do sofrimento e da dor experimentada pelo personagem. A música composta por Hans Zimmer ajuda a potencializar essa sensação, investindo numa predominância de instrumentos de corda e acordes graves que dão uma sensação de melancolia e tensão, como se cada vez que eles subissem em seus carros nós os estivessemos vendo rumar para a morte.
As corridas são frenéticas, registradas com uma movimentação de câmera acelerada que acompanha os carros de perto, além de uma montagem ágil que dá sensação de um movimento constante e irrefreavel, assim, foi com surpresa que me vi empolgado e na beira do meu assento torcendo por corridas cujos resultados já conhecia, tamanha a eficácia da construção fílmica.
Se, depois de tudo que vimos, resta alguma dúvida sobre a natureza dos protagonistas e a relação que compartilham, a bela cena final entre os dois deixa claro aquilo que os move. Eles não competiam para vencer um ao outro, não davam seu melhor para parecerem melhores ou humilhar seus adversários, não faziam o que faziam pelos outros ou para os outros e sim para si mesmos, a existência de um outro tão competente como a si mesmo serve apenas como incentivo e combustível para melhorar a si mesmo, para superar os próprios limites, não o do outro. Este pensamento fica claro no GP do Japão quando Lauda se nega a continuar por conta da pesada chuva e névoa que tomam o circuito, enquanto Hunt continua a correr ignorando o risco, mostrando que um não queria provar nada ao outro, mas a si próprios. É este desejo e esta obstinação de superar a si mesmo, de aprimorar a própria técnica, de melhorar usando seus próprios meios e não os dos outros que inflama o coração e a alma de um verdadeiro esportista (e aqui estou sendo extremamente parcial, deixando claro que é meu ponto de vista), separando os verdadeiros campeões dos demais.
Rush: No Limite da Emoção é um belo estudo de personagem que consegue com extrema eficiência mergulhar em suas personalidades, nos revelando aquilo que habita em seus íntimos e que os faz seguir em frente.
Nota: 9/10

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