Para quem acompanha meus textos aqui, devem saber que não sou lá muito fã do diretor Michael Bay (Transformers, Bad Boys 2). Para mim o sujeito é a encarnação de tudo que está errado no cinema comercial americano, apostando em filmes incrivelmente inchados de efeitos especiais e explosões, sem nenhuma narrativa que sustente seus intermináveis filmes de mais de duas horas e uma direção repetitiva, cheia de cacoetes estilísticos aborrecidos e displicentes, além de um uso de câmera e montagem totalmente incompetentes no sentido de costurar uma continuidade espacial/temporal da encenação. No entanto, devo dizer que este Sem Dor, Sem Ganho é um filme bem bacana e provavelmente é o mais competente do diretor ao lado de A Rocha (1996).
O filme é baseado na história real de Daniel Lugo (Mark Wahlberg), um fisiculturista e instrutor de academia cansado de ficar olhando ricaços fora de forma se exercitarem em na academia em que trabalha e decide tomar para si este estilo de vida. Para isto ele se alia a dois amigos, Adrian (Anthony Mackie) e Paul (Dwayne “The Rock” Johnson) para sequestrar e extorquir um rico cliente (Tony Shalhoub). Obviamente os marombeiros não são muito inteligentes e seus planos constantemente dão errado, resultando em um ótimo material para uma comédia de erros na qual as ações idiotas geram consequências absurdas e cada vez mais sem sentido. Ao mesmo tempo em que critica a cultura de ostentação e futilidades da sociedade americana, um tema que também foi tratado no recente The Bling Ring: A Gangue de Hollywood.
Boa parte do mérito do humor reside no elenco afiado liderado por Mark Wahlberg que mais de uma vez demonstrou sua competência em interpretar idiotas como em Os Outros Caras (2010) e Ted (2012). Seu Lugo é um sujeito que representa o lado sombrio do sonho americano, um sujeito que acredita que o mundo está a seu serviço e que precisa apenas estender a mão e pegar aquilo que lhe convém, independente da legalidade ou moralidade da situação, uma visão que beira a sociopatia. Consumidor de livros de auto ajuda cujos ensinamentos se resumem a frases de efeitos vazias como “trace um plano e faça!”, o personagem simplesmente não aceita o fato de um sujeito que se exercitou tanto para construir seus músculos ainda não venceu na vida. Adrian, por sua vez, está desesperado por dinheiro para pagar seu caro tratamento de disfunção erétil, causada, é claro, pelo abuso de anabolizantes. O destaque, entretanto, é mesmo o Paul de The Rock, um ex-presidiário que se tornou cristão, mas vê no golpe uma chance para mudar de vida. O ator é extremamente competente em captar as nuances do personagem, em conflito entre sua recém adquirida religião e a ilegalidade de seus atos durante o golpe, além de um vício reprimido em cocaína que ocasionalmente vem à tona, tornando-o instável.
Até o ponto em que o primeiro golpe é bem sucedido e os personagens começam a torrar o dinheiro que ganharam, o filme funciona muito bem como comédia, mas daí para frente as coisas se tornam mais sérias, mais sombrias e violentas. Assim, parte do público pode se sentir incomodado em rir de algo no qual pessoas de verdade se machucaram e morreram, entretanto em alguns momentos as ações dos personagens são tão imbecis que é difícil não rir.
O absurdo de suas ações chega a ser tanto que em determinado momento o filme exibe o letreiro “esta ainda é uma história real” para nos lembrar que toda aquela sucessão de estupidez aconteceu de verdade. É importante salientar, no entanto, que apesar de retratar os personagens com uma abordagem cômica, o filme, pelo menos a meu ver, nunca assume uma postura simpática a eles nem nos pede para gostar deles, retratando-os inicialmente como um bando de idiotas fracassados que aos poucos vão se tornando sociopatas perigosos. Assim sendo, embora tenha rido de suas ações, nunca efetivamente torci por eles e nem deveria, afinal cometeram uma série de crimes graves e cruéis por razões completamente torpes e fúteis.
Assim como praticamente todos os filmes de Michael Bay o filme exibe os mesmos vícios estilísticos do diretor, como enquadramentos em ângulos baixos, planos na contraluz e uma fotografia com predominância de cores quentes. Tudo isso acaba funcionando no contexto do filme para retratar a ensolarada Miami, mas o que incomoda mesmo é a câmera que insiste em se mover o tempo todo e a montagem acelerada demais, principalmente se levarmos em conta que o filme não exibe as sequências de ação explosivas e movimentadas dos outros filmes de Bay. Outro erro que continua a incorrer no diretor é o de estender seus filmes mais do que deveria, que com seus 130 minutos, duração muito inchada para uma comédia, perde um pouco o fôlego e o ritmo em alguns momentos. Uns vinte ou trinta minutos a menos seriam incrivelmente benéficos neste aspecto.
Ainda assim, Sem Dor, Sem Ganho é uma comédia bem competente que, com seu humor ácido, nos mostra o que há de errado com o sonho americano.
Nota: 7/10
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