sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Crítica – Tabu

Com um título idêntico ao filme de 1931 dirigido por F.W Murnau e produzido por Robert Flaherty, este Tabu, do diretor português Miguel Gomes, não adota o mesmo título por mera coincidência ou apenas como uma referência. Se o filme dos anos 30 nos mostrava uma história focada na irrefreável perda da inocência, a obra de Gomes faz aqui o caminho inverso, começando com a culpa e a decadência para então retornar à inocência de outrora.
A trama acompanha Pilar (Teresa Madruga) uma lisboeta solitária que começa a se preocupar com sua vizinha Aurora (Laura Soveral) uma idosa que já parece distanciada da realidade, falando coisas sobre a África, jacarés e erros da juventude e que vive apenas na companhia de uma empregada cabo-verdiana que a trata com distanciamento. Quando a saúde de Aurora piora, Pilar decide cumprir um favor para a idosa e buscar um homem chamado Ventura (Henrique Espirito Santo) para encontrá-la e que pode esclarecer o que houve em seu passado.
O filme não pega apenas seu título do clássico de Murnau, mas também sua estrutura, a qual usa de modo inverso. Se na película de 31 o primeiro capítulo se chamava “Paraíso”, aqui começamos pelo “Paraíso Perdido”; que remete também ao romance de mesmo nome de John Milton sobre o pecado original, perda de inocência e expulsão do ser humano do paraíso, para então irmos à segunda parte do filme, agora sim intitulada “Paraíso” quando finalmente acompanhamos o passado de Aurora.

Os títulos não são por acaso e se relacionam diretamente com a situação vivida pelos personagens. O filme começa com estas pessoas já no fim da vida, solitárias e lamentando o rumo que tomaram. São figuras tristes, que sabem como suas vidas tornaram-se o que são e guardam pouca ilusão de que há alguma forma de repará-las. Pilar é uma lisboeta sozinha que tenta desesperadamente se reconectar a outros seres humanos, ela participa de protestos, gritando palavras de ordem com impassividade e apatia como se não acreditasse em nada daquilo e estivesse ali apenas para estar rodeada de pessoas. Ela tenta se abrigar jovens mochileiros em suas casa, mas seus esforços não surtem resultado, como se esta juventude nada quisesse com ela. Do mesmo modo, Aurora não tem nada em sua vida a não ser um conjunto de murmúrios desconexos sobre pesadelos, macacos e jacarés, a única outra pessoa em sua vida além da empregada é a filha, mas nunca a vemos, ouvimos ou sequer sabemos seu nome, no fim das contas ela é uma presença tão etérea e fantasmagórica quanto os sonhos e memórias fugidias que ela narra com tantos detalhes.
O preto e branco usado em todo o filme ajuda a dar o tom de algo distante e melancólico, mas também o de um universo onírico, que transita entre o delírio, a memória e o sonho. Se no início temos um investimento nos contrastes entre claro e escuro e uma iluminação vacilante que faz tudo parecer um delírio de Aurora, quando entramos na segunda parte, o “Paraíso”, no qual Ventura narra o passado dos dois, tudo se torna mais claro, mais amplo e iluminado, como se víssemos um sonho querido, uma memória cálida de juventude e uma rememoração nostálgica de um passado onde um amor proibido ainda parecia possível e concretizável.
Nesta segunda parte praticamente não há diálogos, ouvimos tudo através da narração de Ventura, é quase como se voltássemos à época do cinema mudo, no qual as imagens eram apenas acompanhadas por músicas e os intertítulos (aqui a voz de um personagem para facilitar o fluxo) “contavam” a história. É uma abordagem mais simples, para uma história mais simples de um amor proibido na época das colônias portuguesas na África, é como se o diretor Miguel Gomes precisasse retornar a este cinema mais simples, para contar essa história envolta por uma ingenuidade e um sentimentalismo simplório que o cinema de hoje não seria capaz de reproduzir.
No fim das contas Tabu acaba sendo um resgate não só da inocência dos seus personagens, mas também a do próprio cinema que outrora era capaz de emocionar, engajar e se conectar com seu público através da simples e pura força das imagens em movimento, remetendo a uma época na qual bastava ver essas imagens projetadas em uma tela para crer nelas e acompanhá-las.
Nota: 10/10

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