quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Crítica – A Vida Secreta de Walter Mitty

Em tempos de redes sociais onde todos se preocupam em registrar, filmar e fotografar cada acontecimento de modo a mostrá-los aos seus amigos virtuais, acumulando curtidas e comentários, sempre me perguntei se ao fazermos isso não estaríamos deixando de efetivamente viver essas experiências. A sensação é que ficamos mais preocupados em documentar e registrar cada momento e mostrar aos outros ao invés de absorver cada momento e tentar extrair dele algo que nos acrescente, nos transforme e nos melhore sem nos limitar a transformar cada instante em apenas uma oportunidade de fotografia.
Assim sendo, é curioso me deparar com este A Vida Secreta de Walter Mitty, que trata exatamente desta relação que temos com fotografias, redes sociais e quaisquer outros dispositivos que possuímos para registrar nossas vidas e como passamos boa parte do tempo ocupados em exibir uma imagem excessivamente positiva, exagerada e irrealista de nós mesmos que efetivamente deixamos de viver e experimentar nossas próprias vidas.
A trama é centrada em Walter (Ben Stiller) um pacato arquivista de negativos de uma grande revista. Walter não tem uma vida muito empolgante, mas constantemente sonha acordado em realizar grandes feitos, engajar-se em grandes batalhas e dar o troco em seu chefe babaca (Adam Scott) pelas provocações. Em sua vida propriamente dita, ele tenta se aproximar de Cheryl (Kristen Wiig), mas o único modo que encontra para fazer isso é tentando falar com ela através de um site de pessoas em busca de relacionamentos. As coisas se complicam para ele quando o negativo de uma importante foto do melhor fotógrafo (Sean Penn) da revista é extraviado e ele precisa localizar o profissional que está constantemente viajando e conforme roda o mundo atrás do fotógrafo, Walter passa a prestar mais atenção naquilo que o cerca do que em suas próprias fantasias.

É curioso (e talvez até incoerente) que um filme que trata de abraçar a realidade fazendo aquilo que se deseja ao invés de manter tudo como uma fantasia, adote uma estrutura tão fantástica que mais parece um conto de fadas, já que a trama e os eventos se desenrolam sempre da forma mais conveniente possível, recorrendo de tal modo a coincidências inacreditáveis e soluções demasiadamente simplórias que na grande maioria delas pensei se tratarem de mais uma fantasia do protagonista e não de um evento dentro da realidade concreta do filme, como o fato do celular dele funcionar até nas montanhas do Himalaia. O filme deveria ser sobre a jornada de um homem para se reconectar com a realidade, o mundo e as pessoas, mas ao invés disso temos uma narrativa que o afasta cada vez mais de tudo isso. As fantasias de Walter, por sinal, são bastante divertidas e muitas vezes cheias de momentos épicos que mais parecem saídos de um filme de super-heróis, o melhor momento talvez seja quando ele e o chefe lutam por causa de um boneco.
Se os acontecimentos da trama podem afastar parte do público pela enorme quantidade de deus ex machina e soluções demasiadamente convenientes, é interessante perceber como o filme constrói de forma simbólica e sutil seu comentário acerca de como a digitalização da vida cotidiana nos afasta de nós mesmos. Vemos isso na mudança que ocorre no trabalho de Walter ao longo do filme, a revista Life (vida em inglês) deixa de ser uma publicação física para se tornar a completamente digital Life.com, denotando como nossas vidas também deixaram de se tornar concretas e materiais para serem digitalizadas. A revelação final sobre o conteúdo da foto também é uma boa sacada, nos mostrando que os responsáveis pela construção de nossas vidas somos nós mesmos e que cabe a cada um construir a vida que deseja, basta querer seguir nossos objetivos ao invés de apenas fantasiar a respeito. Assim sendo, é lamentável como muitos diálogos são excessivamente expositivos, martelando a mensagem do filme de forma óbvia, formulaica e pouco sutil que de certa forma mina a construção metafórica e subtextual de outros momentos do filme, principalmente quando somamos isso aos enormes travellings de câmera em planos abertos de amplas paisagens ao som músicas descoladas que mais parece algo saído de um comercial de marca esportiva, algo que mais uma vez afasta o filme de seu ideal de retorno à realidade, uma vez que nos apresenta imagens altamente estilizadas e claramente tratadas.
Ainda assim, A Vida Secreta de Walter Mitty é um curioso lembrete de que a vida não é vivida ou medida através da internet, das redes sociais ou do número de curtidas que você recebe em seu perfil e sim quando saímos desses mundos virtuais, seja da internet ou de nossas cabeças, para efetivamente experimentar aquilo que está à nossa volta. Só é uma pena que ideia do filme seja melhor do que a execução em si, já que as escolhas narrativas e estilísticas constantemente vão de encontro à proposta do filme, caso contrário o resultado poderia ser bem mais bacana.
Nota: 5/10

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