terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Crítica - A Garota Dinamarquesa

Análise  A Garota Dinamarquesa


Review  A Garota Dinamarquesa
Tom Hooper é um diretor cujos filmes (O Discurso do Rei e Os Miseráveis) eu conseguia gostar apesar de sua direção atroz que muitas vezes sequer sabia o que fazer direito com a câmera, filmando em ângulos tortos ou usando enquadramentos pouco usuais (que não acrescentavam nada à composição das cenas) como se apenas quisesse demonstrar seu controle sobre sua obra, confundindo um amontoado de cacoetes inúteis com autoria. Neste Garota Dinamarquesa tive a sensação de que o diretor finalmente se desprendeu da ideia de que filmar com enquadramentos e ângulos esquisitos sem que isso tenha um propósito dramatúrgico não torna ninguém um "autor" e este é talvez o trabalho com sua melhor direção. O que ainda está longe de torná-lo um realizador verdadeiramente competente, já que o que sobra em virtuosismo estético, falta em emoção.

Baseado na história real de uma das primeiras pessoas a fazer uma cirurgia de mudança de sexo, o longa acompanha Einar Weneger (Eddie Redmayne) um pintor dinamarquês que faz sucesso com suas pinturas de paisagens. Sua esposa, Gerda (Alicia Vikander, do excelente Ex Machina: Instinto Artificial), é também uma pintora, mas não consegue fazer sucesso neste mundo dominado por homens. Quando uma amiga de Gerda falha em aparecer para ser modelo de uma pintura que está em progresso, a pintora pede ao marido para calças as sapatilhas e meias de balé para que ela termine o quadro. Isso desperta algo que Einar tinha deixado adormecido em si desde a infância e ganha mais força quando a esposa o estimula a ir vestido como Lili, o nome que assume como mulher, a um evento social como uma espécie de brincadeira. A questão é que para Einar isso não é apenas uma questão performática.

Hooper aqui se mostra mais contido em suas composições de cena, evitando invencionismos bobos e acompanhando a ação com sobriedade. É beneficiado pela ótima fotografia e também pelo bom trabalho de reconstrução de época e também de figurino. Se sua direção não atrapalha, o texto parece temer ir a fundo nas questões complexas de identidade de gênero e sexualidade e é apenas quando Lili e Gerda encontram um médico que fala na possibilidade de uma cirurgia é que o filme parece realmente lidar melhor com as ideias propostas até então.

A questão é que isso já acontece perto do fim e antes disso a obra apenas se limita a nos mostrar o desabrochar de Einar em Lili, conforme ela vai ficando cada vez mais segura de sua identidade como mulher como se fosse apenas uma barra de download se completando ou um mero jogo de esconde-esconde entre Einar e Lili. Os diálogos acabam pecando pelo excesso de exposição e didatismo, dizendo muito sobre o que os personagens vivenciam, mas deixando pouco espaço para o que eles de fato demonstrem algo, sendo um filme que fala muito, mas sente pouco.

Temos uma história sobre pioneirismo, sobre quebrar de barreiras, conhecer a própria essência e desconstruir de noções tradicionais de gênero há muito enraizadas na nossa sociedade, mas trata disso de modo frígido, hermético, sem a potência transgressora e questionadora da história que conta. Tudo é muito quadrado para narrar algo que é tudo menos quadrado.

Eddie Redmayne lida com bastante cuidado e sensibilidade a transição de Einar em Lili, que inicialmente parece arredio e tomado por culpa por se sentir bem fazendo algo que não é considerado correto, mas aos poucos vai se tornando mais confiante conforme entende que aquele é seu verdadeiro eu e sua linguagem corporal e modo de falar vai aos poucos se alterando. Já Alicia Vikander se sai muito bem ao convocar os sentimentos conflitantes de Gerda, que quer oferecer apoio ao marido, mesmo sem compreender exatamente o que está acontecendo, ao mesmo tempo em que lamenta ver a pessoa que ama desaparecer diante dos seus olhos e dar lugar a outra pessoa.

No fim das contas, A Garota Dinamarquesa acaba valendo pela importância da história que conta e das discussões que suscita sobre identidade de gênero, já que apresenta-se demasiadamente asséptico e rígido para engajar como deveria.

Nota: 6/10

Trailer:

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