quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Crítica - O Quarto de Jack



Jack (Jacob Tremblay) está fazendo cinco anos. Ele pede a sua mãe (Brie Larson) que faça para ele um bolo de aniversário, um bolo de verdade igual ao que ele vê na televisão. Antes disso ele descreve seu quarto e sua rotina com sua mãe. Seria uma infância perfeitamente normal se eles não estivessem cativos naquele quartinho minúsculo há anos com Jack inclusive tendo nascido ali e não conhecendo nada do mundo além daquelas quatro paredes. Conforme o tempo passa, Jack vai se tornando mais curioso com o que pode existir além do quarto e sua mãe começa a pensar em maneiras de sair dali.

A trajetória desses personagens não é apenas uma espécie de metáfora para o mito da caverna de Platão, sobre a importância de ir além das paredes e ampliar nossos horizontes, mas também sobre a ideia de que nada é irreparável e com o tempo nos livramos de nossas amarras.

Assim como fez no agridoce Frank (2015), o diretor Lenny Abrahamson mais uma vez se volta a um protagonista que vive em seu próprio mundo e é confrontado com a realidade. Contado praticamente sob o ponto de vista de Jack, cujo olhar inocente evita tornar tudo muito sombrio, o filme começa com planos fechados, que fazem o diminuto quarto parecer maior do que realmente é, dando a impressão de que há um mundo ali dentro e para o garoto é de seu mundo inteiro.

A luz é limitada e não há som que não venha de dentro do quarto, exceto nos poucos momentos em que o captor abre a porta. Já quando o menino se vê fora do quarto, os planos são mais abertos, revelando a amplitude dos espaços, a luz é intensa, quase que incômoda e a todo momento ouvimos os ruídos da rua como o som dos carros ou o burburinho das pessoas, nos lembrando do mundo enorme que há além das paredes.

Brie Larson constrói com bastante cuidado e sutileza a progressão de sua personagem como uma mãe altamente protetora dentro do cativeiro para uma jovem dominada pela culpa de ter permitido que o filho fosse exposto àquela situação, sabendo que o manteve por perto para ter uma razão de existir dentro daquele confinamento e ser capaz de suportar a situação. Além de Larson, o filme conta com um excelente elenco apoio, como William H. Macy, que faz uma breve participação como o pai da protagonista e mesmo falando pouco consegue dizer muito sobre como seu personagem se sente.

Apenas pela sua linguagem corporal, normalmente posicionando seu corpo em qualquer direção menos na do neto recém descoberto (e que sabe ser produto da violência a qual a sua filha foi submetida) percebemos sua rejeição ao garoto. Do mesmo modo, na cena do jantar seu personagem nunca explicita o motivo de sua inquietação, mas apenas pelo seu olhar vemos como Jack é para ele um doloroso e cruel lembrete dos abusos cruéis que sua filha sofreu. Igualmente eficiente é Joan Allen como a avó de Jack, que simplesmente exala calor humano e é difícil não emocionar quando ela segura o choro ao ouvir o neto dizer "te amo vó" pela primeira vez.

Nada disso, no entanto, adiantaria se não conseguíssemos ter empatia por Jack e jovem Jacob Tremblay consegue transmitir com grande sinceridade a inocência e vulnerabilidade do garoto. O garoto acaba sendo uma personificação do mito da caverna platônico, inicialmente rejeitando que qualquer coisa fora de seu quarto seja verdadeira, inclusive rechaçando a mãe com agressividade quando ela lhe revela que aquele quarto que é um mundo falso, mas sua desconfiança vai sendo aos poucos substituída por curiosidade conforme vai se adaptando à vida fora do confinamento.

Seu deslumbramento ao experimentar o mundo pela primeira vez, como o momento em que vê o céu ou quando brinca com um cachorro, são simplesmente encantadores. É interessante perceber também o modo como o garoto usa o corpo, mantendo-se curvado e encolhido, demonstrando seu condicionamento a espaços apertados, ou como evita olhar ou falar diretamente com as outras pessoas, já que sua mãe era quem fazia isso por ele. Aliás, não podia deixar de mencionar a ótima química que ele tem com Brie Larson, estabelecendo uma relação entre mãe e filho incrivelmente natural e orgânica.

Com um trabalho excelente de Brie Larson e Jacob Tremblay, O Quarto de Jack consegue ser igualmente incômodo e reconfortante, lidando com sensibilidade e equilíbrio com esses personagens em situações limite e suas tentativas de se relacionarem com o mundo.

Nota: 9/10

Trailer:

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