O
futebol americano é um esporte de intenso contato físico no qual os atletas são
submetidos constantemente a fortes impactos, inclusive na cabeça. É de se
imaginar que a NFL, o órgão que gerencia a liga americana, tenha plena ciência
dos riscos de saúde de se levar uma vida com golpes na cabeça em ritmo quase
que diário, mas a verdade é que a liga sempre negou que o cotidiano de um
atleta de futebol americano pudesse causar dano cerebral permanente e foi
preciso que um médico legista sem qualquer envolvimento com o esporte
questionasse isso para que a poderosa entidade finalmente fosse questionada
sobre esse problema.
Um Homem Entre Gigantes é baseado na história real de Bennet Omalu (Will
Smith), médico nigeriano que trabalhava como legista na cidade de Pittsburgh
nos Estados Unidos. Por acaso ele é incumbido de fazer a autópsia do ex-jogador
Mike Webster (David Morse) e descobre que o dano cerebral decorrente de quase
duas décadas de futebol americano profissional foram os responsáveis pelos
problemas físicos e mentais que levaram o jogador ao suicídio. Aos poucos o
médico vai percebendo uma aparição constante de casos semelhantes entre outros
atletas do mesmo esporte. Quando resolve tornar públicas as suas descobertas, Omalu
é violentamente rechaçado pela NFL, que faz tudo para desacreditá-lo e os
resultados de sua pesquisa.
A
trama trabalha bem a construção do contexto envolvendo o caso, mostrando como o
futebol americano não é apenas uma parte importante da cultura dos Estados
Unidos, mas também de sua economia, e a quantidade absurda de dinheiro
movimentada pelo esporte desperta interesse não apenas dos times em si, como
também das prefeituras, empresas de mídia e praticamente todas as outras
organizações envolvidas com o esporte. Assim, fica claro que praticamente
ninguém tem interesse em construir o esporte como uma atividade de alto
risco, já que isso poria em risco toda a lucratividade do negócio.
Will
Smith defende bem a intensidade e cuidado que Omalu tem por seu trabalho,
deixando claro a sua conduta ética e apaixonada que dá aos mortos a mesma
atenção que um clínico daria a um paciente vivo. O ator empresta seu habitual
carisma a um personagem que poderia facilmente soar como um genérico de House
ou Sherlock Holmes, já que o roteiro faz pouco esforço para ir além do
arquétipo do investigador genial e sem tato com pessoas.
David
Morse tem uma participação breve como Mike Webster, mas consegue construir bem
o tormento mental experimentado pelo ex-jogador, um homem confuso e devastado
que sabe ter problemas sérios, mas é incapaz de compreender o que exatamente
lhe causa tanto mal. Completando o elenco temos Alec Baldwin e o veterano
Albert Brooks como médicos que acompanham Omalu em sua cruzada e ambos trazem performances
bastante sólidas como profissionais que compreender o vespeiro com o qual estão
mexendo.
A
talentosa Gugu Mbatha-Raw (do ótimo Nos
Bastidores da Fama), porém, é desperdiçada como Prema, a esposa de Omalu. A
relação dos dois é tratada de modo bastante superficial e apressado pela trama
e o romance parece acontecer por pura necessidade do roteiro, já que nunca há
tempo para construir o que exatamente eles viram um no outro. Em um instante
eles são estranhos sem aparentemente nada em comum, em outro já estão
apaixonados e no seguinte já estão casados, é tudo muito rápido para realmente
nos envolver e nos engajar em seu romance.
Outro
problema é que apesar de tratar de uma séria violação ética por parte da NFL,
cuja negligência em relação ao problema é praticamente criminosa, o filme
parece ter receio de atacar diretamente as pessoas envolvidas em divulgar
mentiras, sabotar Omalu e remover das empresas que gerenciam o esporte a
responsabilidade pela falta de cuidado com os jogadores.
O
texto vai sempre fazer acusações genéricas "a NFL" ou "ao
sistema", mas nunca demonstra vontade de ir atrás de seus principais
porta-vozes e defensores, como o dirigente Roger Goodell (Luke Wilson) que
aparece muito pouco e em nenhum momento é citado por ninguém como uma das
mentes por trás de todo o encobrimento da pesquisa de Omalu, embora fique claro
que ele seja. Ao manter seus oponentes como um vazio e impessoal
"eles" ao invés de enfrentar diretamente os responsáveis, a denúncia
perde força e nesse sentido o documentário Head
Games (2012) é muito mais contundente em seu ataque às práticas antiéticas
da NFL.
Assim,
o filme se limita apenas a mostrar o sofrimento de Omalu frente aos ataques da
instituição, pesando a mão no sentimentalismo e perdendo o foco da denúncia que
tentava fazer. Um exemplo disso é a cena em que Omalu finalmente se dirige aos
jogadores e é observado pelos "fantasmas" dos jogadores que examinou
numa ilustração piegas de sua vitória ao finalmente fazer o sofrimento daqueles
homens ser ouvido. A música é igualmente exagerada, berrando de maneira
intrusiva ao espectador o que quer que ele sinta a cada momento do filme, sem
dar qualquer espaço para sutilezas.
Além
disso, a narrativa parece constantemente receosa em despertar a má vontade ou
raiva do cidadão médio estadunidense ao atacar seu esporte favorito e assim os
personagens aparecem constantemente dizendo que não tem "nada contra o
futebol americano", quase que pedindo licença a sua audiência para
apresentar suas críticas à gestão do esporte. Soa incomodamente medroso que um
texto tão convincente em sua argumentação precise pedir qualquer tipo de
permissão ou desculpas para falar aquilo que deseja.
Do
mesmo modo, a maneira com a qual o filme insistentemente se refere aos
"valores americanos", seu ideal de nação e o destino manifesto
daquele povo também soa igual e desesperadamente apologético, quase como se o
filme se dirigisse diretamente ao
público e falasse: "olha pessoal, apesar de estarmos aqui criticando um
elemento central da cultura dos Estados Unidos, não somos antiamericanos e
acreditamos realmente que este é o melhor país do mundo". A questão não é
acreditar ou não na superioridade do país e sim o filme ter um receio tão
grande de ser mal interpretado pelo seu público ao ponto de precisar justificar
seu patriotismo repetidas vezes, como se expor uma organização corrupta,
negligente e fundamentalmente criminosa fosse algo que pudesse por em
questionamento o comprometimento de alguém com seu país.
No
fim, Um Homem Entre Gigantes acaba
valendo a pena pela qualidade de seu elenco e pelos seus argumentos
provocadores em relação ao modo como o esporte profissional é conduzido, ainda
que a apresentação de sua denúncia não seja tão contundente quanto deveria.
Nota: 5/10
Trailer:
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