segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Crítica - Um Homem Entre Gigantes



O futebol americano é um esporte de intenso contato físico no qual os atletas são submetidos constantemente a fortes impactos, inclusive na cabeça. É de se imaginar que a NFL, o órgão que gerencia a liga americana, tenha plena ciência dos riscos de saúde de se levar uma vida com golpes na cabeça em ritmo quase que diário, mas a verdade é que a liga sempre negou que o cotidiano de um atleta de futebol americano pudesse causar dano cerebral permanente e foi preciso que um médico legista sem qualquer envolvimento com o esporte questionasse isso para que a poderosa entidade finalmente fosse questionada sobre esse problema.

Um Homem Entre Gigantes é baseado na história real de Bennet Omalu (Will Smith), médico nigeriano que trabalhava como legista na cidade de Pittsburgh nos Estados Unidos. Por acaso ele é incumbido de fazer a autópsia do ex-jogador Mike Webster (David Morse) e descobre que o dano cerebral decorrente de quase duas décadas de futebol americano profissional foram os responsáveis pelos problemas físicos e mentais que levaram o jogador ao suicídio. Aos poucos o médico vai percebendo uma aparição constante de casos semelhantes entre outros atletas do mesmo esporte. Quando resolve tornar públicas as suas descobertas, Omalu é violentamente rechaçado pela NFL, que faz tudo para desacreditá-lo e os resultados de sua pesquisa.

A trama trabalha bem a construção do contexto envolvendo o caso, mostrando como o futebol americano não é apenas uma parte importante da cultura dos Estados Unidos, mas também de sua economia, e a quantidade absurda de dinheiro movimentada pelo esporte desperta interesse não apenas dos times em si, como também das prefeituras, empresas de mídia e praticamente todas as outras organizações envolvidas com o esporte. Assim, fica claro que praticamente ninguém tem interesse em construir o esporte como uma atividade de alto risco, já que isso poria em risco toda a lucratividade do negócio.

Will Smith defende bem a intensidade e cuidado que Omalu tem por seu trabalho, deixando claro a sua conduta ética e apaixonada que dá aos mortos a mesma atenção que um clínico daria a um paciente vivo. O ator empresta seu habitual carisma a um personagem que poderia facilmente soar como um genérico de House ou Sherlock Holmes, já que o roteiro faz pouco esforço para ir além do arquétipo do investigador genial e sem tato com pessoas.

David Morse tem uma participação breve como Mike Webster, mas consegue construir bem o tormento mental experimentado pelo ex-jogador, um homem confuso e devastado que sabe ter problemas sérios, mas é incapaz de compreender o que exatamente lhe causa tanto mal. Completando o elenco temos Alec Baldwin e o veterano Albert Brooks como médicos que acompanham Omalu em sua cruzada e ambos trazem performances bastante sólidas como profissionais que compreender o vespeiro com o qual estão mexendo.

A talentosa Gugu Mbatha-Raw (do ótimo Nos Bastidores da Fama), porém, é desperdiçada como Prema, a esposa de Omalu. A relação dos dois é tratada de modo bastante superficial e apressado pela trama e o romance parece acontecer por pura necessidade do roteiro, já que nunca há tempo para construir o que exatamente eles viram um no outro. Em um instante eles são estranhos sem aparentemente nada em comum, em outro já estão apaixonados e no seguinte já estão casados, é tudo muito rápido para realmente nos envolver e nos engajar em seu romance.

Outro problema é que apesar de tratar de uma séria violação ética por parte da NFL, cuja negligência em relação ao problema é praticamente criminosa, o filme parece ter receio de atacar diretamente as pessoas envolvidas em divulgar mentiras, sabotar Omalu e remover das empresas que gerenciam o esporte a responsabilidade pela falta de cuidado com os jogadores.

O texto vai sempre fazer acusações genéricas "a NFL" ou "ao sistema", mas nunca demonstra vontade de ir atrás de seus principais porta-vozes e defensores, como o dirigente Roger Goodell (Luke Wilson) que aparece muito pouco e em nenhum momento é citado por ninguém como uma das mentes por trás de todo o encobrimento da pesquisa de Omalu, embora fique claro que ele seja. Ao manter seus oponentes como um vazio e impessoal "eles" ao invés de enfrentar diretamente os responsáveis, a denúncia perde força e nesse sentido o documentário Head Games (2012) é muito mais contundente em seu ataque às práticas antiéticas da NFL.

Assim, o filme se limita apenas a mostrar o sofrimento de Omalu frente aos ataques da instituição, pesando a mão no sentimentalismo e perdendo o foco da denúncia que tentava fazer. Um exemplo disso é a cena em que Omalu finalmente se dirige aos jogadores e é observado pelos "fantasmas" dos jogadores que examinou numa ilustração piegas de sua vitória ao finalmente fazer o sofrimento daqueles homens ser ouvido. A música é igualmente exagerada, berrando de maneira intrusiva ao espectador o que quer que ele sinta a cada momento do filme, sem dar qualquer espaço para sutilezas.

Além disso, a narrativa parece constantemente receosa em despertar a má vontade ou raiva do cidadão médio estadunidense ao atacar seu esporte favorito e assim os personagens aparecem constantemente dizendo que não tem "nada contra o futebol americano", quase que pedindo licença a sua audiência para apresentar suas críticas à gestão do esporte. Soa incomodamente medroso que um texto tão convincente em sua argumentação precise pedir qualquer tipo de permissão ou desculpas para falar aquilo que deseja.

Do mesmo modo, a maneira com a qual o filme insistentemente se refere aos "valores americanos", seu ideal de nação e o destino manifesto daquele povo também soa igual e desesperadamente apologético, quase como se o filme se dirigisse diretamente  ao público e falasse: "olha pessoal, apesar de estarmos aqui criticando um elemento central da cultura dos Estados Unidos, não somos antiamericanos e acreditamos realmente que este é o melhor país do mundo". A questão não é acreditar ou não na superioridade do país e sim o filme ter um receio tão grande de ser mal interpretado pelo seu público ao ponto de precisar justificar seu patriotismo repetidas vezes, como se expor uma organização corrupta, negligente e fundamentalmente criminosa fosse algo que pudesse por em questionamento o comprometimento de alguém com seu país.

No fim, Um Homem Entre Gigantes acaba valendo a pena pela qualidade de seu elenco e pelos seus argumentos provocadores em relação ao modo como o esporte profissional é conduzido, ainda que a apresentação de sua denúncia não seja tão contundente quanto deveria.

Nota: 5/10

Trailer:

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