Depois
da fraca terceira temporada, House of
Cards volta à boa forma neste quarto ano ao colocar Frank Underwood (Kevin
Spacey) diante de adversários tão ardilosos quanto ele, ao mesmo tempo em que
segredos antigos insistem em não se manterem ocultos. Irei tentar evitar
spoilers ao máximo, mas imagino que inevitavelmente informações das temporadas
anteriores e desta irão ser abordadas.
A
atual temporada começa mais ou menos no ponto em que a anterior acabou, com uma
cisão entre Frank e sua esposa Claire (Robin Wright), colocando ambos em rota
de colisão conforme ele segue com sua candidatura a presidente. Ao mesmo tempo,
o jornalista Lucas Goodwin (Sebastian Arcelus) sai da prisão disposto a revelar
a verdade envolvendo o presidente e todas as suas manobras para chegar ao
poder.
Claire
se revela a mais perigosa adversária que Frank enfrentou até então, não apenas
por ela saber seus segredos, mas por ser tão fria, cruel, implacável e disposta
a passar por cima de qualquer um e qualquer coisa para conseguir o que quer. Isso
fica terrivelmente claro quando Claire intimida sua própria mãe (Ellen
Burstyn), que por sinal está com um câncer terminal, a lhe dar o dinheiro para
sua candidatura ao congresso, demonstrando que ela não se importa com qualquer
outra coisa que não o poder. Diferente de outros adversários enfrentados pelo
atual presidente, Claire consegue antecipar seus movimentos e pegá-lo desprevenido,
deixando-o exposto de um modo que ainda não tínhamos visto e ainda por cima mantém-se
disposta a sabotá-lo mesmo quando ele se encontra incapacitado, demonstrando
que é mesmo tão dura e cruel quanto ele.
Tudo
isso serve também para dar mais espaço a Robin Wright, que vai além do papel de
Lady Macbeth ao qual sua personagem é costumeiramente relegada, permitindo que
ela exiba todo o alcance de sua engenhosidade e seus ardis. A já citada cena em
que ela intimida a própria mãe a colaborar já é um dos momentos mais intensos
da personagem em toda a série. Kevin Spacey continua excelente ao evocar a
personalidade pragmática e cínica de Underwood que entrega frases de efeito
memoráveis nos momentos de quebra da quarta parede e não hesita em recorrer à
pura truculência quando esgotou as possibilidades de fazer alguém cooperar,
como fica claro quando admite em falso tom de brincadeira os assassinatos que
cometeu apenas para amedrontar a secretária de Estado Cathy Durant (Jayne
Atkinson).
Na
verdade, Claire é uma oponente tão formidável que temi que a temporada fosse
perder força em sua segunda metade quando o foco passa a ser o oponente
republicano de Frank nas eleições presidenciais, o governador Will Conway (Joel
Kinnaman). Felizmente Conway se revela um oponente à altura e Kinnaman se sai
muito bem em fazer dele alguém incrivelmente cínico e ególatra que é tão amoral
e sedento por poder quanto o próprio Frank. Aliás, a cena em que eles se
encontram sozinhos pela primeira vez é um embate verbal tão bem orquestrado
quanto o encontro entre Pacino e De Niro em Fogo
Contra Fogo (1995) e assim como no filme de Michael Mann, aqui os dois
personagens também percebem o quanto são parecidos apesar de serem adversários.
Completando
a chapa da oposição temos Colm Feore (o Rei Laufey do primeiro Thor) como o vice de Conway, um general
descontente com o modo com qual Frank lida com o terrorismo, mas é íntegro e
leal o suficiente para discordar das manobras oportunistas de Conway ao usar a
falta de ação do governo como estratégia de campanha. Os ataques do republicano
inclusive conseguem manter Frank tão ocupado que ele não consegue ver a
aproximação de Tom Hammerschimidt (Boris McGiver), ex-editor de Lucas Goodwin
que está muito perto de conseguir provas de todos os atos ilícitos cometidos
pelo atual presidente nas duas temporadas anteriores.
Além
de um intrincado e bem conduzido jogo de intrigas, a atual temporada também tem
muito a dizer sobre questões que permeiam o debate público, em especial nos
Estados Unidos. Ao longo da temporada, vemos a série abordar a questão da necessidade
maior de controle sobre a comercialização de armas de fogo, sobre a ascensão de
um grupo como o estado islâmico (que aqui recebe outro nome) se deu em parte
pela conivência do governo estadunidense e também sobre os perigos do uso
irrestrito dos aparelhos de vigilância do governo.
A
temporada também trata da espetacularização das campanhas eleitorais, exibindo consciência de
que na política a percepção que se tem de um fato é mais importante do que o
fato em si. Assim tornando necessário que os indivíduos envolvidos na política
sejam capazes de direcionar o enquadramento dado a estes eventos (em especial
pelos meios de comunicação) para que estes lhes sejam favoráveis de modo a
manter a opinião pública do seu lado e contra seus adversários. Quando não é
possível obter um enquadramento favorável, a alternativa é mudar o foco para
outro acontecimento que possa manter uma luz positiva sobre si. Isso é
exatamente o que Frank faz ao usar o que chamo de "manobra George W.
Bush" ao convocar o país a uma guerra contra o terrorismo, instigando o
medo e instabilidade entre os cidadãos para desviar o foco das denúncias contra
ele.
Assim
sendo, a quarta temporada de House of
Cards é possivelmente a melhor desde a primeira, mantendo um hábil manejo
da intriga, colocando o protagonista contra adversários tão capazes quanto ele,
trazendo novas consequências a tramas de temporadas anteriores e levantando
discussões sobre temas políticos e sociais da contemporaneidade.
Nota:
9/10
Trailer:
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