segunda-feira, 7 de março de 2016

Crítica - House of Cards: 4ª Temporada




Depois da fraca terceira temporada, House of Cards volta à boa forma neste quarto ano ao colocar Frank Underwood (Kevin Spacey) diante de adversários tão ardilosos quanto ele, ao mesmo tempo em que segredos antigos insistem em não se manterem ocultos. Irei tentar evitar spoilers ao máximo, mas imagino que inevitavelmente informações das temporadas anteriores e desta irão ser abordadas.

A atual temporada começa mais ou menos no ponto em que a anterior acabou, com uma cisão entre Frank e sua esposa Claire (Robin Wright), colocando ambos em rota de colisão conforme ele segue com sua candidatura a presidente. Ao mesmo tempo, o jornalista Lucas Goodwin (Sebastian Arcelus) sai da prisão disposto a revelar a verdade envolvendo o presidente e todas as suas manobras para chegar ao poder.

Claire se revela a mais perigosa adversária que Frank enfrentou até então, não apenas por ela saber seus segredos, mas por ser tão fria, cruel, implacável e disposta a passar por cima de qualquer um e qualquer coisa para conseguir o que quer. Isso fica terrivelmente claro quando Claire intimida sua própria mãe (Ellen Burstyn), que por sinal está com um câncer terminal, a lhe dar o dinheiro para sua candidatura ao congresso, demonstrando que ela não se importa com qualquer outra coisa que não o poder. Diferente de outros adversários enfrentados pelo atual presidente, Claire consegue antecipar seus movimentos e pegá-lo desprevenido, deixando-o exposto de um modo que ainda não tínhamos visto e ainda por cima mantém-se disposta a sabotá-lo mesmo quando ele se encontra incapacitado, demonstrando que é mesmo tão dura e cruel quanto ele.

Tudo isso serve também para dar mais espaço a Robin Wright, que vai além do papel de Lady Macbeth ao qual sua personagem é costumeiramente relegada, permitindo que ela exiba todo o alcance de sua engenhosidade e seus ardis. A já citada cena em que ela intimida a própria mãe a colaborar já é um dos momentos mais intensos da personagem em toda a série. Kevin Spacey continua excelente ao evocar a personalidade pragmática e cínica de Underwood que entrega frases de efeito memoráveis nos momentos de quebra da quarta parede e não hesita em recorrer à pura truculência quando esgotou as possibilidades de fazer alguém cooperar, como fica claro quando admite em falso tom de brincadeira os assassinatos que cometeu apenas para amedrontar a secretária de Estado Cathy Durant (Jayne Atkinson).

Na verdade, Claire é uma oponente tão formidável que temi que a temporada fosse perder força em sua segunda metade quando o foco passa a ser o oponente republicano de Frank nas eleições presidenciais, o governador Will Conway (Joel Kinnaman). Felizmente Conway se revela um oponente à altura e Kinnaman se sai muito bem em fazer dele alguém incrivelmente cínico e ególatra que é tão amoral e sedento por poder quanto o próprio Frank. Aliás, a cena em que eles se encontram sozinhos pela primeira vez é um embate verbal tão bem orquestrado quanto o encontro entre Pacino e De Niro em Fogo Contra Fogo (1995) e assim como no filme de Michael Mann, aqui os dois personagens também percebem o quanto são parecidos apesar de serem adversários.

Completando a chapa da oposição temos Colm Feore (o Rei Laufey do primeiro Thor) como o vice de Conway, um general descontente com o modo com qual Frank lida com o terrorismo, mas é íntegro e leal o suficiente para discordar das manobras oportunistas de Conway ao usar a falta de ação do governo como estratégia de campanha. Os ataques do republicano inclusive conseguem manter Frank tão ocupado que ele não consegue ver a aproximação de Tom Hammerschimidt (Boris McGiver), ex-editor de Lucas Goodwin que está muito perto de conseguir provas de todos os atos ilícitos cometidos pelo atual presidente nas duas temporadas anteriores.

Além de um intrincado e bem conduzido jogo de intrigas, a atual temporada também tem muito a dizer sobre questões que permeiam o debate público, em especial nos Estados Unidos. Ao longo da temporada, vemos a série abordar a questão da necessidade maior de controle sobre a comercialização de armas de fogo, sobre a ascensão de um grupo como o estado islâmico (que aqui recebe outro nome) se deu em parte pela conivência do governo estadunidense e também sobre os perigos do uso irrestrito dos aparelhos de vigilância do governo.

A temporada também trata da espetacularização das  campanhas eleitorais, exibindo consciência de que na política a percepção que se tem de um fato é mais importante do que o fato em si. Assim tornando necessário que os indivíduos envolvidos na política sejam capazes de direcionar o enquadramento dado a estes eventos (em especial pelos meios de comunicação) para que estes lhes sejam favoráveis de modo a manter a opinião pública do seu lado e contra seus adversários. Quando não é possível obter um enquadramento favorável, a alternativa é mudar o foco para outro acontecimento que possa manter uma luz positiva sobre si. Isso é exatamente o que Frank faz ao usar o que chamo de "manobra George W. Bush" ao convocar o país a uma guerra contra o terrorismo, instigando o medo e instabilidade entre os cidadãos para desviar o foco das denúncias contra ele.

Assim sendo, a quarta temporada de House of Cards é possivelmente a melhor desde a primeira, mantendo um hábil manejo da intriga, colocando o protagonista contra adversários tão capazes quanto ele, trazendo novas consequências a tramas de temporadas anteriores e levantando discussões sobre temas políticos e sociais da contemporaneidade.

Nota: 9/10

Trailer:

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