Tenho
que confessar que sou fã do cantor e compositor Alceu Valença e quando soube
que ele iria dirigir um longa-metragem fiquei curioso para ver o que ele
poderia fazer. Este A Luneta do Tempo
poderia de algum modo ser classificado como uma espécie de western do sertão pernambucano e nas mãos de outros poderia ser uma
pálida tentativa de emular um formato hollywoodiano conhecido, mas ao contar um
história que se estende por gerações do conflito entre cangaceiros e
autoridades, Valença está mais preocupado em reverenciar nossa própria história
e cultura do que em qualquer aproximação com formatos estrangeiros.
Lampião
(Irandhir Santos) lidera seu bando pelo sertão pernambucano acompanhado por Maria
Bonita (Hermila Guedes) enquanto são perseguidos pelas autoridades. Seu
principal adversário é Antero Tenente (Servilio Holanda), que jurou vingança
depois de ter sido amarrado de cabeça para baixo e abandonado pelo bando. A
rivalidade entre Antero e Severo Brilhante (Evair Bahia), braço direito de
Lampião, acaba se estendendo para gerações posteriores.
Com
diálogos predominantemente rimados e com a música acompanhando os personagens a
todo tempo, a sensação é que estamos acompanhando um cordel ou um repente
ganhar vida diante dos nossos olhos. Por mais que o filme trate de algo do
nosso passado histórico, há um lirismo encantador fruto justamente dessa opção
de contar a história através desses modos tradicionais da cultura local.
Sua
reconstrução do período remete de modo sincero a vida em uma cidade do
interior, figuras típicas desses locais e os "causos" sobre amor,
traição e eventos inexplicáveis que eram contados através de cordéis, repentes
e modas de viola. Inclusive porque o interesse de Valença aqui não é falar
exatamente sobre o cangaço, mas sobre o povo e a cultura que existe em torno
dessas figuras históricas e examinar como e porque essas figuras se mantiveram
no imaginário popular, mesmo quando a "história oficial" os tachou de
criminosos, e as apropriações feitas a partir de sua iconografia.
De
maneira simbólica, vemos Lampião sobreviver através do tempo e recusar-se a
morrer pelo modo como pouca coisa muda com o passar das gerações e as situações
e problemas de outrora permanecem na vida da população. Lampião, aliás, é
vivido com a competência habitual de Irandhir Santos, que capta toda a
complexidade do líder do cangaço, fazendo dele um homem simultaneamente bruto e
sensível, rebelde e respeitoso, humilde e sábio. A Maria Bonita de Hermila
Guedes é construída com um igual cuidado, transitando com sensibilidade entre a
dureza e a ternura.
Duro
também é o árido sertão pernambucano e câmera de Valença consegue deixar claro
o quanto esse ambiente pode ser hostil com o sol causticante e as paisagens
dominadas por árvores retorcidas e ressacadas. No entanto, também é capaz de
encontrar beleza em meio à secura bravia, como o instante em que Lampião colhe
flores ou o momento em que vemos a silhueta do cangaceiro delineada pelo pôr do
sol.
A Luneta do Tempo acaba se revelando, portanto, uma vibrante e
apaixonada celebração da cultura nordestina, demonstrando as razões da
permanência de suas figuras em nosso imaginário e o fascínio que elas
despertam.
Nota:
8/10
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