terça-feira, 22 de março de 2016

Crítica - A Luneta do Tempo

Irandhir Santos A Luneta do Tempo


Alceu Valença A Luneta do TempoTenho que confessar que sou fã do cantor e compositor Alceu Valença e quando soube que ele iria dirigir um longa-metragem fiquei curioso para ver o que ele poderia fazer. Este A Luneta do Tempo poderia de algum modo ser classificado como uma espécie de western do sertão pernambucano e nas mãos de outros poderia ser uma pálida tentativa de emular um formato hollywoodiano conhecido, mas ao contar um história que se estende por gerações do conflito entre cangaceiros e autoridades, Valença está mais preocupado em reverenciar nossa própria história e cultura do que em qualquer aproximação com formatos estrangeiros.

Lampião (Irandhir Santos) lidera seu bando pelo sertão pernambucano acompanhado por Maria Bonita (Hermila Guedes) enquanto são perseguidos pelas autoridades. Seu principal adversário é Antero Tenente (Servilio Holanda), que jurou vingança depois de ter sido amarrado de cabeça para baixo e abandonado pelo bando. A rivalidade entre Antero e Severo Brilhante (Evair Bahia), braço direito de Lampião, acaba se estendendo para gerações posteriores.

Com diálogos predominantemente rimados e com a música acompanhando os personagens a todo tempo, a sensação é que estamos acompanhando um cordel ou um repente ganhar vida diante dos nossos olhos. Por mais que o filme trate de algo do nosso passado histórico, há um lirismo encantador fruto justamente dessa opção de contar a história através desses modos tradicionais da cultura local.

Sua reconstrução do período remete de modo sincero a vida em uma cidade do interior, figuras típicas desses locais e os "causos" sobre amor, traição e eventos inexplicáveis que eram contados através de cordéis, repentes e modas de viola. Inclusive porque o interesse de Valença aqui não é falar exatamente sobre o cangaço, mas sobre o povo e a cultura que existe em torno dessas figuras históricas e examinar como e porque essas figuras se mantiveram no imaginário popular, mesmo quando a "história oficial" os tachou de criminosos, e as apropriações feitas a partir de sua iconografia.

De maneira simbólica, vemos Lampião sobreviver através do tempo e recusar-se a morrer pelo modo como pouca coisa muda com o passar das gerações e as situações e problemas de outrora permanecem na vida da população. Lampião, aliás, é vivido com a competência habitual de Irandhir Santos, que capta toda a complexidade do líder do cangaço, fazendo dele um homem simultaneamente bruto e sensível, rebelde e respeitoso, humilde e sábio. A Maria Bonita de Hermila Guedes é construída com um igual cuidado, transitando com sensibilidade entre a dureza e a ternura.

Duro também é o árido sertão pernambucano e câmera de Valença consegue deixar claro o quanto esse ambiente pode ser hostil com o sol causticante e as paisagens dominadas por árvores retorcidas e ressacadas. No entanto, também é capaz de encontrar beleza em meio à secura bravia, como o instante em que Lampião colhe flores ou o momento em que vemos a silhueta do cangaceiro delineada pelo pôr do sol.

A Luneta do Tempo acaba se revelando, portanto, uma vibrante e apaixonada celebração da cultura nordestina, demonstrando as razões da permanência de suas figuras em nosso imaginário e o fascínio que elas despertam.

Nota: 8/10

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