O
drama Entre Nós (2014) me surpreendeu
pelos seus personagens complexos e sensível estudo sobre um grupo de pessoas
solitárias, tanto que fiquei curioso por este Zoom, novo projeto de Pedro
Morrelli (que dirigiu Entre Nós ao
lado do pai, Paulo Morelli), que seria uma narrativa envolvendo diversos
núcleos de personagens e misturando atores reais com animação.
A
trama acompanha três artistas, que enfrentam problemas para levar suas criações
adiante. A modelo Michelle (Mariana Ximenes) quer se tornar uma escritora, mas
seu marido, Dale (Jason Priestley), não tem confiança em seu trabalho e acha
que seu editor apenas está interessado nela por sua beleza. Emma tenta escrever
uma história em quadrinhos, mas percebe que seu colega de trabalho, com quem
tem uma relação casual, a subestima por sua aparência comum e ela começa a
pensar em colocar próteses de silicone. Enquanto isso, Edward (Gael Garcia
Bernal) é um galã e diretor famoso por filmes de ação blockbuster, mas enfrenta resistência do estúdio ao tentar fazer um
filme mais artístico.
De
início pensei que seria mais um desses filmes com diversas histórias separadas
que inevitavelmente se cruzam apenas para dizer como "estamos todos
conectados" e que todas as nossas ações impactam aqueles ao nosso redor,
algo que já foi feito à exaustão por filmes como 360 (2011), Crash: No Limite
(2004) ou A Viagem (2012).
Felizmente, porém, sua intenção não é essa e sim tratar como vivemos presos a
padrões que nos são impostos pelos outros e muitas vezes deixamos de perseguir
aquilo que nos é importante apenas para nos adequarmos a um determinado padrão.
Emma,
por exemplo, trabalha em uma fábrica de bonecas sexuais e passa seus dias
cercada de manequins com seios enormes, cintura fina e outros atributos que
compõem o "padrão comercial de beleza", então é compreensível que ela
pense em aumentar os seios como uma caminho para a felicidade e autoestima.
Afinal ela vê diariamente vários homens preferindo consumir essas bonecas
artificiais, mas aparentemente perfeitas de acordo com um determinado (e cruel)
padrão de beleza, a se relacionar com uma mulher de verdade.
Já
Michelle e Edward tem dificuldade em serem levados à sério justamente por serem
atraentes, com todos ao seu redor fazendo questão de tratá-los como objetos e
deixando claro para eles que sua aparência é a única coisa que lhes interessa e
o único valor que possuem. Michelle parece descontente com sua vida como modelo
e o tratamento de objeto que é relegado a ela, tanto que há uma oposição clara
entre as cores frias e cinzentas de seu apartamento, transformando-o em um
ambiente quase que opressivo, com a paisagem viva e colorida das praias
brasileiras, nas quais ela se sente à vontade para dar vazão à sua
criatividade.
O
arco de Edward também mostra como a indústria do cinema muitas vezes não tem
nenhum interesse na faceta artística deste meio expressivo, se preocupando
apenas em repetir as fórmulas e estruturas que fazem sucesso com o público. Há
um certo exagero no retrato pintado aqui, que por vezes descamba parra uma
caricatura excessiva, mas nem por isso deixa de ser pertinente, sem mencionar
que rendem momentos bem engraçados entre Edward e seu produtor.
O
segmento com Edward, aliás, é mostrado todo através de animação usando o processo
da rotoscopia digital (similar ao usado por Richard Linklater em filmes como Waking Life e O Homem Duplo) para transformar os atores em desenhos. As cenas
animadas são cheias e cores intensas e uma estética que tende à pop art, com um uso bem sacado das cores
para revelar o estado emocional de seus personagens e se o rosa vibrante marca
os primeiros momento do personagem de Bernal, assim que ele perde seu, digamos,
"borogodó", ele assume uma cor verde escura que denota o quanto ele
se sente mal consigo mesmo.
Apesar
de ser um libelo contra os padrões de beleza e ideais de felicidade impostos
pela indústria do consumo, Zoom trata
tudo com leveza e bom humor, preferindo expor ao ridículo essas falsas noções
criadas com o único intuito de nos induzir ao consumo ao invés de adotar uma
postura mais agressiva como fizeram filmes de temática semelhante como Clube da Luta (1999). Vemos isso nos
momentos hilários em que Emma tenta se adaptar aos seus peitões siliconados ou
na reação da chefe de estúdio ao perceber que Edward fez um filme "de
arte" e não um blockbuster e o
produtor imediatamente promete colocar mais explosões e ação no filme. Tudo
isso culmina em um clímax altamente farsesco, com perseguições, traficantes e
tiroteios, feitos justamente para fazer graça em cima dos exageros de uma
determinada parcela da produção cinematográfica, que parece preocupada apenas
com o espetáculo.
As
múltiplas narrativas por vezes se atropelam e ocasionalmente o filme se entrega
a um didatismo excessivo para explicar seus temas ao público. A revelação de
que cada uma dessas histórias é uma narrativa contada por outro personagem
formando uma espécie de loop dá vazão
a um interessante exercício de metalinguagem e a algumas ótimas situações, como
o silicone que vaza da prótese de Emma caindo sobre seu quadrinho, literalmente
borrando os personagem do universo habitado por Gael Garcia Bernal.
Apesar
disso, as brincadeiras metalinguísticas meio que saem do controle perto do
final, indo e voltando nas influências de um nível narrativo para o outro de um
modo que me fez até temer que o filme descambasse para uma bagunça sem coesão,
o que felizmente não acontece. O final, no entanto, acaba pesando a mão no modo
como o filme transmite sua mensagem ao colocar uma personagem escrevendo
"acordem!" em uma folha de papel, entregando sem sutileza sua
mensagem de que a conformidade com os padrões estabelecidos é uma falsa noção
de felicidade.
Assim
sendo, apesar de ocasionalmente parecer não conseguir dar conta de suas
próprias pretensões, Zoom é uma ágil,
instigante e bem humorada crítica sobre como vivemos de aparências e tentamos
nos moldar a padrões que nem sempre nos representam verdadeiramente.
Nota: 6/10
Trailer:
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