terça-feira, 29 de março de 2016

Crítica - Zoom




O drama Entre Nós (2014) me surpreendeu pelos seus personagens complexos e sensível estudo sobre um grupo de pessoas solitárias, tanto que fiquei curioso por este Zoom, novo projeto de Pedro Morrelli (que dirigiu Entre Nós ao lado do pai, Paulo Morelli), que seria uma narrativa envolvendo diversos núcleos de personagens e misturando atores reais com animação.

A trama acompanha três artistas, que enfrentam problemas para levar suas criações adiante. A modelo Michelle (Mariana Ximenes) quer se tornar uma escritora, mas seu marido, Dale (Jason Priestley), não tem confiança em seu trabalho e acha que seu editor apenas está interessado nela por sua beleza. Emma tenta escrever uma história em quadrinhos, mas percebe que seu colega de trabalho, com quem tem uma relação casual, a subestima por sua aparência comum e ela começa a pensar em colocar próteses de silicone. Enquanto isso, Edward (Gael Garcia Bernal) é um galã e diretor famoso por filmes de ação blockbuster, mas enfrenta resistência do estúdio ao tentar fazer um filme mais artístico.

De início pensei que seria mais um desses filmes com diversas histórias separadas que inevitavelmente se cruzam apenas para dizer como "estamos todos conectados" e que todas as nossas ações impactam aqueles ao nosso redor, algo que já foi feito à exaustão por filmes como 360 (2011), Crash: No Limite (2004) ou A Viagem (2012). Felizmente, porém, sua intenção não é essa e sim tratar como vivemos presos a padrões que nos são impostos pelos outros e muitas vezes deixamos de perseguir aquilo que nos é importante apenas para nos adequarmos a um determinado padrão.

Emma, por exemplo, trabalha em uma fábrica de bonecas sexuais e passa seus dias cercada de manequins com seios enormes, cintura fina e outros atributos que compõem o "padrão comercial de beleza", então é compreensível que ela pense em aumentar os seios como uma caminho para a felicidade e autoestima. Afinal ela vê diariamente vários homens preferindo consumir essas bonecas artificiais, mas aparentemente perfeitas de acordo com um determinado (e cruel) padrão de beleza, a se relacionar com uma mulher de verdade.

Já Michelle e Edward tem dificuldade em serem levados à sério justamente por serem atraentes, com todos ao seu redor fazendo questão de tratá-los como objetos e deixando claro para eles que sua aparência é a única coisa que lhes interessa e o único valor que possuem. Michelle parece descontente com sua vida como modelo e o tratamento de objeto que é relegado a ela, tanto que há uma oposição clara entre as cores frias e cinzentas de seu apartamento, transformando-o em um ambiente quase que opressivo, com a paisagem viva e colorida das praias brasileiras, nas quais ela se sente à vontade para dar vazão à sua criatividade.

O arco de Edward também mostra como a indústria do cinema muitas vezes não tem nenhum interesse na faceta artística deste meio expressivo, se preocupando apenas em repetir as fórmulas e estruturas que fazem sucesso com o público. Há um certo exagero no retrato pintado aqui, que por vezes descamba parra uma caricatura excessiva, mas nem por isso deixa de ser pertinente, sem mencionar que rendem momentos bem engraçados entre Edward e seu produtor.

O segmento com Edward, aliás, é mostrado todo através de animação usando o processo da rotoscopia digital (similar ao usado por Richard Linklater em filmes como Waking Life e O Homem Duplo) para transformar os atores em desenhos. As cenas animadas são cheias e cores intensas e uma estética que tende à pop art, com um uso bem sacado das cores para revelar o estado emocional de seus personagens e se o rosa vibrante marca os primeiros momento do personagem de Bernal, assim que ele perde seu, digamos, "borogodó", ele assume uma cor verde escura que denota o quanto ele se sente mal consigo mesmo.

Apesar de ser um libelo contra os padrões de beleza e ideais de felicidade impostos pela indústria do consumo, Zoom trata tudo com leveza e bom humor, preferindo expor ao ridículo essas falsas noções criadas com o único intuito de nos induzir ao consumo ao invés de adotar uma postura mais agressiva como fizeram filmes de temática semelhante como Clube da Luta (1999). Vemos isso nos momentos hilários em que Emma tenta se adaptar aos seus peitões siliconados ou na reação da chefe de estúdio ao perceber que Edward fez um filme "de arte" e não um blockbuster e o produtor imediatamente promete colocar mais explosões e ação no filme. Tudo isso culmina em um clímax altamente farsesco, com perseguições, traficantes e tiroteios, feitos justamente para fazer graça em cima dos exageros de uma determinada parcela da produção cinematográfica, que parece preocupada apenas com o espetáculo.

As múltiplas narrativas por vezes se atropelam e ocasionalmente o filme se entrega a um didatismo excessivo para explicar seus temas ao público. A revelação de que cada uma dessas histórias é uma narrativa contada por outro personagem formando uma espécie de loop dá vazão a um interessante exercício de metalinguagem e a algumas ótimas situações, como o silicone que vaza da prótese de Emma caindo sobre seu quadrinho, literalmente borrando os personagem do universo habitado por Gael Garcia Bernal.

Apesar disso, as brincadeiras metalinguísticas meio que saem do controle perto do final, indo e voltando nas influências de um nível narrativo para o outro de um modo que me fez até temer que o filme descambasse para uma bagunça sem coesão, o que felizmente não acontece. O final, no entanto, acaba pesando a mão no modo como o filme transmite sua mensagem ao colocar uma personagem escrevendo "acordem!" em uma folha de papel, entregando sem sutileza sua mensagem de que a conformidade com os padrões estabelecidos é uma falsa noção de felicidade.

Assim sendo, apesar de ocasionalmente parecer não conseguir dar conta de suas próprias pretensões, Zoom é uma ágil, instigante e bem humorada crítica sobre como vivemos de aparências e tentamos nos moldar a padrões que nem sempre nos representam verdadeiramente.

Nota: 6/10

Trailer:

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