quarta-feira, 27 de abril de 2016

Crítica - O Dono do Jogo



Quando soube que a história do prodígio do xadrez Bobby Fischer seria contada a partir de seu longo duelo com o campeão russo Boris Spassky, imaginei que o filme seria uma mistura de Rocky IV (1985), por usar uma disputa esportiva com valor simbólico para a Guerra Fria, com Uma Mente Brilhante (2001), por causa do protagonista paranoico e com claros problemas mentais, e, bem, O Dono do Jogo é exatamente isso sem tirar nem por.

No filme, Fischer (Tobey Maguire) começa a bilhar no xadrez desde adolescente e ao chegar na idade adulta tem sua carreira financiada pelo governo e entidades privadas para poder competir ao redor do mundo e assim finalmente derrotar os imbatíveis enxadristas russos, em especial o campeão Spassky (Liev Schrieber). Ao longo da jornada ele tem a companhia de seu advogado/empresário Paul Marshall (Michael Stuhlbarg, que esse ano trabalhou nos indicados ao Oscar Steve Jobs e Trumbo: Lista Negra) e do padre e enxadrista Bill Lombardy (Peter Saarsgard).

O principal empecilho para o triunfo de Fischer, no entanto, não são seus adversários, mas sua própria mente e ego, já que ele constantemente se perde em delírios paranoicos sobre estar sendo perseguido pelos comunistas e judeus, ações que o afastam do mundo competitivo e das pessoas ao seu redor. A questão é que o filme mostra muito da paranoia e instabilidade do personagem, mas parece fazer pouco esforço para estudá-lo ou analisá-lo, vemos uma sucessão de episódios de desequilíbrio mental ou emocional, mas o filme pouco tenta compreender o que está por trás disso.

Aqui e ali vemos alguns pequenos insights como sua relação problemática com a mãe, mas não só é muito pouco, como isso é meramente mostrado sem qualquer esforço crítico ou analítico. Fora isso temos algumas explanações feitas a partir de diálogos cheios de frases e lugares comuns rasteiros, como o momento em que o padre diz "ele não tem medo do que acontecerá se ele perder, mas do que acontece se ele ganhar" ou quando a irmã diz "ele está fazendo declarações anti-semitas, mas ele é judeu", que não nos dizem nada que Maguire já não tenha nos revelado com sua atuação.

Maguire, aliás, é o que segura o filme, concebendo Fischer como alguém que vive praticamente o tempo inteiro dentro da própria cabeça e é completamente alheio ao mundo e as pessoas ao seu redor. Um homem brilhante, um enxadrista obsessivo e implacável, mas também um sujeito profundamente perturbado e cheio de vulnerabilidade. Ao lado de Maguire está o bom trabalho de Schrieber que mesmo não tendo o mesmo tempo de tela ou desenvolvimento do protagonista ainda consegue fazer de Spassky um personagem interessante, alguém que tem plena consciência de que está sendo usado como uma marionete política e de propaganda, mas se dispõe a desempenhar essa papel simplesmente por sua paixão e obsessão pelo xadrez, além de, claro, da oportunidade de enfrentar e derrotar os melhores do mundo.

O restante dos personagens, no entanto, são mais dispositivos de roteiro do que sujeitos plenamente realizados o que é uma pena dada a competência de nomes como Stuhlbarg e Saarsgard. Superficial também é o tratamento a uma série de questões que a própria trama levanta, como a questão ética do governo estadunidense explorar e levar ao limite um sujeito que claramente precisava de acompanhamento médico. O mesmo às relações entre União Soviética e Estados Unidos, que são reduzidas a um maniqueísmo simplório (EUA = bom, União Soviética = do mal) sem problematizar o controle excessivo, quase que fascistoide, que ambos governos exercem sobre seus competidores.

Assim sendo, O Dono do Jogo vale por levar ao público a história de um dos maiores enxadristas do século XX e pelo trabalho de Tobey Maguire, mas é derivativo e raso demais para fazer jus à complexidade do sujeito que retrata.

Nota: 6/10

Trailer:

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