terça-feira, 5 de abril de 2016

Crítica - Rua Cloverfield 10


 
Estamos numa época em que a internet é capaz de dissecar todos os detalhes de um filme antes dele ser lançado, quando fotos de sets de filmagem e roteiros inevitavelmente vazam online e mesmo peças oficiais de divulgação como trailers já revelam a trama inteira e as principais reviravoltas de um filme (como aconteceu com Exterminador do Futuro: Gênesis ou Batman vs Superman). Assim sendo, o fato de J.J Abrams (que também foi eficiente em manter em segredo o seu Star Wars: O Despertar da Força) conseguir colocar em produção e manter a existência deste Rua Cloverfield 10 completamente em segredo até poucos meses antes de seu lançamento já é um mérito por si só.

Hoje dificilmente uma continuação, spin-off ou "sucessor espiritual" (como a produtora de Abrams insiste em chamar esse filme) de uma produção relativamente bem sucedida como Cloverfield: Monstro (2008), passaria batido pelo radar da imprensa especializada e ao utilizar uma estratégia que vai na contramão do mercado, confesso que a produtora Bad Robot conseguiu me deixar bastante intrigado para conferir este produto que pode ou não se conectar com a narrativa de 2008.

Abandonando o formato de found footage do filme anterior, a trama começa quando Michelle (Mary Elizabeth Winstead) sai de casa depois de brigar com o namorado. Quando sofre um acidente de carro ela acorda em um bunker subterrâneo com suas feridas tratadas, mas algemada a um corrimão. Seu anfitrião é o corpulento e rígido ex-militar Howard (John Goodman), que lhe informa que houve um grande ataque e o ar fora contaminado, restando a eles se abrigarem no esconderijo subterrâneo que ele construiu em sua fazenda. Além deles o abrigo também é habitado por Emmett (John Gallagher Jr), que parece ter tanto medo de Howard quanto Michelle.

O filme impõe um jogo de tensão conduzido com precisão pelo roteiro de Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle (do excelente Whiplash: Em Busca da Perfeição) a da condução segura de Dan Trachtenberg. A cada instante a narrativa nos obriga a questionar o que está acontecendo e a habilidade dos personagens em lidar com a situação, afinal não sabemos exatamente se Howard está dizendo a verdade ou não, qual a natureza da ameaça externa ou mesmo se Michelle está de fato mais segura lá dentro do que no exterior desconhecido.

Cada vez que achamos que entendemos o que está acontecendo a narrativa nos pega desprevenidos com uma nova revelação e novamente retornamos ao nosso lugar de incerteza. Há um evento que acaba sendo esquecido no meio da trama que é a descoberta de uma garota desaparecida, deixado de lado em certo ponto, mas isso acaba sendo um problema menor.

O clima de tensão é sublinhado pela câmera claustrofóbica, sempre próxima aos personagens e deixando clara a pequenez do lugar e de como não há como evitar um ao outro. O cenário inclusive é um personagem tão importante e ambíguo quanto os próprios indivíduos que o habitam, podendo parecer ocasionalmente como um lugar caloroso e seguro, como também um ambiente frio, opressivo e sombrio no qual coisas horríveis podem suceder.

A música ajuda a delinear a tensão subjacente, mas evitando exageros, muitas vezes deixando que o temor cresça naturalmente das situações. E sim, temos uma boa parcela de situações incrivelmente tensas, como a cena do primeiro jantar em que Emmett tenta quebrar o gelo com uma conversa bem humorada e é constantemente rechaçado por Howard e a tensão vai aos poucos crescendo até o ex-militar explodir num rompante de violência ao ver Michelle fazer algo que considera inapropriado.

Goodman, aliás, entrega seu melhor trabalho em muito tempo ao fazer de Howard um sujeito incrivelmente ambivalente, pois apesar de demonstrar uma preocupação genuína com Michelle, mesmo diante da hostilidade inicial dela, e de parecer ter a situação sob controle, ele vai aos poucos revelando também o quanto é agressivo, perturbado e autoritário, basicamente o pior tipo de pessoa para se ter num confinamento. A performance de Goodman nos deixa incertos quanto às intenções do personagem e mesmo depois que seu caráter nos fica claro, ele ainda consegue injetar humanidade suficiente em Howard (como na inesperada cena da dança) para que ele não seja apenas um louco caricato.

Já Winstead traz a Michelle uma personalidade assertiva que raramente vemos nesse tipo de filme (principalmente se lembrarmos da estupidez dos personagens de Cloverfield: Monstro), já que desde seu primeiro instante no bunker ela tenta tomar as rédeas do seu destino. A atriz deixa claro que sua personagem está assustada com a situação, mas ao mesmo tempo não se permite acanhar diante do medo e seu pragmatismo e intensidade, mesmo diante do medo, ajudam a tornar o explosivo clímax ainda mais dinâmico e cheio de suspense.

Rua Cloverfield 10 acaba se revelando um competente suspense sobre o quanto a humanidade pode ser mais assustadora que qualquer monstro, investindo em um clima constante de tensão e personagens bem construídos.

Nota: 8/10

Trailer:

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