Confesso que não achei a primeira
temporada de Agentes da S.H.I.E.L.D
grande coisa, sem foco e sem conseguir dosar humor e tensão, a série parecia
presa à sombra do universo cinematográfico da Marvel. Claro, ela melhorou
bastante depois que a reviravolta de Capitão América: O Soldado Invernal permitisse que os personagens seguissem seus
próprios rumos. A segunda temporada se aprofundou um pouco mais nos personagens
e no próprio universo Marvel (inclusive introduzindo os inumanos), mas foi
nesta terceira que a série pareceu chegar no potencial que se esperava dela.
Evidentemente o texto a seguir contem SPOILERS.
Começando pouco tempo depois dos
eventos da temporada anterior, vemos os agentes tentando conter os efeitos dos
cristais terrígenos lançados nos mar que fazem surgir novos inumanos que ainda
não são capazes de compreender plenamente seus poderes. À frente da busca por
esses novos inumanos está Skye, quer dizer, Daisy (Chloe Bennet), finalmente
usando seu nome real e no controle das habilidades que adquiriu na segunda
temporada. A situação deles se complica quando uma nova força-tarefa do
governo, a ATCU, começa a caçar e capturar os inumanos, fazendo Coulson (Clark
Gregg) desconfiar que sua líder, Rosalind (Constance Zimmer), trabalhar para a
Hidra.
Ao contrário das temporadas
anteriores, essa consegue finalmente equilibrar a tensão e humor, já que antes
o excesso de tiradas engraçadinhas em momentos de tensão e urgência acabava
aborrecendo e dando uma impressão de inconsistência tonal. Com esse novo
equilíbrio, a temporada conseguiu manejar bem a tensão e suspense na primeira
metade da temporada conforme os agentes tentam descobrir se Rosalind é ou não
uma ameaça, além do surgimento de Lash, uma feroz criatura devotada a matar
inumanos e também da insistência do renegado Ward (Brett Dalton) em continuar a
dar trabalho aos heróis.
A relação entre Coulson e
Rosalind é cuidadosamente trabalhada ao longo dos episódios e foi divertido ver
que a desconfiança e troca de provocações foi aos poucos dando espaço ao flerte
e evoluindo para um romance. É justamente pela boa construção desse
relacionamento que seu desfecho inesperado e violento é tão impactante, pois
vimos uma transformação verdadeira com esses personagens.
A revelação que quem estava no
controle da Hidra era Gideon Malick (Powers Boothe) faz uma breve ponte com os
filmes. Para quem não lembra, o personagem aparece no primeiro Os Vingadores
(2012) como membro do Conselho Mundial de Segurança sendo aquele passa por cima
de Nick Fury (Samuel L. Jackson) e ordena que Nova Iorque seja destruída com
uma bomba nuclear. A informação de que ele era na verdade Hidra nos faz ver a
decisão sobre outro prisma.
Outro personagem relacionado aos
filmes que aparece nesta temporada é Werner von Strucker (Spencer Treat Clark),
filho do Barão Von Strucker (Thomas Kretschmann). A sua introdução na série me
fez crer que ele faria jus à vilania de sua família que seu pai não conseguiu
mostrar em Vingadores: Era de Ultron
(2015), quando foi eliminado sem causar muito impacto. Werner, no entanto, é
também despachado rapidamente sem mostrar a que veio.
Depois de passar a segunda
temporada inteira sem jamais explicar direito como funcionava essa nova S.H.I.E.L.D,
qual sua relação com o governo e de onde ela conseguia financiamento (nem mesmo
a subtrama da "outra S.H.I.E.L.D esclareceu isso), a narrativa finalmente
aborda como a agência funciona. O presidente Ellis (William Sadler), que foi
introduzido no universo Marvel em Homem
de Ferro 3 (2013), aparece em um episódio para enfim explicar qual o status da agência.
Essa temporada também chamou a
atenção por trazer algo que era característico das produções televisivas de
Joss Whedon (que aqui é o produtor executivo) que é trazer episódios
radicalmente diferentes da estrutura narrativa da série. Quem assistiu Buffy: A Caça-Vampiros certamente lembra
de episódios que eram bem atípicos, quase que experimentais, como aquele que é
inteiramente em silêncio ou o que se desenvolvia como um musical (e Shonda
Rhimes também fez um episódio musical em Grey's
Anatomy). Aqui o episódio em questão é o excelente 4.772 Hours que acompanha quase que exclusivamente a Simmons
(Elizabeth Henstridge), perdida em um planeta alienígena e aparentemente
sozinha. Ao longo do episódio vemos suas dificuldades para sobreviver, lidar com o isolamento e tentar
escapar dali de um modo que chega a lembrar um pouco o filme Perdido em Marte (2015). Henstridge é
ótima em convocar a transformação do otimismo característico da personagem em
um desespero quase bestial.
A relação entre Simmons e Fitz
(Iain De Caestecker) também vai sendo desenvolvida ao longo da temporada e,
assim como aconteceu com Coulson e Rosalind, o romance entre eles funciona tão
bem pelo modo como esse afeto vai sendo construído aos poucos e com cuidado.
Aliás, toda a dinâmica do grupo é outro acerto dessa temporada. Se antes
parecia forçado toda aquela abordagem de "somos uma família" nas
temporadas anteriores, aqui vemos isso finalmente ser merecido e todos desenvolvem
não apenas uma boa química entre si, mas parecem se relacionar com bastante
naturalidade. Tanto que um dos momentos de maior impacto emocional é a
despedida de Bobbi (Adrianne Palicki) e Hunter (Nick Blood), que talvez ganhem
sua própria série, justamente porque a esse ponto sabemos o laço que cada um
dos membros da equipe compartilha.
Os personagens não apenas são
bons em conjunto, como também individualmente. Clark Gregg é hábil em mostrar
como Coulson lida com algumas decisões difíceis, em especial como ele joga
cautela pela janela para se vingar de Ward, matando-o sem compaixão. Inclusive
é bastante acertada a decisão de fazê-lo esmagar o peito de Ward, já que o
renegado tinha metaforicamente destruído o coração de Coulson com suas ações,
então soa bastante apropriado que ele tenha, de algum modo, retribuído o favor
em sua vingança. Outro acerto é justamente o de não tentar nem por um instante
tentar redimir Ward, algo que eu temi que pudesse acontecer desde que ele se
revelou um traidor na primeira temporada, já que as ações extremas do
personagem tornariam pouco crível sua regeneração. O assassinato de Ward, no
entanto, é algo que irá pender na consciência de Coulson pelo resto da
temporada, principalmente porque é usando o corpo de Ward que o vilão Hive (não
confundir com a H.I.V.E da DC) chega à terra.
Já Daisy precisa lidar com sua
nova condição como inumana e com o papel mais proeminente que passa a exercer
no grupo, principalmente em liderar novos inumanos recrutados para o time. Ao
longo da temporada ela também constrói uma amizade bastante genuína com Mack
(Henry Simmons). Mack, aliás, funciona como o coração da equipe e por mais que
esse arquétipo do "gigante gentil" já tenha sido usado à exaustão há
uma compaixão e calor humano tão verdadeiros no olhar de Henry Simmons que é
difícil não colar no personagem. Sem mencionar o quanto foi divertido vê-lo
finalmente construir (e usar) seu tão falado machado-escopeta (um machopeta?)
no final temporada.
A única coisa que não funciona no
arco de Daisy nessa temporada é sua relação com Lincoln (Luke Mitchell), que
parece acontecer por pura conveniência de roteiro. Outro fator que faz a
relação não funcionar é que Lincoln nunca consegue ser um personagem
minimamente interessante, prejudicado pela performance apática de Luke
Mitchell. Essa falta de aderência ao casal chega a prejudicar uma cena essencial
do último episódio. Não fosse o talento de Chloe Bennet em demonstrar o
desespero e desamparo de Daisy com a situação, um grande momento climático
terminaria como uma pálida imitação da cena entre Steve Rogers (Chris Evans) e
Peggy (Hayley Atwell) ao fim de Capitão
América: O Primeiro Vingador (2011). No entanto, preciso admitir o quanto
foi bem sacada a cena final entre Lincoln e Hive, já que ao invés de colocá-los
para lutar até o fim, vemos os dois passarem seus últimos instantes refletindo
sobre a própria mortalidade.
A introdução dos Guerreiros
Secretos, equipe que aqui foi formada pelos novos recrutas inumanos, também foi
decepcionante. Uma vez formado o time, eles imediatamente foram dispensados,
deixando a promessa de que em breve seriam chamados em caso de necessidade. Isso
não apenas demorou para acontecer como mal vimos o time em ação e ele já é
dissolvido, já que descobrem que Hive pode "controlar" outros
inumanos.
O episódio que faz a ligação com
o recente Capitão América: Guerra Civil ajuda
a dar um escopo maior aos Tratados de Sokovia, mas também cria um relativo
problema. Se o "time oficial" dos Vingadores agora está sob controle
do governo, então qual o motivo do General Talbot (Adrian Pasdar) não chamá-los
no instante em que fica ciente da ameaça em escala global que Hive representa?
Afinal é esse tipo de problema que os herois deveriam resolver e alguém
poderoso como o Visão (Paul Bettany) poderia dar conta dele sozinho sem
dificuldade e o roteiro nunca dá um motivo para que Talbot sequer pense (ou
faça menção) em acionar os Vingadores. Não estou dizendo que os Vingadores precisavam aparecer, mas não faz sentido que alguém como Talbot sequer tentasse, nem que fosse para dizer em seguida que a ONU demoraria demais para tomar uma decisão e que eles deveriam resolver sozinhos. Falando em Talbot, ele tem a frase mais
engraçada da temporada com "o Hulk
rastafári é seu marido?" ao se referir a Lash.
A temporada traz boas cenas de
ação, em especial a luta entre May (Ming-Na Wen) e Giyera (o astro de filmes B de ação Mark Dacascos). Os efeitos especiais também são relativamente competentes
considerando o orçamento de uma série de canal aberto (nos EUA a série é
exibida pela ABC), tanto ao trabalhar os poderes de alguns personagens quanto
em algumas criaturas digitais, em especial a "verdadeira face" de
Hive que aparece no último episódio.
Assim sendo, a terceira temporada
de Agentes da S.H.I.E.L.D finalmente
mostra o potencial que a série tem, alcançando um equilíbrio entre o humor e a
tensão, aprofundando seus personagens, expandindo o universo Marvel,
respondendo algumas questões pendentes e apontando novos e instigantes caminhos
com a elipse temporal que encerra esse ano da série.
Nota: 8/10
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