Depois
do final decepcionante da sexta temporada que eliminou de maneira trôpega e
apressada vários personagens da série, temi pelo que poderia acontecer na
sétima e última temporada de The Good
Wife. A segunda metade da temporada anterior tinha sido relativamente
inferior ao alto nível que a série costumava a apresentar e havia o temor de
que sua última temporada pudesse oferecer um desfecho indigno de sua
trajetória. A questão é que apesar de problemático e polarizador, o final não
chega a ser completamente insatisfatório como aconteceu com séries como Dexter ou Two and a Half Men. Devo avisar que os parágrafos seguintes estão
cheios de SPOILERS da temporada em questão e também de eventos anteriores.
Em
virtude da "limpa" promovida no fim da temporada anterior, o início
da sétima temporada demorou um pouco para engrenar, já que praticamente
"resetou" a série e precisava nos apresentar a um conjunto de novos
personagens e também a uma situação radicalmente nova para Alicia Florrick
(Julianna Margulies) que agora trabalhava completamente por conta própria.
As
principais adições foram a sagaz e enérgica advogada Lucca Quinn (Cush Jumbo),
que sempre tinha um comentário mordaz na ponta da língua, mas apesar de ser
altamente carismática a série parecia não saber o que fazer exatamente com ela.
Tanto que em boa parte da metade final da temporada sua função era basicamente
"shippar" o casal Alicia e Jason (Jeffrey Dean Morgan, que fez o
Thomas Wayne no recente Batman vs Superman: A Origem da Justiça). Com um charme rústico e uma boa química com
Margulies, eles formaram um casal interessante e o espírito incansável do
investigador fez dele um substituto digno da ausente Kalinda (Archie Panjabi)
embora não esteja à altura dela nos melhores momentos da série.
Ao
longo da temporada The Good Wife
manteve o consistente equilíbrio entre o "caso da semana" e a trama
maior da temporada. Como de costume na série, os episódios traziam discussões
maduras sobre temas complexos como os mecanismos de vigilância do governo dos
Estados Unidos, questões de direito autoral, preconceito no ambiente de
trabalho e outros temas de grande relevância. O principal mérito é como os showrunners Robert e Michelle King conseguem
tecer discussões maduras sobre essas questões, evitando maniqueísmos e
respostas prontas, reconhecendo que não são coisas fáceis de resolver.
Ao
mesmo tempo, temos toda aquela intriga política e de escritório que também era
recorrente e funcionava principalmente pelo modo como os roteiros jamais
subestimavam a inteligência de seus personagens, que formavam alianças,
tentavam prever as ações dos oponentes e reagir de acordo. Como cada um deles
conhecia muito bem seus adversários e seu estilo de ação, isso gerava
intrigantes disputas entre os diferentes personagens, como aquela envolvendo
Eli Gold (Alan Cumming) e a nova consultora política de Peter (Chris Noth),
Ruth Eastman (Margo Martindale). A trama realmente engrena, no entanto, a partir
do início do indiciamento de Peter na segunda metade da temporada e um ágil
jogo de xadrez entre a promotoria e a defesa de Peter.
O series finale
No
entanto é no último episódio que as coisas desandam um pouco. As conversas
imaginárias entre Alicia e Will Gardner (Josh Charles) começam como um modo
interessante de fechar o ciclo dos personagens, mas ao longo do episódio o recurso
é tão banalizado que acaba esvaziado de sentido. Outra coisa que incomoda é que
nunca parece realmente o último episódio de uma série que durou sete
temporadas, mas mais um episódio como qualquer outro. Tudo bem que tivemos um
grande reencontro entre os muitos personagens da série no vigésimo episódio
(aquele com o casamento da mãe de Peter), mas mesmo ali o fechamento do arco de
alguns personagens pareceu apressado, em especial o do filho de Alicia, Zach
(Graham Phillips). O personagem ficou ausente toda a temporada, mas em um
episódio tem um conflito apresentado, desenvolvido e resolvido, fazendo tudo
soar exagerado e rápido demais.
Já
no episódio final, tudo é muito focado no resultado do julgamento de Peter,
quando sabemos que a resolução disso é praticamente irrelevante. Àquela altura,
com o vindouro divórcio já anunciado aos filhos, ficou claro que Alicia o defende
mais por algum tipo de senso de dever do que por crer em sua inocência e o modo
seco e irônico com o qual ela negocia com a promotoria deixa claro que ela não
sente absolutamente nada pelo marido.
Assim,
parecia lógico que a série terminasse onde começou, com Alicia sendo
requisitada a cumprir seu papel de "boa esposa" ao lado do marido em
uma coletiva de imprensa na qual mais uma vez ele admitiria ações
comprometedoras. Eu tenho um fraco por arcos narrativos simétricos, ao colocar
uma personagem em uma situação semelhante à sua situação inicial, podemos ver
indubitavelmente o quanto ela mudou e/ou o quanto permaneceu a mesma. Como nos
momentos iniciais da série, temos uma coletiva de imprensa, uma mensagem de voz
que provavelmente nunca será ouvida e um tapa nos bastidores.
A cena final
Se
no início da série Alicia era uma figura passiva em tudo isso, agora, no
entanto, tudo acontecia por consequência direta de suas ações. Ao dar um tapa
na cara do marido no início da série víamos em Alicia sua raiva, frustração e
amargura pela desfaçatez e cinismo de Peter que a submeteram a uma humilhação
pública. Esses mesmos sentimentos foram vistos na face de Diane Lockhart
(Christine Baranski), também revoltada, frustrada e enojada pelo modo como
Alicia a expôs publicamente. A cena é bastante poderosa e tanto Baranski (que
injustamente nunca ganhou um Emmy por seu excelente e sempre consistente
trabalho na série) quanto Margulies dizem muito apenas com olhares.
No
seu percurso para encerrar o processo contra o marido para finalmente poder se
desvencilhar dele e seguir sua vida, Alicia acabou absorvendo muito daquilo que
inicialmente demonstrou detestar. Ela realmente conseguiu se firmar no
implacável mundo do direito, conseguiu finalmente abandonar Peter, Alicia
aprendeu a não ser mais tão vulnerável quanto era e não deixar seu destino à
mercê de outros, mas também precisou enfrentar o peso de suas escolhas. Se a
decisão dela que provocou o rompimento com Diane parece muito severa, no
entanto não é incoerente com o percurso da personagem na série, já que sempre
que seus interesses entravam em conflito com o de outros, ela sempre fez de
tudo para conseguir que as coisas virassem a seu favor, mesmo quando eram ações
questionáveis.
A
série sempre reconheceu que certo e errado, moral e amoral não são coisas
exatamente fáceis de se definir. Se Alicia se tornou melhor ou pior como pessoa
isso é deixado à cargo do espectador, mas como ela demonstra ao segurar o choro
e consertar sua roupa, ela decididamente se tornou mais resiliente ao lidar com
o que a vida joga em sua direção e mais dona de seu próprio rumo, mesmo com as
duras consequências enfrentadas ao alcançar sua "vitória". Afinal,
ela conseguiu o que quis, mas, por outro lado, também voltou ao seu ponto de
retorno, sem amigos (talvez só Lucca), sem trabalho e alienando um possível
interesse amoroso (quando ela decidiu fazer algo a respeito em relação a Jason
já era tarde demais).
Mas
se até agora elogiei a cena final, qual exatamente o problema dela? Bem, o
problema é como a trama chegou até esse ponto. Ao longo da série vimos Diane e
Alicia se enfrentarem repetidas vezes, retornar a isso ao fim não é por si só
um problema, o problema é o motivo disso ter acontecido aqui. Ao longo das
temporadas vimos como a liberal Diane se esforçou para construir seu
relacionamento com o conservador Kurt McVeigh (Gary Cole) e juntos formavam
possivelmente o casal mais adorável da série. Ao longo da relação vimos a
predileção de Kurt por mulheres jovens e boazudas, mas sua fidelidade a Diane
nunca foi questionada ou se construiu uma dúvida sobre isso. Assim, soa forçado
que aos "45 do segundo tempo" surja um caso entre ele e uma de suas
pupilas, principalmente porque nunca é dito de onde Alicia e Lucca tiram essa
informação, a Lucca simplesmente fala isso no tribunal como que conjurando
magicamente do éter uma revelação bombástica. Mais que isso, com tantas razões
que Alicia e Diane já tiveram para entrar em conflito, é lamentável que em
pleno 2016 a razão do rompimento definitivo entre duas mulheres poderosas,
independentes e resolutas seja basicamente "fofoca sobre homem".
O saldo
O
final mal ajambrado e mal executado não chega, no entanto, a apagar ou esvaziar
os méritos da série ao longo de sua trajetória, que atingiu altos padrões de
excelência principalmente nas temporadas 3,4 e 5, estando entre um dos melhores
produtos não somente da televisão aberta americana como também dos canais a
cabo (básicos e premium). É uma pena
que ela não termine no mesmo alto patamar que estabeleceu para si, mas ainda
assim é um encerramento que relativamente faz sentido em relação ao aprendizado
e trajetória da Alicia Florrick ao longo de sua duração. Eu certamente sentirei
falta das cuidadosas discussões sobre liberdade individual, vigilância digital,
autoria artística e tantas outras levantadas pela série.
Sentirei
falta da complexidade de Alicia Florrick com todos os seus vícios e virtudes,
escolhas certas e erradas, uma personagem cheia de fortitude e também de vulnerabilidade,
alguém tão cheia de altos e baixos como qualquer um de nós. Alguém em que cabem
multidões. Sentirei falta do carisma de Cary Agos (Matt Czuchry), talvez o
único a ter realmente um "final
feliz" ao se afastar das intrigas corporativas e se tornar professor.
Sentirei falta da paixão e veemência com a qual Diane Lockhart defendia suas
convicções. As maquinações engenhosas de Eli Gold também farão falta, assim
como o modo com o qual sua filha Marissa (Sarah Steele) roubava a cena sempre
que aparecia. O enorme elenco de personagens secundários recorrentes também foi
um grande achado, do cinismo de Louis Canning (Michael J. Fox) à excentricidade
de Elsbeth Tascioni (Carrie Preston), passando pela constantemente grávida
Patty Nyholm (Martha Plimpton) ou o deliciosamente detestável Mike Kresteva
(Matthew Perry, o eterno Chandler de Friends)
e tantos outros. Os juízes que fomos aos pouco conhecendo e aprendendo sobre
suas excentricidades eram tão bons que deviam continuar aparecendo em outros
dramas jurídicos. Enfim, há muito a se celebrar ao longo dos sete anos da
série.
No
fim, o sétimo ano de The Good Wife trouxe muitos dos méritos que
tornaram a série famosa, mas sem o mesmo brilho de antes e prejudicado por um
final que continha boas ideias, mas uma execução problemática. O que,
entretanto, não mancha o ótimo legado deixado pela série. Isso, parafraseando a
juíza Patrice Lessner (Ana Gasteyer), em minha opinião, claro.
Nota:
7/10
Melhor resumo e crítica que li sobre essa série. . Perfeeito
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