Muitos filmes já foram feitos
sobre os danos que a corrupção e irresponsabilidade do sistema financeiro podem
causar na vida do cidadão comum. Este Jogo
do Dinheiro tenta se diferenciar ao colocar esse tipo de história junto a
um típico filme de sequestro, no qual um grupo de pessoas é feito refém por
alguém desesperado por uma solução. O problema deste longa-metragem dirigido
pela atriz Jodie Foster é que nem a denúncia social, nem o suspense funcionam
tão bem quanto deveriam.
Lee Gates (George Clooney) é o
apresentador de um programa sobre o mundo financeiro cheio de exageros e
gracinhas (algo no estilo do Mad Money)
e é famoso pelas dicas de investimento que dá. O que deveria ser mais um
programa dá uma guinada para pior quando o estúdio é invadido por Kyle (Jack
O'Connell, que protagonizou o fraco Invencível),
um homem humilde que perdeu todas as economias ao seguir uma das dicas de Lee
e, com uma arma e um colete bomba, toma a equipe do programa como refém e exige
do apresentador e do presidente da empresa na qual investiu uma explicação do
que aconteceu com seu dinheiro. Assim, Lee e sua produtora, Patty (Julia
Roberts), precisam dar um jeito de conseguir respostas antes que o rapaz acabe
com suas vidas.
A ideia central parece ser
criticar a corrupção e os desmandos dos executivos de Wall Street que fazem
fortunas às custas da população e sem pensar nos impactos de suas ações na
sociedade. O problema é que ao invés de atacar a corrupção sistemática e
generalizada que vai das instituições financeiras, agências reguladoras,
auditorias e governo, o filme cria uma rocambolesca conspiração internacional
construída por um empresário. Assim ao invés de nos apresentar um sistema
corrupto, nos mostra apenas uma atividade isolada que é tão grandiloquente que
soa artificial e não generalizável, falhando em demonstrar seu ponto de vista
ao público. Filmes como A Grande Aposta (2016),
O Lobo de Wall Street (2014) ou mesmo
Wall Street: Poder e Cobiça (1987)
abordaram muito melhor como cobiça generalizada e irresponsável dos corretores
e banqueiros é danosa.
Há também uma crítica ao
jornalismo em diversos níveis. O filme tenta abordar como o atual jornalismo é
apelativo e de baixo nível, não se importando em apurar fatos ou produzir uma
reflexão sobre aquilo que aborda, que reduz tragédias reais em espetáculos
quase que novelescos, deixando de lado a ética e humanidade. Crítica também a
falta de accountability dos veículos
jornalísticos, que falam o que querem sem ter que arcar com as consequências
daquilo que dizem e como suas palavras afetam a população. Ao mesmo tempo,
também reitera a importância do "bom jornalismo" Em geral esses temas
são tratados no início da narrativa, mas vão sendo deixados de lado conforme a
trama se desenvolve, nos dando a sensação de esforço desperdiçado.
Aqui e ali a diretora Jodie
Foster tem algumas boas sacadas, como a cena em que a transmissão acaba e todos
que estavam assistindo tudo ao vivo simplesmente voltam aos seus afazeres como
se nada demais tivesse acontecido ou como se estivessem vendo uma história de
ficção, demonstrando que a culpa é tão nossa quanto da mídia. Do mesmo modo é
interessante a maneira como ela brinca com nossas expectativas no momento em
que Lee pede que as pessoas comprem determinadas ações para salvar sua vida. A
câmera da um close no personagem conforme ele faz um discurso sentimental sobre
o valor da vida e uma música extremamente emocional nos induz a pensar que ele
conseguirá tocar os expectadores, mas isso não acontece, reforçando a impressão
de que não são apenas os banqueiros e financistas que são cínicos e egoístas,
mas boa parte da nossa sociedade.
Esse poucos momentos, no entanto,
não são suficientes para alcançar as pretensões ideológicas e temáticas do
filme, deixando a sensação de que já vimos tudo isso melhor trabalhado em
outros produtos. A crítica ao jornalismo rasteiro, cínico e irresponsável que
visa apenas índices de audiência já foi melhor construída em obras como O Quarto Poder (1997) ou Rede de Intrigas (1976). De maneira
semelhante, a exaltação a um jornalismo responsável e seu impacto positivo na
sociedade é tratada de modo mais interessante em produtos como o recente Spotlight: Segredos Revelados (2016) ou Todos os Homens do Presidente (1976).
Não é apenas na frente temática
que o filme não se sai bem, mas também na frente do entretenimento. Apesar de
algumas boas reviravoltas em relação a Kyle, no geral há pouca tensão. Isso
ocorre principalmente porque, tirando os momentos iniciais de sua invasão,
nunca sentimos que Kyle está realmente no controle da situação, mas sendo
conduzido (e auxiliado) o tempo todo por Lee e Patty. São sempre os dois que o
dizem o que fazer enquanto ele praticamente segue passivo tudo aquilo. Eu sei
que parece paradoxal querer controle de um homem descontrolado, mas em qualquer
filme com uma situação semelhante o sequestrador sempre parece exercer alguma
medida de controle sob aqueles que estão na sua mira, mesmo estando mentalmente
instáveis. Basta ver o que obras como Um
Ato de Coragem (2002) ou Um Dia de
Cão (1975) fazem com esse tipo de situação.
As muitas reviravoltas envolvendo
Kyle nos obrigam a reavaliar constantemente o conceito que temos dele e com
tantas mudanças e incertezas envolvendo o personagem, acaba ficando difícil
aderir a ele. George Clooney traz seu carisma habitual à Lee e nos faz ter
simpatia pelo seu personagem mesmo quando sua súbita transformação de bufão
egoísta em guerreiro da justiça social fica difícil de engolir. Já Julia Roberts faz de Patty uma
profissional ética e responsável que se detesta por trabalhar em um programa
como o de Lee e é quem realmente mantem a situação sob controle.
O clímax é prejudicado por
algumas situações implausíveis, em especial o fato da polícia permitir que um
homem armado e instável seja levado para ficar frente a frente do homem que
deseja matar, tem outros problemas, mas falar mais seria entrar no território
dos spoilers. No entanto, preciso elogiar o fato do desfecho evitar um final em
que tudo dá certo e se mantenha fiel à visão cética que sustentou até então.
Jogo do Dinheiro é um filme com boas intenções, mas as desperdiça
em um texto superficial que mais parece uma reciclagem rasteira de ideias que
já vimos em filmes melhores.
Nota: 5/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário