quarta-feira, 4 de maio de 2016

Crítica - Team Foxcatcher



Quando escrevi sobre o drama baseado em fatos reais Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (2015) disse que era um perturbador estudo de personagem sobre poder, riqueza e insanidade. Mesmo já conhecendo a história do assassinato do lutador olímpico Dave Schultz pelo milionário John Du Pont,  a experiência de ver este documentário Team Foxcatcher, produção original do Netflix, foi tão ou mais inquietante do que ver a sua reconstrução ficcional.

O documentário é conta sua história através de entrevistas com os envolvidos, imagens de arquivo e também áudios das conversas de Du Pont com a polícia durante o cerco a sua casa após o assassinato. É bastante convencional em termos de estrutura documental, mas a riqueza do material de arquivo ajuda a nos colocar em uma posição de proximidade e intimidade em relação aos sujeitos documentados, sem falar que é uma história tão rica que não deixa de soar interessante mesmo para quem conferiu sua contraparte ficcional.

Os relatos e vídeos de arquivo traçam um panorama bastante amplo da vida de John Du Pont, um homem claramente solitário, infeliz, inseguro e de pouco traquejo social que usava sua vasta fortuna para tentar se sentir incluído e importante. Com seu dinheiro Du Pont criou uma espécie de realidade paralela para si mesmo, na qual ele era um intelectual respeitado, um influente membro da comunidade e um campeão esportivo. Dentro desse "mundo paralelo" Du Pont se via como um rei, um deus, no qual sua vontade era lei e tudo girava ao seu redor e quando sua concepção delirante de mundo colidia com a realidade, sua arrogância combinada com seu comportamento paranoico e instável culminaram numa morte que se deu praticamente a troco de nada.


Se no filme de 2015 Du Pont era retratado como um sujeito patético e instável (em uma ótima interpretação de Steve Carell diga-se de passagem), aqui vemos com um detalhamento assustador toda a sua loucura e paranoia. Em dado momento nos é revelado que ele desenvolveu pavor da cor preta, retirando todos objetos, carros, cavalos e até mesmo os atletas negros de sua propriedade. Em outro ficamos sabendo como ele colocava câmeras na propriedade e exibia as horas de filmagem aos conhecidos para que eles vissem as "criaturas" que ele via vagando pela fazenda, mas não havia nada nos vídeos alem da paisagem da floresta. Pior, Du Pont ocasionalmente atirava (com armas e munição de verdade) nas "criaturas" que via, colocando em risco todos na propriedade. Esse senso de pavor constante e de tragédia inevitável é bastante marcado pela tensa música, que consegue soar grave, mas sem pesar a mão ou ser demasiadamente intrusiva.

O filme, no entanto, não deixa que tudo caia sobre os ombros de Du Pont, lembrando que durante toda a sua vida ele teve ao seu lado múltiplos indivíduos que contribuíram para criar essa realidade falsa em que ele vivia, inclusive os próprios lutadores da equipe Foxcatcher, simplesmente porque a amizade de Du Pont era conveniente para eles, que se interessavam nos benefícios que a riqueza dele podia trazer. Em dado momento os lutadores mencionam que a federação de wrestling dos Estados Unidos chegou a pensar em retirar os atletas de lá por causa do comportamento errático de Du Pont, mas os próprios lutadores, Dave incluso, garantiram que o milionário não passava de um sujeito excêntrico e inofensivo.

Em nenhum momento o filme tenta imputar em Dave qualquer tipo de culpa, afinal isso seria um contra-senso argumentativo, mas lembrar que a situação jamais teria chegado ao ponto onde chegou se todos ao redor de Du Pont não tivessem dado vazão à sua loucura e fantasias delirantes, permitindo que ele realmente achasse que era capaz de qualquer coisa por sua riqueza. O documentário é hábil em mostrar como a fazenda Foxcatcher era atrativa aos atletas, não apenas pela sua infraestrutura e equipamentos, mas por manter os atletas e suas famílias unidos naquele espaço idílico no qual eles não tinham nada com que se preocupar além de desenvolver seu esporte. Uma "utopia do esporte" como diz em dado momento um dos entrevistados.

A face dessa utopia, no entanto, não era Du Pont (ele era "o dinheiro", como fala alguém durante as entrevistas), mas Dave, um exímio atleta e um homem humilde e carismático que tinha o respeito e amizade dos atletas, sendo visto por eles como um líder. Foi o carisma inerente de Dave que o fez (sem que ele soubesse) "roubar" o protagonismo da situação que Du Pont desejava para si e isso foi provavelmente um dos fatores que fez o milionário passar a detestar e fantasiar com o lutador. Dave era tudo que Du Pont sempre quis ser e não conseguiu mesmo com toda sua fortuna.

As entrevistas com os lutadores evidenciam o sentimento de culpa que eles continuam a carregar, mesmo depois de tanto tempo, por terem se deixado seduzir por essa utopia e pelo conforto e conveniência que o dinheiro de Du Pont trazia a suas vidas. Muitos deles simplesmente desabam ao falar da morte de Dave e alguns reconhecem que deviam ter saído de lá antes, dados os muitos sinais de instabilidade por parte de seu anfitrião. O retorno de Nancy, viúva de Dave, ao rancho Foxcatcher durante o documentário e em especial ao fim, serve como contraponto às imagens idílicas do início, que mostravam o local como uma bela e opulenta propriedade rural. No presente, durante a visita de Nancy, Foxcatcher está abandonada, muitas casas estão em ruínas e o lugar parece uma macabra cidade fantasma, bem distante da imponência de outrora. As imagens me lembraram do poema Ozymandias de Percy Shelley, que tratava de um império majestoso que jazia em ruína, e (tanto as imagens como o poema) servem para lembrar que poder e riqueza não duram para sempre nem conseguem construir um legado duradouro por si só.

Diante de tantas imagens impactantes, uma ausência e um silêncio é igualmente chamativo no documentário. Em nenhum momento Mark, irmão de Dave e personagem principal (vivido por Channing Tatum) no relato ficcional do incidente em Foxcatcher, é citado, mostrado nas imagens de arquivo ou ouvido nas entrevistas. Nenhum motivo é dado para sua ausência, mas dada a sua proximidade com o irmão e o fatos de ambos terem convivido em Foxcatcher, soa realmente esquisito que ele não se pronuncie (provavelmente por vontade própria, já que duvido que os documentaristas não tenham tentado contato com ele) sobre algo do qual esteve tão próximo.

Ainda assim, tal qual sua contraparte na ficção, Team Foxcatcher é um competente relato sobre uma tragédia anunciada e um homem que perdeu sua vida à troco de nada por causa de alguém perdido em delírios de poder e riqueza.


Nota: 8/10

Trailer:


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