domingo, 19 de junho de 2016

Crítica - Orange is the New Black: 4ª Temporada



Orange is the New Black é provavelmente a mais consistente das séries originais produzidas pela Netflix, conseguindo manter o mesmo alto padrão ao longo de todas as temporadas feitas até agora. Mesmo dentro de cada temporada dificilmente encontramos algum episódio que soa como um mero filler com pouco a acrescentar à trama ou aos personagens. Essa quarta temporada mantém o nível das anteriores ao trazer uma nova dinâmica à prisão de Litchfield, com novas detentas e guardas. SPOILERS a seguir.

A trama da nova temporada começa exatamente no ponto no qual a anterior parou, com o agora diretor Caputo (Nick Sandow) precisando trazer as presidiárias de volta e manter o controle do presídio depois que todas correm para fora por causa de um buraco na grade. Além disso, o novo diretor precisa se adequar às políticas corporativas que envolvem dirigir a prisão. Piper (Taylor Schilling), por sua vez, tenta se consolidar como chefona criminal com o sucesso de seu esquema de venda de calcinhas. Sua posição de liderança, no entanto, é ameaçada com a chegada de uma grande quantidade de novas detentas que muda a dinâmica de poder na prisão, já que as dominicanas passam a ser maioria. As tensões aumentam não apenas por causa da superlotação, mas também pela presença da nova equipe de guardas liderados pelo bruto Piscatella (Brad William Henke), cujas táticas cada vez mais opressivas e violentas parecem piorar as coisas ao invés de acalmarem os ânimos.


A série continua a trazer flashbacks focados em personagens individuais a cada episódio, ao estilo de Lost. O que torna essas idas ao passado interessantes é que elas não se restringem a ser um mero dispositivo narrativo para mostrar como as detentas e funcionários foram parar na prisão, na verdade poucos deles nos dão isso. Os flashbacks sempre nos dão uma nova compreensão acerca dos personagens que abordam, nos tornando cada vez mais próximos de cada um dos membros do vasto elenco da série, tornando-os cada vez mais complexos e multifacetados. Quando vemos o passado do conselheiro Healy (Michael Harney), compreendemos seu ímpeto de sempre tentar ajudar as detentas, mesmo que à força, do mesmo modo que os flashbacks de Lolly (Lori Petty) acrescentam uma dimensão trágica a ela, que deixa de ser apenas uma maluquinha divertida. O único problema dos flashbacks é que algumas tentativas de fazer certos atores parecerem mais jovens nem sempre funcionam como é o caso com Healy e com Ruiz (Jessica Pimentel).

Outro mérito é o modo como a série consegue transitar de maneira bastante orgânica entre drama e comédia. Essa temporada pende um pouco mais para o drama do que as anteriores, principalmente nos últimos episódios, mas ainda há espaço para leveza. A trama de Piper, por exemplo, parece inicialmente pensada para efeitos cômicos, com ela tentando ter uma postura de "gângster" e suas tentativas de conter o avanço das latinas acidentalmente criam um grupo de supremacistas brancas na prisão. Seu arco funciona como uma grande bola de neve que acaba contribuindo para a grande tragédia que ocorre ao fim. O mesmo pode ser dito da trama de Alex (Laura Prepon), que sobreviveu a tentativa de assassinato no fim da temporada anterior, e a ocultação do cadáver do assassino acaba trazendo problemas não apenas para ela, mas para toda a prisão.

A atual temporada lida com questões de intolerância racial, não apenas no já citado arco de Piper e das gangues, mas em outras histórias também, como aquela envolvendo a recém-convertida ao judaísmo Cindy (Adrienne C. Moore) e uma nova detenta muçulmana e também o arco envolvendo a prisioneira-celebridade Judy King (Blair Brown), uma espécie de mistura entre Martha Stewart e Paula Deen, que acaba se encrencando por suas ofensas raciais.

King, por sinal, é a melhor das novas personagens, criando uma dinâmica bastante divertida com o guarda Luschek (Matt Peters) e a prisioneira Yoga Jones (Constance Shulman), que vira sua colega de quarto. O trabalho de Blair Brown, ainda que predominante cômico, consegue evitar que a personagem seja reduzida a uma mera caricatura de celebridade e lhe dá vida própria.

Além de questões de preconceito e igualdade, a trama também faz breves comentários sobre a cultura de armas de fogo nos EUA, como acontece no episódio onze em um flashback da Crazy Eyes (Uzo Aduba) trabalhando em um supermercado. O eixo temático principal, no entanto, é a questão da privatização do sistema prisional e as consequências de reduzir pessoas (principalmente em uma situação tão difícil e delicada como uma prisão) em meros números. O compassivo e compreensivo Caputo acaba se afastando do cuidado do dia-a-dia da prisão e é jogado em um interminável e kafkiano labirinto de burocracia corporativa, no qual o bem-estar das presas e a dissolução de tensões e conflitos é substituída por uma visão desumana no qual as presas são vistas como commodities, visto que as corporações que cuidam dessas prisões privatizadas recebem por cada detenta.

Com Caputo longe do cuidado diário da prisão, o brutal Piscatella acaba ficando com carta branca para fazer o que quiser e impõe um tratamento cada vez mais brutal às presidiárias. Isso, somado às latentes tensões étnicas e a descoberta de cadáver, produzem uma série de escolhas erradas e imprudentes que desembocam em uma enorme tragédia ao fim do penúltimo episódio.

O que acontece demonstra como o uso de violência e brutalidade em uma situação que já é tensa e delicada apenas piora as coisas, tornando inevitável que algo horrível aconteça. Inclusive é bem interessante que a trama escolha o guarda Bayley (Alan Aisenberg) para ser o responsável direto (já que indiretamente há outros culpados) pelo que acontece, já que ele era o único a discordar abertamente do que acontecia, mostrando como a lógica tacanha do sistema prisional destrói até mesmo quem é bem intencionado. Outro a ter seu espírito quebrado pela estrutura cruel do sistema é o próprio Caputo, que chega até a pedir desculpas a Figueroa (Alysia Reiner) pelo modo como a tratou, reconhecendo a dificuldade que é agir corretamente no cargo de diretor de presídio. Dada a natureza compassiva do diretor e o fato dele constantemente se mostrar disposto a se sacrificar pelos outros, é compreensível a decisão que ele toma ao fim ao se recusar a usar Bayley como bode expiatório, o que agrava tudo ainda mais.

O último episódio mostra como as presas são afetadas pela morte súbita e injusta de alguém tão próximo e é impressionante o cuidado que a narrativa tem ao abordar como cada uma delas lida com seu luto e que mesmo grupos rivais conseguem sentir o peso e a dor de uma perda naquele contexto. Uma das mais eficientes cenas é quando Cindy lembra de uma história engraçada envolvendo a personagem ausente e em questão de segundos ela e as amigas vão da tristeza ao riso e depois às lágrimas de um modo extremamente orgânico e verdadeiro. Do mesmo modo, a cena com Norma (Annie Golden) cantando para confortar uma chorosa Soso (Kimiko Glenn) é de cortar o coração. A última cena entrega um gancho que irá tornar quase que insuportável a espera pela próxima temporada, indicando que as tensões em Litchfield estão longe de acabar.

Assim, Orange is the New Black entrega mais uma excelente temporada, dando uma maior guinada ao drama enquanto que continua a investir em uma mordaz crítica social. A série é beneficiada não apenas pela qualidade do texto e o modo como equilibra tensão e leveza, mas também pela ótimo elenco que cria relações cheias de naturalidade entre os personagens.


Nota: 9/10

Trailer:

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