"Todos morremos sozinhos, mas se você significou algo para alguém,se
ajudou alguém ou amou alguém, se uma única pessoa lembrar de você, então talvez
você nunca morra de verdade"
Essa frase, dita pela Máquina ao
fim do último episódio de Person of
Interest é uma síntese bastante acertada do olhar da série sobre (e da
própria Máquina) sobre as relações humanas. Podemos estar distantes um do
outro, desamparados no momento em que morremos, podemos achar que tudo é barulho
e caos, não vermos "o grande esquema das coisas" ou como nossas vidas
se encaixam uma na outra, mas no fim das contas nossas ações tem impacto naqueles
ao nosso redor. O que fazemos, por menor ou sem significado que pareça, quem
ajudamos, quem deixamos de ajudar, tudo isso contribui para construir ao mundo
a nossa volta, somando-se ao conjunto de ações de cada indivíduo. Cada pessoa,
ao seu modo, é importante e faz alguma diferença no mundo.
Confesso que temi por esta quinta
e última temporada quando foi anunciado que ela teria apenas 13 episódios e não
os 22 habituais, já que a redução poderia prejudicar os planos iniciais do
criador Jonathan Nolan para encerrar a série. Felizmente, a temporada consegue
ir direto ao ponto, trazer uma sensação de clímax iminente e ainda assim
arrumar espaços para que possamos respirar, tudo isso sem que a trama pareça
corrida ou apressada demais. A partir deste ponto SPOILERS são inevitáveis.
A trama desta última temporada
começa praticamente no ponto em que a anterior parou. A inteligência artificial
Samaritan praticamente destruiu a Máquina, sobrando apenas uma versão
comprimida de seu código que Harold (Michael Emerson) conseguiu guardar em um
HD portátil. Agora o time precisa encontrar um modo de sobreviver ao cerco cada
vez mais fechado do Samaritan, reativar a máquina e também tentar reencontrar
Shaw (Sarah Shahi). Ao mesmo tempo, o detetive Fusco (Kevin Chapman) que, para
sua própria proteção, vinha sendo mantido no escuro quanto ao duelo invisível
das duas inteligências artificiais, acaba sem querer entrando com tudo no
conflito quando começa a investigar o aumento de desaparecimentos em Nova
Iorque.
Como já mencionei, mesmo com o
número menor de episódios, a série consegue mover sua trama para frente sem
parecer apressada, inclusive achando espaço para nos aliviar da tensão
constante, como no episódio que Harold, Reese (Jim Caviezel) e Root (Amy Acker)
precisam se infiltrar em um casamento, resultando em alguns momentos bem
divertidos, como a inesperada cena em que Harold canta uma versão a capella de We're Not Gonna Take It da banda Twisted Sister.
Apesar dos interlúdios de leveza,
o foco é mesmo na tensão provocada pela ameaça agora quase que onipotente do
Samaritan, que amplia seu poder e influência no mundo cada vez mais. Conforme o
sistema fica mais poderoso, vai crescendo a sensação de que é um oponente
virtualmente invencível e que a postura defensiva adotada por Harold e
repassada para a Máquina precisa ser revertida e o programador precisa dar à
sua inteligência artificial a autonomia necessária para que ela seja capaz de
vencer.
O episódio centrado nas
tentativas do Samaritan em converter Shaw para sua causa, mostram o quão cruel
o sistema pode ser, obrigando-a a vivenciar milhares de simulações nas quais
ela é obrigada a matar seus companheiros, sempre acabando em seu suicídio
virtual quando a agente é posta para matar Root. Aliás, por mais que tenha sido
ótimo ver as duas finalmente concretizarem a relação, é decepcionante que tenha
sido em uma simulação que as vejamos juntas pela primeira vez. Esse episódio
expande algumas ideias trazidas no ótimo If-Then-Else
da temporada anterior, no qual víamos as simulações da Máquina para tentar
tirar sua equipe de uma situação de risco. Se lá era possível perceber o quanto
uma inteligência artificial poderia ser benéfica em nos proteger, aqui
vislumbramos o quanto é terrível e assustador ter uma inteligência tão superior
simplesmente brincar com a mente e a sanidade humana para conseguir seus
caprichos.
Apesar de bem usado inicialmente,
ao longo da temporada o recurso das simulação acaba sendo bastante banalizado
conforme a temporada avança e passa a ser óbvio identificar quando estamos
vendo uma simulação o que tira o seu impacto. Felizmente as simulações são deixadas
de lado nos últimos quatro episódios, quando a identidade falsa de Harold é
descoberta e o Samaritan despacha todo seu poder para cima dele.
Esse trecho final da série traz
um excelente episódio atrás do outro e passei boa parte deles à beira do assento
com o coração quase saindo pela boca. Com o caos instaurado pela caçada à
Harold ficava cada vez mais difícil prever se nossos heróis sairiam todos
vivos. Afinal, uma grande vitória sem dor ou sofrimento dificilmente soa como
algo merecido ou que os personagens superaram muito, mas mais do que pontuar as
dificuldades, as mortes que ocorrem funcionam como o elemento que faltava para
que Harold finalmente partisse para o ataque e que a Máquina se tornasse ainda
mais humana.
Assim, por mais que eu adorasse
Root e tenha sido triste vê-la partir (eu avisei que haveriam spoilers), seu
sacrifício é bastante compreensível, afinal desde o início ela sempre se
mostrou disposta a tudo pela Máquina (e posteriormente por Harold), então é bem
coerente que ela tenha se sacrificado para que ambos continuassem sua missão.
Do mesmo modo, faz todo sentido que a Máquina passe a usar a voz dela, afinal
Root sempre foi a humana com quem a inteligência artificial teve mais contato,
inclusive foi a hacker a primeira a
se referir à Máquina como "ela" (ao invés de "isso"), não
apenas conferindo-lhe humanidade como também uma identidade de gênero.
Evidentemente, tenho que dizer que foi lamentável que ela tenha partido sem
nunca ter realmente concretizado sua relação com Shaw (isso só acontece nas
simulações) apesar das muitas declarações de amor e afeto feitas a ela.
Michael Emerson, que já tinha
construído um personagem incrivelmente rico e fascinante em Lost com seu Ben Linus, entrega aqui
outro excelente trabalho como Harold Finch. Aliás, é interessante que seu
personagem aqui seja o total oposto do dissimulado Linus. Seu Harold possui em
si uma enorme compaixão, que não é motivada apenas por um senso de justiça e
correção moral, mas também por uma dose de arrependimento e dor por erros do
passado. É impressionante a quantidade de sentimentos conflitantes que ele
passa ao dialogar com a Máquina nos primeiros episódios da temporada quando
tenta reativá-la. Ele claramente possui uma medida considerável de afeto pela
criação, mas também muito temor e receio de que ela se torne como Samaritan e
muito de sua jornada nessa temporada é aprender a confiar nela. O fato dele
conseguir transmitir tanto contracenando apenas com palavras em um monitor é um
testamento de sua competência.
Essa temporada também permite que
vejamos uma faceta mais sombria de Finch. Como já foi dito, a morte de Root o
impele a tomar a ofensiva e a partir desse momento vemos o quanto ele pode ser
perigoso e ameaçador quando deixa de lado seus escrúpulos e passa a ver
qualquer um em seu caminho como um obstáculo a ser eliminado. Inclusive, o
momento que ele resolve "tirar as luvas" e se dirige ao Samaritan
através de uma câmera de vigilância ameaçando matá-lo é simplesmente de gelar a
espinha. Afinal se alguém com ele que sempre abominou violência diz algo assim
é porque ele realmente está disposto a qualquer extremo.
A Máquina, que sempre foi tão
protagonista quanto os personagens humanos, se faz ainda mais presente nesta
última temporada. Não apenas pela voz que adota próximo ao fim da temporada,
mas também por todos os diálogos que tem com Harold via texto no início, que
ajudam nos dar uma compreensão maior de como ela pensa. Se ao longo dos quatro
anos anteriores ela sempre pareceu uma divindade distante da humanidade, aqui
vamos percebendo como ela é incrivelmente humana ao percebemos que ela tem em
sua memória a dor de todos as versões anteriores dela que Harold
"matou" e também sentimos sua tristeza ao dizer que viu a morte de
cada ser humano do mundo e ficamos imaginando como deve ser imenso o pesar que
ela experimentou ao acompanhar tantas mortes. Tudo isso remete a uma fala de
Root em temporadas anteriores quando ela perguntou a Harold "o quanto você teve que aleijá-la para que
ela se importasse tanto?", demonstrando que a hacker sempre percebeu que a inteligência artificial tinha uma
consciência e sentimentos próprios e era essa "humanidade" que a
fazia valorizar tanto a vida humana, ao invés da lógica absoluta do Samaritan,
que nos enxergava como peças descartáveis de um jogo de tabuleiro.
O arco da Máquina nos faz vê-la
quase como uma filha de Harold, partilhando da compaixão que lhe foi ensinada
pelo "pai" e nos lembra que são nossos sentimentos, nossa capacidade
de olharmos e nos importarmos uns com outros independente das dificuldades que
nos torna tão formidáveis enquanto espécie. A cena em que ela gentilmente toca
o ombro de um jovem Reese no enterro do pai serve como uma exata ilustração da
empatia que ela sempre por nós, em um gesto singelo e cheio de significado,
como se ali ela dissesse para ele e para todos "eu te entendo, eu te
apoio, eu estarei sempre ao seu lado, você não está sozinho". Ao fim ela
se torna a divindade compreensiva e amorosa que Harold sempre desejou que
fosse, em contraste com o deus frio e furioso simbolizado pelo Samaritan e a
oposição entre feminino e masculino aqui certamente não é à toa. O embate entre
ela e o Samaritan ressalta que inteligência e informação sem qualquer pingo de
sentimento ou empatia jamais será plenamente capaz de entender a conduta
humana, afinal não somos perfeitos, não somos completamente lógicos, somos
falhos, contraditórios e cada um de nós contêm multidões. Tanto que é por mera
força de vontade e não por poder e lógica que ela derrota seu rival, quase como
uma luta de Rocky Balboa vemos o azarão continuar a se levantar mesmo diante da
superioridade inquestionável do oponente simplesmente por não querer admitir a
derrota.
O detetive Fusco, por sua vez,
finalmente é colocado à par da situação por Reese e os demais, mas incomoda um
pouco o tanto que demoraram para contar ele, uma vez que o policial tinha mais
do que provado seu valor e percorrido um longo caminho em relação ao corrupto
mesquinho que conhecemos no início da série. Dada a situação precária que a
"equipe Máquina" se encontrava nessa temporada, já não fazia sentido
manter segredo principalmente quando perceberam que sua investigação das coisas
estranhas que ocorriam na cidade iria inevitavelmente colocá-lo em perigo.
Assim, soou desnecessário que tenham esperado o personagem quase morrer nas
mãos de agentes do Samaritan para finalmente contar toda verdade a ele.
Já Sara Shahi traz com
competência a fragilidade mental de Shaw depois de toda a tortura psicológica à
qual ela é submetida. Do mesmo modo, é interessante como ela demonstra seu
afeto por Root mesmo que ao seu modo sisudo e fechado, mostrando o quanto ela
evoluiu, mas sem trair a essência do personagem e é difícil não se emocionar
com a discreta lágrima que ela deixa escorrer ao ouvir a máquina falando com
ela usando a voz de sua amada pela primeira vez.
O último episódio consegue tecer
uma investida final no qual tudo pode acontecer, sendo tenso do início ao fim. Conseguiu
também dar desfechos bastante digno e satisfatório aos personagens da série,
algo que pode parecer o mínimo, mas nem sempre acontece. Isso, no entanto, não
significa que todos tenham conseguido caminhar rumo ao pôr do sol e o desfecho
de Reese foi simultaneamente trágico e belo. Além do tocante diálogo que ele e
Harold trocam, dando a entender que ele seria deixado para trás e que Harold se
sacrificaria, há a revelação de que o operativo e Máquina enganaram Harold. Isso ressalta a natureza altruísta de Reese, que sempre colocou a segurança e a vida
dos outros na frente da própria e o fato dele se sacrificar pelo patrão e amigo
é uma bela retribuição por toda relação que construíram juntos. Quando
conhecemos Reese pela primeira vez ele estava prestes a se matar e foi Harold
que o salvou de si mesmo, dando-lhe um novo propósito e fazendo-o lembrar que
cada vida importa, assim faz todo o sentido que ele dê sua vida por Harold como
retribuição.
Apesar da cena final deixar a
possibilidade de novas aventuras e um dos últimos episódios já ter deixado
claro que a Máquina tinha outros "times" à sua disposição, sinceramente
torço para que a série encerre por aqui e não ganhe nenhum tipo de spin-off. Não porque tenho qualquer
ressalva quanto à qualidade, mas porque seu desfecho é tão bem amarrado, pleno
e poderoso que seria quase desrespeitoso diluir sua força ao tentar continuar
essa história.
Ao longo dessa temporada (e da
série como um todo) Person of Interest
trouxe discussões interessantes sobre vigilância, liberdade de informação,
democracia na era digital, ética científica e sobre a natureza humana. À
despeito de toda sua ambientação futurista e tecnológica é, em seu cerne, um
produto que tenta compreender o que nos faz verdadeiramente humanos, o que nos
dá essa enorme capacidade para o bem ou para mal e sua conclusão é bastante
humanista ao lembrar que não é nossa inteligência, não é todo o nosso
conhecimento acumulado que nos torna diferente de outras espécies. São nossas
emoções, nossa capacidade de odiar, de amar, de sentir dor, de sentir compaixão
é o que nos impele a buscar mais, a ser mais. É a base do nosso potencial e
negar isso é desistir da humanidade não apenas enquanto conceito, mas enquanto
espécie.
Se comecei esse texto com uma
citação, permitam-me terminar com outra, esta não da série, mas uma de Charlie
Chaplin. Em seu discurso final em O Grande Ditador, Chaplin diz: "Homens
máquina tem mente de máquina e coração de máquina! Vocês não são máquinas,
vocês não são gado, vocês são homens! Vocês tem o amor da humanidade em seus
corações!"
Essas palavras me remetem
diretamente ao episódio final da série, que nos lembra de nossa capacidade de
nos conectarmos uns com outros, de sentirmos empatia, compaixão e, claro, amor é
a fonte de tudo que há de bom em nós. Tanto que até mesmo uma máquina, uma
entidade artificial, consegue aprender e crescer ao observar essas qualidades
em nós e a cena final, com seu pequeno quadrado aparecendo no rosto de cada
pessoa observada é o símbolo desse aprendizado de que cada vida importa.
A temporada final de Person of Interest, a despeito de alguns
pequenos tropeços, é um agridoce e poderoso desfecho para uma ótima série que
consistentemente trouxe reflexões sobre nosso modo de vida, nossa sociedade e
como nos relacionamos uns com os outros.
Nota: 9/10
Um comentário:
Parabéns pelo texto que tão bem homenageia essa excelente série. De fato, o amor é o que permanecerá conosco, a fonte dele é o Criador (Deus é amor! - Bíblia, 1 João 4 verso 8)
"Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor. O maior deles é o amor."
- Bíblia, 1 Coríntios 13 verso 13
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