quarta-feira, 1 de junho de 2016

Crítica - Warcraft: O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos



Adaptações de games para os cinemas em geral não são bem sucedidas, mas havia uma boa dose de otimismo cercando este Warcraft: O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos, do envolvimento da desenvolvedora Blizzard à escolha do diretor Duncan Jones, que não apenas se declarou fã do game como também tinha dois ótimos filmes em seu currículo Lunar (2009) e Contra o Tempo (2011). Os primeiros trailers saíram e o visual era bastante fiel ao material original, provavelmente deixando os fãs empolgados e confiantes de que dessa vez daria certo, dessa vez uma adaptação de videogame iria funcionar. É uma pena, portanto, que o resultado entregue pelo filme não faça jus a nenhuma dessas expectativas e ainda não será dessa vez que teremos uma adaptação cinematográfica realmente boa de um game.

A trama conta a chegada dos orcs em Azeroth. Nativos de um mundo estéril, eles atravessam para o reino em um portal dimensional aberto pelo feiticeiro Gul'Dan (Daniel Wu) cuja mágica suga as energias dos seres vivos. Chegando em Azeroth, as criaturas e seu líder começam a pilhar as vilas humanas visando coletar mais vidas para serem absorvidas pelo feiticeiro até que ele tenha energia suficiente para trazer todos os orcs para esse novo mundo. Diante dessa invasão, o rei Llane (Dominic Cooper, o Howard Stark da série Agente Carter) pede ajuda ao seu mais leal cavaleiro, Lothar (Travis Fimmel) e do mago responsável pela proteção do reino, Medivh (Ben Foster) para deter o avanço dos inimigos. A sorte deles muda quando o chefe orc Durotan (Toby Kebbell) começa a achar que a magia de Gul'Dan está causando mais mal do que bem e começa a considerar uma aliança com os humanos.

Duncan Jones consegue ser visualmente fiel ao universo do jogo, reproduzindo com exatidão o visual das criaturas, armaduras e ambientes, inclusive usando alguns temas musicais do próprio jogo. Algumas coisas, apesar de fieis, acabam ficando esquisitas na tela, em especial os elfos, que ficaram parecendo um bando de cosplayers, mas no geral é bem competente em reproduzir os visuais do game. Essas no entanto, são basicamente as únicas virtudes do filme, já que todo o restante não tem a qualidade que se esperava.

A trama demora a engrenar e caminha a passos lentos por causa do excesso de exposição, já que o filme se entrega a longas explicações sobre o mundo de Azeroth para garantir que todo mundo entenda exatamente o que é esse universo, mas na maioria das vezes soa inorgânico ver personagens explicando um ao outro coisas que claramente ambos já sabem. Os fãs provavelmente vão achar enfadonha a repetição de tantas coisas que eles já sabem sobre aquele universo e o restante do público (que está em busca apenas de entretenimento) provavelmente não vai se divertir nem um pouco com a enorme sucessão de palavras inventadas para as quais não dão a mínima, principalmente porque alguns conceitos requerem outros não dados pelo filme para serem entendidos e quem não é familiar com a franquia certamente vai ficar boiando. Na verdade, o mergulho na mitologia da série fica num esquisito meio termo no qual é raso demais para ser plenamente interessante aos fãs e dependente demais do material de origem para ser acessível aos não iniciados.

Os personagens são majoritariamente unidimensionais ou sequer possuem qualquer característica digna de nota. A exceção é o orc Durotan, dividido entre a lealdade ao seu povo e a ideia de que seguir seu líder talvez não seja o melhor para ele ou o seu clã, há um conflito real no personagem e o filme o leva a direções ousadas para este tipo de produto, o problema, no entanto, é o modo como o filme encerra o seu arco. Era de se imaginar que as coisas não fossem terminar bem para ele, mas no fim suas ações não tem nenhum impacto na história (exceto deixar um gancho para continuação) e não alteram em nada o conflito, o dá a sensação de que o filme jogou fora um bom personagem a troco de nada. Pior que isso, o encerramento do seu arco reduz o conflito ao maniqueísmo simplório de "humanos bons" contra "orcs maus" que o filme lutou tanto para evitar. Se ao menos alguns orcs deixassem a influência de Gul'Dan teríamos a sensação de que o esforço de Durotan valeu para alguma coisa.

Por outro lado, o protagonista humano Lothar é simplesmente intragável, não fazendo nenhum esforço para ir além do arquétipo do "cavaleiro estoico e corajoso". A única tentativa de um arco dramático envolvendo ele se reduz a sua relação com o filho que acabou de entrar para o exército e sonha ser como o pai, apesar de Lothar achar que ele não está pronto e basta ler isso para saber como as coisas vão acabar. O ator Travis Fimmel também não nos ajuda a ter nenhuma simpatia pelo personagem, com uma atuação que confunde exagero com intensidade, Fimmel passa boa parte do filme com olhos arregalados e falando como se tudo fosse extremamente urgente, transformando seu cavaleiro em uma caricatura aborrecida. Quando a trama pede que ele transmita alguma emoção mais complexa, Fimmel falha miseravelmente. Há um momento em que alguém próximo morre e ele atua como se tivesse perdido as chaves do carro e não um ente querido.

Além da limitação do ator, o personagem ainda é prejudicado por péssimos diálogos a exemplo da cena em que ele desconfia que um encontro proposto por Durotan pode ser uma emboscada e inicia uma discussão com a meio-orc Garona (Paula Patton) que consiste de cada um deles berrando "É" e "Não é" um para o outro como duas crianças birrentas, fazendo eu me encolher de vergonha na cadeira.

Paula Patton até tenta ir além do clichê da "cria de dois mundos constantemente deslocada" que o roteiro tenta prendê-la, mas é prejudicada pelas presas prostéticas que usa na boca e fazem parecer que ela está sempre falando com a boca cheia de farofa, levando muitos momentos que deveriam ter algum impacto emocional descambarem para o humor involuntário. Chega a ser incompreensível (principalmente por se tratar de uma produção de alto orçamento) que não tenham consertado a fala da personagem na pós-produção, bastava chamar a atriz para redublar suas falas (sem as próteses na boca, lógico) e depois sincronizar tudo na mixagem de áudio.

A trama ainda tenta nos surpreender com algumas reviravoltas, mas elas são telegrafadas de maneira óbvia já na primeira metade do filme. Há um personagem que é claramente maligno, algo que fica evidente para nós quando ele se esgueira para interrogar secretamente Garona no início do filme, mas ninguém parece desconfiar dele mesmo quando suas ações são gritantemente suspeitas. Em dado momento esse personagem queima toda a pesquisa do mago Khadgar (Ben Schnetzer) sobre o portal mágico usado pelos orcs e quando o mago conta isso para Lothar, ele simplesmente responde que o tal personagem quis protegê-lo ao destruir a pesquisa. Sério que alguém destrói conscientemente uma pesquisa que claramente vai ajudar na guerra contra os orcs e o capitão do exército real, Lothar, não acha isso sequer um pouquinho suspeito?

Essa atitude me lembra a fala do vilão interpretado por Rick Moranis em S.O.S Tem um Louco Solto no Espaço (1987) de que "o mal vence porque o bem é burro", já que não apenas Lothar, como outros heróis parecem de fazer questão de agirem como completos idiotas. O maior exemplo talvez seja o rei Llane, que mesmo aconselhado a não estar presente em um encontro com os orcs que pode ser uma armadilha, vai mesmo assim e obviamente é uma armadilha. O mesmo acontece na batalha final quando ele resolve ir na linha de frente do combate (ao invés de ficar na retarguarda, como normalmente reis fazem) e, óbvio, termina cercado. Tudo isso foi feito com a intenção de fazer dele um monarca valente, que se arrisca por seu povo, mas o resultado é o exato oposto, tornando-o um tolo impulsivo que se joga de cabeça em situações perigosas sem avaliar os riscos e colocando desnecessariamente em perigo sua própria vida e de seus súditos. O desfecho o personagem deveria ser algo heroico, mas soa como um tolo tendo o que merece.

As lutas entre os exércitos tem efeitos especiais competentes, que mostram as habilidades e armas das diferentes raças e os fãs certamente conseguiram identificar cada equipamento ou magia utilizado, mas falta energia e empolgação aos combates. A luta final entre Lothar e o líder orc Mão Negra (Clancy Brown) é decepcionante e anticlimática, já que apesar de toda antecipação feita em torno do embate, o cavaleiro vence em poucos segundos. O clímax, inclusive, não resolve praticamente nenhum dos conflitos (exceto o do tal personagem traidor) e encerra o filme de maneira súbita, deixando tudo para um possível continuação. 

Eu sei que não faria sentido encerrar completamente as tensões entre orcs e humanos, já que isso é praticamente o cerne da franquia, mas é possível deixar ganchos sem nos fazer deixar o cinema sem um senso de conclusão. Ao invés disso, o fim nos deixa com a sensação de que a situação em que deixamos os personagens é decepcionantemente similar à qual os encontramos no início do filme e que tudo que vimos aqui foi um enorme prelúdio para um conflito que ainda vai acontecer.

No fim, Warcraft: O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos é uma adaptação genérica, sem alma ou personalidade do game que lhe deu origem. Os fãs mais ardorosos talvez tenham alguma satisfação em ver a mitologia da franquia, personagens e lugares reproduzidos com fidelidade nas telas, mas é difícil relevar os personagens rasos, a trama simplória e cenas de ação que não empolgam.

Nota: 4/10


Trailer:


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