segunda-feira, 18 de julho de 2016

Crítica - Dois Caras Legais



O diretor e roteirista Shane Black parece não saber fazer outra coisa senão variações de sua mais conhecida criação, a franquia Máquina Mortífera. Até mesmo Homem de Ferro 3 (2013) tinha momentos em que parecia ecoar elementos das histórias dos policiais Riggs e Murtaugh. A sorte de Black é que ele é realmente muito bom neste tipo de narrativa e mesmo dialogando demais com Máquina Mortífera e outros trabalhos dele, como o divertido e pouco visto Beijos e Tiros (2005), este Dois Caras Legais tem personalidade suficiente para se sustentar por conta própria.

A trama se passa nos anos 70 e segue o detetive particular Holland March, um alcoólatra inveterado cuja maiorias dos casos envolve encontrar parentes perdidos de idosos. Em um de seus trabalhos seu caminho se cruza com o bruto Jackson Healy, um rufião que ganha a vida intimidando pessoas. Juntos eles precisam encontrar uma jovem que parece conectada à morte de uma famosa atriz pornô e também com um processo criminal envolvendo a poluição causada pelas grandes montadoras de automóveis.

No melhor estilo do film noir, a narrativa nos apresenta uma série de conspirações criminais entremeadas umas nas outras, nas quais é difícil determinar onde uma começa e outra termina, tal como no seminal À Beira do Abismo (1946). Os conluios parecem tão complicados e aleatoriamente conectados que não consegui deixar de ficar intrigado se o filme conseguiria ligar tudo de maneira satisfatória, mas o texto de Black é hábil ao fazer tudo se encaixar de modo convincente.

Inclusive, explora bastante elementos do contexto dos anos 70 como o movimento hippie, a ascensão da indústria pornô ou o desencanto com o governo. A recriação do período é bastante precisa, inclusive colocando publicidades e cartazes de filmes (como Tubarão 2) da época, sem falar no uso da música.

Nos habituamos a ver Ryan Gosling em papeis de galã ou de bad boy nos quais ele costumeiramente exibia um charme blasé, mas aqui ele vai na contramão de tudo que já fez. Seu detetive é um bêbado atrapalhado que cria mais problemas do que resolve e parece não ter a menor noção de onde está metido. Boa parte do humor vem de Gosling e do modo como as coisas dão absurdamente errado para seu personagem, como a cena que ele tenta quebrar o vidro de uma porta e começa a sangrar em profusão, ou a maneira como esbarra acidentalmente nas provas, a exemplo da cena na floresta na qual percebe o cadáver do rei do pornô ao acender um cigarro.

Já Crowe faz uma espécie de brigão com coração de ouro e diverte pela sua abordagem pragmática aos seus atos de violência, como se fossem a coisa mais corriqueira do mundo. Ele e Gosling são ótimos juntos e vendem bem o bromance cheio de piadinhas e provocações dos dois detetives. O filme também consegue evitar que eles soem como caricaturas unidimensionais, trabalhando suas motivações e nos fazendo compreender os motivos deles serem do jeito que são. Holly (Angourie Rice), a filha de Holland, funciona como a consciência e o cérebro da dupla, sempre tentando colocar os dois cabeças duras para cooperarem e muitas vezes percebe pistas que eles deixam passar.

As cenas de ação aproveitam a censura alta do filme e não economizam no sangue, muitas vezes usando também a violência como fonte de humor, como o momento em que vemos um vilão cair de um prédio e se transformar em uma poça de sangue ao se espatifar no chão. Mesmo com muita coisa acontecendo em espaços amplos, Black nunca perde o timing da ação ou da comédia e costura tudo de forma bastante coesa.

Dois Caras Legais é uma divertida celebração das comédias de ação de outrora. Pode não tirar o diretor e roteirista Shane Black de sua zona de conforto, mas os personagens carismáticos, o competente manejo da intriga e o preciso timing cômico oferecem muito a ser apreciado.


Nota: 8/10

Trailer (com uma divertida estética de VHS):

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