domingo, 17 de julho de 2016

Crítica - Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil

Resenha Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil


Análise Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil
O Brasil, apesar da sua miscigenação étnica, tem uma sociedade com vários preconceitos enraizados. É uma sociedade que demonstra ter consciência da presença do preconceito no cotidiano, mas não parece ser capaz de localizar onde está ou se manifesta esse preconceito. Isso porque ele está, debaixo dos panos, acontecendo sob instâncias que o relativizam e lhe dão um viés de normalidade. O documentário Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil mostra exatamente um desses casos, no qual ações aparentemente inofensivas traziam em si o julgo brutal do racismo.

Dirigido por Belisario Franca, o documentário se baseia na pesquisa do historiador Sidney Aguilar. Por intermédio de uma aluna, o historiador descobre tijolos contendo suásticas, símbolo associado ao nazismo, em uma fazenda no interior de São Paulo. Pesquisando sobre o local, descobriu que na década de 30 um trio de irmãos simpatizantes do nazismo e do movimento integralista brasileiro pegavam garotos órfãos negros em orfanatos e os levavam para a fazenda e os submetiam a um brutal regime de trabalho escravo. Essa história tinha permanecido oculta até que Sidney começou sua pesquisa.

O documentário faz um ótimo trabalho em construir o contexto da época, um período no qual as pessoas eram abertamente racistas e essa conduta era vista como praticamente uma virtude. Através de documentos, imagens e áudios de arquivo, o filme vai nos mostrando como os ideais de eugenia e superioridade branca dos regimes nazi-fascistas europeus serviram para como justificativa "científica" (porque praticamente todos os postulados eugênicos já foram cientificamente refutados) para manter as populações negras excluídas e marginalizadas, mantendo uma estrutura social funcionalmente racista. Através das evidências históricas vamos vendo como o próprio Estado brasileiro validava esses ideais de supremacia branca.

Através de publicidades e notícias da época constatamos como a noção de superioridade branca era martelada diariamente nas muitas esferas da comunicação de massa. Assim, diante de todo esse endosso social, foi fácil que ninguém parecesse se importar com o que era feito na fazenda no interior de São Paulo. O fato da família ser altamente influente na região e ter feito várias benfeitorias nas cidades próximas também contribuía, como se isso colocasse esses "cidadãos de bem" como donos desses lugares e acima da lei. Um patrimonialismo que até hoje está presente na sociedade brasileira, principalmente nos interiores e qualquer um de nós é capaz de lembrar de pelo menos um político ou autoridade pública ao qual as pessoas costumam se referir com expressões do tipo "rouba, mas faz" ou "fulano não presta, mas pelo menos faz alguma coisa".

Se ainda resta alguma dúvida sobre as desumanidades cometidas na fazenda, elas são dirimidas nas entrevistas com Seu Aluísio, um dos sobreviventes do lugar. Inicialmente resistente a falar sobre o que viveu na infância, é possível perceber nele como as marcas desses eventos de 70 anos atrás continuam a afligir o senhor. O tratamento relegado aos órfãos era tão desumano e desumanizador que os garotos eram tratados com números ao invés de nomes (Seu Aluísio era o 23 do título). Durante os relatos, o filme ainda mostra algumas reconstituições baseadas nas falas do sobreviventes para ilustrar suas vivências e tentar nos imergir nas experiências deles.

Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil se mostra um documentário contundente sobre um capítulo sombrio e vergonhoso de nossa história que precisa ser conhecido. O conhecimento do passado é essencial para entender muito de nossa situação atual e é o primeiro passo para tentar reparar e evitar esses erros no futuro.


Nota: 9/10

Trailer:

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