Uma sacola é deixada no meio de
uma rua movimentada em Times Square, Nova Iorque, com uma etiqueta que pede
para chamarem o FBI. Imediatamente se pensa em um atentado terrorista, todas as
ruas são fechadas e uma unidade anti-bombas é chamada. Ao se aproximarem da
sacola, percebem que algo se move dentro dela. A sacola é aberta e de dentro
dela sai uma mulher completamente nua, com o corpo coberto por tatuagens que
parecem ser recentes e sem nenhuma memória de quem é ou como foi parar ali. As
tatuagens parecem conter mensagens sobre crimes e conspirações em progresso ou
prestes a acontecer, então o FBI resolve manter a mulher, apelidada de Jane
(Jamie Alexander), por perto, principalmente quando ela demonstra experiência em
combate, dando a impressão de que ela pode ter sido militar ou membro de alguma
agência de inteligência. É com essa premissa cheia de mistério e intriga que
inicia a primeira temporada de Blindspot.
SPOILERS a partir deste ponto.
Tudo bem, a ideia do indivíduo
sem memórias que descobre ser um super agente envolvido em conspirações que mal
consegue entender não é exatamente novidade, A Identidade Bourne (2002) que o diga. Ainda assim Blindspot consegue criar um jogo de
intrigas que realmente consegue manter a atenção. A trama consegue nos manter
incertos quanto ao que está realmente acontecendo quais são os planos para as
tatuagens de Jane, tanto os que o FBI tem para ela, quanto os da misteriosa
organização que as fez.
Em alguns momentos as tatuagens
parecem um bem intencionado aviso sobre crimes que estão acontecendo, mas em
outros, principalmente quando os membros da misteriosa organização entram em
contato com Jane, elas parecem uma isca para comprometer o FBI. Há um senso
constante de que existem forças maiores do que os personagens em jogo,
manipulando os eventos e tentando moldar a situação. Inclusive tanto os membros
da misteriosa organização que tatuou Jane quanto um sombrio agente da CIA com
muito a esconder constantemente tentam abordar, chantagear ou intimidar os
membros da equipe de Jane, colocando em xeque as lealdades de cada um deles.
Jamie Alexander (a Lady Sif dos
filmes do Thor) é ótima como Jane, uma mulher simultaneamente poderosa e
insegura. Alguém que a despeito de suas muitas habilidades físicas e mentais,
sente-se fragilizada por não saber quem é e o que exatamente lhe aconteceu.
Como já disse, não é exatamente um personagem original, mas Alexander é
competente o bastante para tornar Jane uma figura intrigante.
O mesmo no entanto, não pode ser
dito do restante dos membros da equipe. O grupo é liderado pelo agente Kurt
Weller (Sullivan Stapleton, o Temístocles de 300: A Ascensão do Império) e ele é estoico e durão, mas nada além
disso. Stapleton confere intensidade ao personagem, mas não há muito ali exceto
pela coleção de clichês do sujeito durão, retraído emocionalmente e com um
trauma do passado. Os agentes Reade (Rob Brown) e Zapata (Audrey Esparza) não
tem muito espaço para desenvolver suas personalidades e seus arcos também são cheios
de lugares-comuns, como o relacionamento amoroso de Reade prejudicado pelo seu
trabalho (principalmente quando ameaças de morte são feitas à sua namorada) ou
o vício em jogo de Zapata, que obviamente a coloca em maus lençóis.
Melhor sorte tem Marianne
Jean-Baptiste faz a durona diretora do FBI Bethany Mayfair, alguém que apesar
da imagem íntegra esconde vários segredos que podem arruiná-la e seu arco é um
dos poucos interessantes ao tratar do dilema moral da personagem. Já Ashley
Johnson (a voz da Ellie de The Last of Us)
é adorável como como a energética e inteligente Patterson, responsável pela
parte técnica das investigações e por dar suporte ao grupo. Seu arco envolvendo
os problemas no seu relacionamento por causa da investigação das tatuagens começa
bem clichê, mas aos poucos vai se tornando interessante quando toma alguns
rumos inesperados e ela precisa lidar com a própria culpa e luto.
A temporada tenta equilibrar uma
estrutura de "caso da semana" com um arco narrativo maior envolvendo
a busca de Jane por seu passado, mas nem sempre consegue equilibrar as duas
coisas. Alguns episódios trazem casos interessantes e desenvolvimentos
significativos do arco maior, mas outros não conseguem fazer a trama principal
andar ou não constroem um "caso da semana" interessante (ou falham
nos dois). Aqui e ali temos algumas experimentações interessantes, como o
episódio do tiroteio na universidade que mostra os eventos do ponto de vista de
um determinado personagem, depois volta para contar a história sob a visão de
outro e assim vai montando o quebra-cabeça do que está acontecendo.
Incomoda também o foco excessivo
em relacionamentos amorosos, principalmente no quanto a narrativa pesa no
sentimentalismo ao abordar a relação entre Kurt e Jane. O envolvimento dos dois
não convence (em parte por Kurt ser um personagem tão vazio) e parece acontecer
mecanicamente, por pura conveniência de roteiro. Piora quando tenta criar um
triângulo e depois um quadrado amoroso, inserindo interesses românticos
alternativos para os dois, mas deixa óbvio que esses interesses românticos
secundários existem somente para tentar criar atrito entre o casal principal.
A temporada traz algumas cenas de
ação bem engendradas, embora o excesso de cortes prejudique em alguns momentos.
O uso de uma câmera tremida cheia de zoom
ins e zoom outs quando não há
ação ocorrendo e os personagens estão parados conversando entre si incomoda
bastante. A intenção parece ser conferir mais "realismo" aos eventos,
dando a impressão de que há um cameraman
seguindo os personagens em tempo real e se ajustando ao que acontece durante as
filmagens, mas o efeito é o exato oposto. Nem mesmo documentários que seguem
seus objetos sem saber o que vai acontecer apresentam hoje esse tipo de
enquadramento que balança para todos os lados e o uso disso aqui deixa claro
que essa escolha é um dispositivo artificial para forçar uma impressão de maior
"realismo". Ou então muitos episódios foram filmados com operadores
de câmera que nunca fizeram isso na vida e estavam completamente bêbados
durante o expediente.
O final da temporada consegue
amarrar bem os mistérios construídos ao longo dos 23 episódios, oferecendo
respostas satisfatórias (ainda que algumas sejam previsíveis) ao mesmo tempo
que deixa algumas perguntas no ar para nos manter engajados em uma segunda
temporada. Há uma sugestão de que o escopo das conspirações pode ser ainda mais
amplo, o que é uma faca de dois gumes. Por um lado é compreensível que se
queira dar uma sensação de risco, dificuldade e ameaça constante pairando sobre
os personagens, por outro criar conspirações cada vez maiores é uma receita
fácil de perder a mão, podendo tudo descambar para um exagero risível. De todo
modo, o desfecho me manteve interessado o suficiente para acompanhar uma
segunda temporada.
A primeira temporada de Blindspot funciona graças a sua
interessante protagonista e o manejo competente do mistério e do suspense. Tem
alguns problemas de ritmo e um elenco secundário preso em convenções, mas
consegue satisfazer quem está à procura de uma boa trama de intrigas.
Nota: 6/10
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