Antes de falar qualquer coisa
sobre o filme em si, é bom lembrar (apesar de toda a divulgação do filme fazer
questão de mencionar isso) que este Festa
da Salsicha não é uma animação para crianças. É um filme cheio de
palavrões, referências sexuais pouco sutis, drogas, sangue e questões
existenciais relativamente depressivas. Então, se alguém de fato levar uma
criança pequena para ver esse filme só por causa das salsichas animadas
bonitinhas, não é por falta de aviso, nem vá culpar os realizadores, a
distribuidora ou a imprensa.
A trama segue Frank (Seth Rogen)
uma salsicha que não vê a hora de ser comprada por um humano para poder
finalmente entrar em uma bisnaga de pão, especificamente a bisnaga Brenda, por
quem ele é apaixonado. Frank e os outros alimentos acham que os humanos são
deuses que vão ao mercado para levá-los para a "terra prometida", o
que eles não sabem é que os humanos matam e comem os alimentos. Ao ouvir a
verdade dos alimentos não perecíveis, Frank decide revelar a todo o mercado que
eles vivem uma mentira, mas isso não é tão fácil quanto parece.
É uma trama que remete
diretamente ao mito da caverna platônico, com alguém descobrindo que vive em
uma realidade falsa e sendo rechaçado por seus iguais ao tentar revelar a
verdade. Ao mesmo tempo é uma metáfora sobre o motivo e a atratividade da
religião. Afinal para muitos deve ser assustador a noção de que não há
propósito na vida a não ser morrer e a crença em poderes superiores e
existência metafísica oferece um alento a esse vazio existencial. O filme ainda
é esperto de não vilanizar a ideia de ter uma crença e sim o modo como as
crenças são usadas para disseminar ódio, intolerância, enganação ou controle
das massas (no sentido de população, não do alimento) ao invés de reforçarem
valores positivos.
"Quer dizer que essa
animação bonitinha sobre salsichas e pães com formato de vagina é um tratado
depressivo sobre a inevitabilidade da morte e falta de sentido na vida?",
você deve estar se perguntando agora e, bem, a resposta é não. Claro, essas
questões existenciais e críticas sociais estão bem postas no filme, mas há
muito humor nonsense e piadas bem
criativas que tornam essa jornada existencialista divertidamente hilária. Do
próprio visual dos alimentos (como as já citadas bisnagas), ao modo como as
diferentes "grupos" de alimentos interagem, tudo é bastante criativo.
O número musical que abre o
filme, escrito por ninguém menos que Alan Menken (compositor das canções de A Pequena Sereia, Aladdin e muitas outras animações), é uma paródia divertida das
canções da Disney e a cena que mostra os alimentos caindo da prateleira,
remetendo ao início de O Resgate do
Soldado Ryan (1998) brinca de maneira inteligente com as possibilidades
criativas da morte dos alimentos. Ainda temos várias piadas com referências pop, como o uso do tema musical de O Exterminador do Futuro quando o
Chiclete se regenera ou a aparição de um bolo de carne cantor que referencia ao
cantor Meat Loaf (bolo de carne em inglês, essa e mais algumas piadas se perdem
na tradução).
Também não são só alimentos que
tem vida neste universo, com produtos de limpeza e higiene pessoal também
aparecendo em cenas divertidas nas quais lamentam suas vidas, como um papel
higiênico e uma camisinha usada (estou avisando que não é um filme para
crianças), sem mencionar a vilanesca ducha de xuca (se você não sabe o que é
isso, não sei se devo recomendar que busque no Google). Todo esse absurdo
culmina no clímax que além de uma enorme e sem noção batalha entre humanos e
comida, ainda apresenta uma orgia caligulesca entre os alimentos ao fim
(sim, eles transam, acho que já falei que não é um desenho pra crianças né?).
Inclusive é curioso que Brenda inicialmente se mostre sexualmente reprimida por
achar que isso de algum modo ofende os "deuses humanos", mostrando
como as crenças podem interferir no nosso comportamento nos fazendo ter
vergonha de coisas das quais não devíamos nos envergonhar, e depois que os alimentos
percebem que os humanos não são deuses tudo isso é deixado de lado.
Festa da Salsicha funciona muito bem como uma crítica a nossa
adesão sem questionamento aos dogmas que nos são postos, pontuada por um humor
criativo e sem noção.
Nota: 8/10
Trailer
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