quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Crítica - Festa da Salsicha

Sausage Party


Resenha Festa da Salsicha
Antes de falar qualquer coisa sobre o filme em si, é bom lembrar (apesar de toda a divulgação do filme fazer questão de mencionar isso) que este Festa da Salsicha não é uma animação para crianças. É um filme cheio de palavrões, referências sexuais pouco sutis, drogas, sangue e questões existenciais relativamente depressivas. Então, se alguém de fato levar uma criança pequena para ver esse filme só por causa das salsichas animadas bonitinhas, não é por falta de aviso, nem vá culpar os realizadores, a distribuidora ou a imprensa.

A trama segue Frank (Seth Rogen) uma salsicha que não vê a hora de ser comprada por um humano para poder finalmente entrar em uma bisnaga de pão, especificamente a bisnaga Brenda, por quem ele é apaixonado. Frank e os outros alimentos acham que os humanos são deuses que vão ao mercado para levá-los para a "terra prometida", o que eles não sabem é que os humanos matam e comem os alimentos. Ao ouvir a verdade dos alimentos não perecíveis, Frank decide revelar a todo o mercado que eles vivem uma mentira, mas isso não é tão fácil quanto parece.

É uma trama que remete diretamente ao mito da caverna platônico, com alguém descobrindo que vive em uma realidade falsa e sendo rechaçado por seus iguais ao tentar revelar a verdade. Ao mesmo tempo é uma metáfora sobre o motivo e a atratividade da religião. Afinal para muitos deve ser assustador a noção de que não há propósito na vida a não ser morrer e a crença em poderes superiores e existência metafísica oferece um alento a esse vazio existencial. O filme ainda é esperto de não vilanizar a ideia de ter uma crença e sim o modo como as crenças são usadas para disseminar ódio, intolerância, enganação ou controle das massas (no sentido de população, não do alimento) ao invés de reforçarem valores positivos.

"Quer dizer que essa animação bonitinha sobre salsichas e pães com formato de vagina é um tratado depressivo sobre a inevitabilidade da morte e falta de sentido na vida?", você deve estar se perguntando agora e, bem, a resposta é não. Claro, essas questões existenciais e críticas sociais estão bem postas no filme, mas há muito humor nonsense e piadas bem criativas que tornam essa jornada existencialista divertidamente hilária. Do próprio visual dos alimentos (como as já citadas bisnagas), ao modo como as diferentes "grupos" de alimentos interagem, tudo é bastante criativo.

O número musical que abre o filme, escrito por ninguém menos que Alan Menken (compositor das canções de A Pequena Sereia, Aladdin e muitas outras animações), é uma paródia divertida das canções da Disney e a cena que mostra os alimentos caindo da prateleira, remetendo ao início de O Resgate do Soldado Ryan (1998) brinca de maneira inteligente com as possibilidades criativas da morte dos alimentos. Ainda temos várias piadas com referências pop, como o uso do tema musical de O Exterminador do Futuro quando o Chiclete se regenera ou a aparição de um bolo de carne cantor que referencia ao cantor Meat Loaf (bolo de carne em inglês, essa e mais algumas piadas se perdem na tradução).

Também não são só alimentos que tem vida neste universo, com produtos de limpeza e higiene pessoal também aparecendo em cenas divertidas nas quais lamentam suas vidas, como um papel higiênico e uma camisinha usada (estou avisando que não é um filme para crianças), sem mencionar a vilanesca ducha de xuca (se você não sabe o que é isso, não sei se devo recomendar que busque no Google). Todo esse absurdo culmina no clímax que além de uma enorme e sem noção batalha entre humanos e comida, ainda apresenta uma orgia caligulesca entre os alimentos ao fim (sim, eles transam, acho que já falei que não é um desenho pra crianças né?). Inclusive é curioso que Brenda inicialmente se mostre sexualmente reprimida por achar que isso de algum modo ofende os "deuses humanos", mostrando como as crenças podem interferir no nosso comportamento nos fazendo ter vergonha de coisas das quais não devíamos nos envergonhar, e depois que os alimentos percebem que os humanos não são deuses tudo isso é deixado de lado.

Festa da Salsicha funciona muito bem como uma crítica a nossa adesão sem questionamento aos dogmas que nos são postos, pontuada por um humor criativo e sem noção.


Nota: 8/10

Trailer

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