Um inteligente professor viaja pela Europa tentando decifrar pistas ocultas na obra de um célebre artista italiano acompanhado por uma inteligente parceira que aprendeu a decifrar enigmas com uma importante figura masculina de sua vida, tudo isso enquanto são caçados por diferentes grupos que querem encontrar o mesmo segredo. Essa é a trama de O Código Da Vinci (2006), mas também é a deste Inferno, nova aventura do professor Robert Langdon que repete sem nenhuma vergonha a estrutura de sua primeira adaptação cinematográfica de dez anos atrás.
Na trama, Langdon (Tom Hanks)
acorda em um hospital em Florença, Itália, sem memória de como chegou ali. Ao
perceber que está sendo caçado por uma organização misteriosa, ele foge com a
ajuda da médica Sienna (Felicity Jones). Juntos eles descobrem que Langdon
estava na pista de um perigoso vírus criado pelo bilionário Bertrand Zobrist
(Ben Foster), cujas pistas, por algum motivo, ele escondeu em referências à
obra de Dante Alighieri, autor de A Divina Comédia.
Além de repetir toda a estrutura
de O Código Da Vinci (2006), trocando
apenas as obras de Leonardo pelas de Dante, também se apoia no velho clichê do
sujeito desmemoriado que tenta descobrir como chegou a essa situação, algo que
a franquia Bourne ou mesmo a série Blindspot
já exploraram à exaustão. Se nos filmes anteriores havia ao menos
uma razão plausível para que as pistas estivessem escondidas em obras de arte
famosas, aqui não há qualquer razão para que o vilão tenha feito isso a não ser
o fato de sua namorada gostar de Dante (e mesmo assim ela precisa de ajuda para
desvendar as pistas, o que, de novo, não faz o menor sentido, já que estas
foram deixadas tendo ela em mente).
Aliás o plano dos vilões parece
um daqueles esquemas mirabolantes de vilão de filme de espionagem dos anos 70
que parece feito para fracassar e deixar os heróis vencerem. Se o vilão estava
preocupado com a possibilidade de alguém descobrir onde seu vírus estava
escondido e acabar com seus planos, porque não contar diretamente à sua seguidora
onde ele estava para que pudesse detoná-la imediatamente caso as autoridades
chegassem perto demais? Seria mais eficiente do que fazê-la perder tempo
precioso tentando desvendar pistas.
Do mesmo modo, se Langdon era o
único que podia levar as autoridades ao vírus, porque não matá-lo de uma vez no
hospital ao invés de criar aquela farsa para obter sua cooperação e arriscar
que ele levasse ao vírus as mesmas autoridades que tanto queriam evitar? Qual o
motivo de deixarem viva o contato de Langdon na OMS ao sequestrá-lo se isso
apenas a faria ir atrás dele, sendo que matá-la atrasaria ainda mais a
investigação da agência e daria tempo de completar o plano? A sensação que fica
é que os vilões não tinham o menor interesse que seu plano desse certo. Há um
debate ético e moral instigante no coração do plano dos vilões, mas o filme
ignora tudo isso ao adotar um maniqueísmo simplista, imediatamente tachando os
vilões como loucos megalômanos.
Assim como aconteceu no pavoroso Truque de Mestre: O Segundo Ato (2016), este Inferno vai tentar disfarçar seus furos
jogando uma reviravolta atrás da outra em cima do seu público para que nem dê
tempo de notar que muita coisa não faz muito sentido. Principalmente porque
muitas informações são pessimamente explicadas e só farão sentido se você tiver
lido o livro. Por outro lado, se você leu o livro provavelmente irá detestar a
mudança feita no final da narrativa. Era um dos poucos momentos que a trama
deixava de lado sua excessiva adesão aos clichês do gênero e que aqui é jogada
fora para dar lugar a um típico final feliz com os protagonistas salvando o dia
mais uma vez.
Não ajuda também o fato dos
personagens serem vazios e desprovidos de carisma. Langdon não tem nenhum traço
de personalidade além de ser muito inteligente e tudo que o filme faz é citar
ocasionalmente alguns cacoetes ou peculiaridades como sua fobia ou seu relógio
do Mickey, mas depois de três filmes e uma década acompanhando o personagem ele
continua soando como um indivíduo inócuo, do qual sabemos muito pouco. Na
verdade, ele parece ter mais uma função expositiva, explicando todos os
detalhes sobre as obras de arte e lugares turísticos, do que como um personagem
a ser desenvolvido e passar por um arco dramático. O mesmo pode ser dito de
Felicity Jones que começa como a assistente esperta descartável da vez para uma
fanática genérica. O usualmente carismático Omar Sy é igualmente desperdiçado
como um agente inescrupuloso que é despachado sem muito impacto (já que ele é genérico
demais para funcionar como uma ameaça crível) só para causar mais um momento de
"surpresa". Sem mencionar que a OMS, a Organização Mundial da Saúde é praticamente transformada na CIA, andando pela Europa cheia de agentes armados e aparatos de vigilância, algo que está bem longe de como a entidade opera. Claro, eles podiam estar cooperando com a CIA ou a Interpol, mas isso não é dito em nenhum momento e faz parecer que a organização é uma entidade plenamente militarizada, o que não tem o menor nexo.
Assim como aconteceu em O Código Da Vinci o filme é prejudicado
por um excesso de diálogos expositivos, que muitas vezes mais parecem um desses
documentários sobre história e teorias da conspiração do Discovery ou do
History Channel. Até mesmo as ações e sentimentos dos personagens são ditas ao
invés mostradas ou vivenciadas. Se Sims (Irrfan Khan), não mencionasse o afeto
da Dra. Sinskey (Sidse Babett Knudsen) por Langdon, jamais nos daríamos conta
disso, porque o filme não nos mostra esse sentimento forte por parte da
personagem.
Entre uma longa explanação e
outra, temos algumas cenas de Tom Hanks correndo para tentar trazer alguma
sensação de perigo ou suspense, mas esses momentos funcionam mais pela música,
que é competente em criar uma atmosfera de mistério e incerteza, do que pela
condução das perseguições. A fotografia também é hábil ao transmitir a
grandiosidade e o encantamento despertado pelas obras de arte e arquitetura
utilizadas pela narrativa, aproveitando bem o uso das múltiplas locações
internacionais nas quais foram realizadas as filmagens.
Em um determinado momento de Inferno uma personagem diz: "você fala muito e então não tem nada a dizer".
Essa frase simboliza com exatidão o que é o filme. Apesar de todo seu falatório
acerca de curiosidades sobre história e estética da arte, arquitetura e
tentativas de ponderação ética, não tem nada de interessante a dizer sobre
qualquer um desses tópicos.
Nota 4/10
Trailer:
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