Quando escrevi sobre Cine Holliúdy (2013), filme anterior do
diretor Halder Gomes, destaquei o quanto ele restaurava minha fé na capacidade
do cinema brasileiro de produzir boas comédias em meio a um contexto dominado
pelo chamado "formato Globo Filmes" que produziu e continua a
produzir horrores intragáveis. Três anos se passaram e pouco mudou, as comédias
brasileiras continuam a exibir resultados sofríveis, a exemplo dos péssimos Até que a Sorte nos Separe 3 (2015) e Um Suburbano Sortudo (2016), e mais uma
vez Gomes mostra que é possível fazer boas comédias populares com este O Shaolin do Sertão.
A trama acompanha Aluisio Li
(Edmilson Filho), cearense de Quixadá que adora filmes chineses de artes
marciais e sonha ser um grande lutador e com isso arrebatar o coração de Anésia
(Bruna Hamú), filha do dono da padaria (Dedé Santana) na qual trabalha. Sua
chance de provar seus talentos surge quando o candidato a prefeito Rossivaldo
(Frank Menezes) resolve trazer o lutador Tony Tora-Pleura (Fábio Goulart) para
cidade e promete uma grande soma em dinheiro para quem derrotá-lo. Antes de enfrentar
este grande oponente, no entanto, Aluisio resolve aprimorar suas técnicas com o
Chinês (Falcão).
O filme é uma grande homenagem
aos antigos filmes chineses de artes marciais ao mesmo tempo em que mescla
essas convenções com a cultura local cearense. Assim, mesmo se apegando a
convenções antigas, a narrativa constrói uma personalidade e abordagem próprias
ao trazer essas tramas sobre guerreiros e torneios de luta para o interior do
Ceará nos anos 80. É um procedimento típico das antigas chanchadas (e que as
comédias da Globo Filmes tentam fazer e fracassam) de se apropriar de elementos
de cinematografias estrangeiras e ressignificá-los a partir de elementos
culturais tipicamente brasileiros e funciona muito bem aqui. Por sinal, o
"cearensês" dito pelos personagens flui com naturalidade, jamais
parecendo forçado ou mesmo caricato demais.
Aluisio é o típico perdedor com
coração de ouro, um sujeito ingênuo subestimado por todos que sonha em uma
existência melhor e, claro, eventualmente prova seu valor. É um arco
previsível, mas que conquista pelo bom timing
cômico de Edmilson Filho bem como sua competência em dar ao personagem uma
doçura quase que infantil. Ocasionalmente ele se perde em fantasias nas quais é
um grande guerreiro e nesses momentos o filme adota uma estética visual de VHS
antigo, cheio de granulações e linhas de distorção divertindo com a tosquice
desses filmes de outrora (e da própria).
Outro destaque fica por conta do
político interpretado por Frank Menezes, uma figura de fala embolada e cheia de
neologismos inexistentes que parece beber diretamente na fonte do seminal
Odorico Paraguassú (de O Bem Amado).
O cantor e humorista Falcão (o do Ceará, não o do Rappa) diverte bastante ao parodiar a típica figura do
"velho mestre" de filmes de artes marciais, oferecendo treinamentos
pouco ortodoxos (como levar coice de jegue para aumentar a resistência) e
aforismos confusos do tipo: "A
partir da meia noite, a tendência é amanhecer". A Bruna Hamú,
por outro lado, não tem muito a fazer além de ser o adorável interesse romântico do
protagonista, uma personagem que serve mais como um objetivo a ser alcançado do
que uma pessoa plenamente realizada.
As cenas de luta são bem
coreografadas, com o claro objetivo de divertir pelo exagero (tal qual alguns filmes
antigos de kung fu) do que criar grandes cenas de ação e brincam com as
manobras absurdas que comumente se vê nesse tipo de filme. A música também
acerta ao misturar melodias em escala pentatônica tipicamente orientais com instrumentos
regionais como o acordeom, refletindo a mistura entre Ceará e China que está no
coração do filme. O único problema é a luta final, que se alonga mais do que
deveria e acaba ficando um pouco cansativa, ainda que divirta.
De todo modo, O Shaolin do Sertão é uma divertida
brincadeira com os antigos filmes de kung fu, que funciona não apenas pela sua
habilidade em lidar com essas convenções mas por trazer uma personalidade e
carisma próprios a esses elementos familiares.
Nota: 7/10
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