segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Crítica - O Shaolin do Sertão

Resenha O Shaolin do Sertão


Quando escrevi sobre Cine Holliúdy (2013), filme anterior do diretor Halder Gomes, destaquei o quanto ele restaurava minha fé na capacidade do cinema brasileiro de produzir boas comédias em meio a um contexto dominado pelo chamado "formato Globo Filmes" que produziu e continua a produzir horrores intragáveis. Três anos se passaram e pouco mudou, as comédias brasileiras continuam a exibir resultados sofríveis, a exemplo dos péssimos Até que a Sorte nos Separe 3 (2015) e Um Suburbano Sortudo (2016), e mais uma vez Gomes mostra que é possível fazer boas comédias populares com este O Shaolin do Sertão.

A trama acompanha Aluisio Li (Edmilson Filho), cearense de Quixadá que adora filmes chineses de artes marciais e sonha ser um grande lutador e com isso arrebatar o coração de Anésia (Bruna Hamú), filha do dono da padaria (Dedé Santana) na qual trabalha. Sua chance de provar seus talentos surge quando o candidato a prefeito Rossivaldo (Frank Menezes) resolve trazer o lutador Tony Tora-Pleura (Fábio Goulart) para cidade e promete uma grande soma em dinheiro para quem derrotá-lo. Antes de enfrentar este grande oponente, no entanto, Aluisio resolve aprimorar suas técnicas com o Chinês (Falcão).

O filme é uma grande homenagem aos antigos filmes chineses de artes marciais ao mesmo tempo em que mescla essas convenções com a cultura local cearense. Assim, mesmo se apegando a convenções antigas, a narrativa constrói uma personalidade e abordagem próprias ao trazer essas tramas sobre guerreiros e torneios de luta para o interior do Ceará nos anos 80. É um procedimento típico das antigas chanchadas (e que as comédias da Globo Filmes tentam fazer e fracassam) de se apropriar de elementos de cinematografias estrangeiras e ressignificá-los a partir de elementos culturais tipicamente brasileiros e funciona muito bem aqui. Por sinal, o "cearensês" dito pelos personagens flui com naturalidade, jamais parecendo forçado ou mesmo caricato demais.

Aluisio é o típico perdedor com coração de ouro, um sujeito ingênuo subestimado por todos que sonha em uma existência melhor e, claro, eventualmente prova seu valor. É um arco previsível, mas que conquista pelo bom timing cômico de Edmilson Filho bem como sua competência em dar ao personagem uma doçura quase que infantil. Ocasionalmente ele se perde em fantasias nas quais é um grande guerreiro e nesses momentos o filme adota uma estética visual de VHS antigo, cheio de granulações e linhas de distorção divertindo com a tosquice desses filmes de outrora (e da própria).

Outro destaque fica por conta do político interpretado por Frank Menezes, uma figura de fala embolada e cheia de neologismos inexistentes que parece beber diretamente na fonte do seminal Odorico Paraguassú (de O Bem Amado). O cantor e humorista Falcão (o do Ceará, não o do Rappa) diverte bastante ao parodiar a típica figura do "velho mestre" de filmes de artes marciais, oferecendo treinamentos pouco ortodoxos (como levar coice de jegue para aumentar a resistência) e aforismos confusos do tipo: "A partir da meia noite, a tendência é amanhecer". A Bruna Hamú, por outro lado, não tem muito a fazer além de ser o adorável interesse romântico do protagonista, uma personagem que serve mais como um objetivo a ser alcançado do que uma pessoa plenamente realizada.

As cenas de luta são bem coreografadas, com o claro objetivo de divertir pelo exagero (tal qual alguns filmes antigos de kung fu) do que criar grandes cenas de ação e brincam com as manobras absurdas que comumente se vê nesse tipo de filme. A música também acerta ao misturar melodias em escala pentatônica tipicamente orientais com instrumentos regionais como o acordeom, refletindo a mistura entre Ceará e China que está no coração do filme. O único problema é a luta final, que se alonga mais do que deveria e acaba ficando um pouco cansativa, ainda que divirta.

De todo modo, O Shaolin do Sertão é uma divertida brincadeira com os antigos filmes de kung fu, que funciona não apenas pela sua habilidade em lidar com essas convenções mas por trazer uma personalidade e carisma próprios a esses elementos familiares.


Nota: 7/10

Trailer

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