Não vai ser fácil ter que
discorrer sobre este A Chegada de
Denis Villenueve (responsável por Os Suspeitos e Sicario: Terra de Ninguém).
Não digo isso apenas pela complexidade das ideias e conceitos que o filme tenta
tratar, mas pelo impacto emocional que ele teve em mim. Tentar construir uma
análise ponderada quando há um componente afetivo tão marcante ligado a um filme
é bastante complicado.
A trama segue Louise (Amy Adams)
uma brilhante linguista que é chamada pelo exército dos Estados Unidos para
colaborar na tentativa de estabelecer contato com uma nave alienígena que
aterrissou no interior do país. Ao lado dela está o cientista Ian (Jeremy
Renner) e ambos precisam correr contra o tempo para entender o que querem os
visitantes, já que naves semelhantes pousaram em outros lugares do mundo e
outros países temem se tratar de uma invasão.
O filme acerta no modo como
constrói de maneira econômica e direta a sensação de algo em escala global e o
impacto que um evento como esse teria no planeta. Através de breves matérias
jornalísticas ou conversas telefônicas dos membros da base em Louise passa a
viver vamos percebendo como aquilo impacta a política, economia, o cotidiano e
até as instituições religiosas. Tudo de maneira simples, mas bastante crível e
imagino que coisas semelhantes às do filme se repetiriam se algo assim
acontecesse em nosso mundo.
Os primeiros minutos são
carregados de um misto de tensão e fascínio, já que mesmo temendo pelas intenções
dos alienígenas e o que eles farão com os personagens, ao mesmo tempo há um
claro deslumbramento com a tecnologia ou com estranho modo de comunicação
daqueles seres. Essa mistura de sentimentos conflitantes é também o que impele
Louise, constantemente cansada e em um estado de tensão evidenciado por suas
mãos tremendo ela se mantêm firme em seus esforços de dialogar com os seres por
acreditar que há algo de valioso a se aprender com eles. A decisão de manter os
alienígenas ocultos por uma constante névoa também contribui para atiçar a
nossa curiosidade enquanto simultaneamente convoca um medo latente, já que
nunca conseguimos ver completamente como são as criaturas, se aquelas são suas
formas reais ou como funciona sua biologia. Acerta ainda ao nunca explicar
plenamente o propósito dos alienígenas ou mesmo o conteúdo de uma conversa
telefônica ao fim, já que nenhuma explicação seria capaz de convencer
plenamente todo o público, e deixá-las em aberto permite que cada um formule
sua resposta.
A presença alienígena é, na
verdade, um instrumento para discorrer sobre a comunicabilidade, um fenômeno
altamente complexo que muitas vezes é tratado como algo menor dentro dos
diferentes campos do conhecimento. A fala inicial de Ian para Louise logo
quando se conhecem é a melhor ilustração disso, rechaçando a afirmação dela de
que a comunicação era a maior ferramenta humana e que seria a ciência a ocupar
esse espaço. Posteriormente o filme consegue demonstrar imageticamente como os
processos linguísticos e comunicacionais são tão complexos quanto qualquer
atividade científica. Isso fica claro na cena em que Louise desenha um diagrama
da quantidade de processos que seriam necessários para fazer os visitantes
compreenderem e serem aptos a responder a pergunta "qual o seu propósito
aqui?" e o resultado é um diagrama tão complexo quanto as equações que
também constam no quadro.
É uma trama sobre como é difícil
nos relacionar com os outros, nos fazer entender e cooperar. Há, inclusive, um
momento espirituoso no qual Louise diz para Ian que mesmo seu enorme
conhecimento em linguística e comunicabilidade não a impediu de permanecer
solteira, reconhecendo que a prática de lidar com o outro e estar em constante
diálogo é complexa até para quem tem ampla compreensão de seu funcionamento.
Tanto que a recusa ao diálogo, a falta de troca de experiências e conhecimentos
é sempre enquadrado como algo grave e assustador. Cada vez que um dos países da
força tarefa internacional fecha seus canais de comunicação é como se as
esperanças para compreender o que acontece se esvaíssem e a humanidade tivesse
falhado enquanto espécie.
Nesse sentido, se a oposição
entre EUA e China parece repetir um estereótipo antiquado que visaria ressaltar
a racionalidade dos primeiros e o primitivismo dos segundos, ela é soa como um
conflito natural e até inevitável, dadas as complicadas barreiras de
comunicação (idiomas diferentes, escritas diferentes, estruturas diferentes)
que determinam também barreiras culturais e políticas que tornam países e povos
distantes tão alienígenas quanto os próprios visitantes extraterrestres.
Ainda assim, é esperto o
suficiente para não vilanizar nenhum dos lados e nem mesmo eleger um vilão
entre o grupo de pesquisadores e soldados com da base de Louise. Seria muito
fácil transformar o militar interpretado por Forrest Whitaker ou o analista da
CIA vivido por Michael Stuhlbarg em sujeitos malignos dispostos a qualquer
coisa para destruir os alienígenas, mas o filme evita maniqueísmos. Mesmo
quando eles pensam em adotar uma postura mais agressiva quanto ao problema, as
decisões soam críveis e realistas, assim como o breve movimento de soldados que
agem contra as ordens e realizam um atentado.
É também um estudo de como nos
relacionamos com o tempo e sua inevitável finitude. A montagem é bastante
eficiente em convocar uma sensação de extemporalidade, tornando difícil em
muitos momentos ter noção exata da passagem de tempo, ou mesmo se o que estamos
vendo é real ou sonho ou delírio. Tanto que chega a ser difícil inicialmente prever
a virada que o filme toma, revelando que eventos que pareciam estar no passado
na verdade se situavam no futuro. Outros filmes (como Interestelar ou Lucy) já
tentaram demonstrar como seria uma existência em "quatro dimensões"
na qual o tempo seria uma dimensão tão navegável quanto a horizontal ou
vertical, com a montagem estabelecendo de forma clara como uma personagem usa
essa capacidade para tentar impedir uma guerra iminente no presente.
Também não se furta em tentar
compreender a consequência da mudança dessa capacidade de percepção para um ser
humano. Afinal, o que você faria se soubesse tudo que irá acontecer na sua vida
do início ao fim? Se visse toda a felicidade e todo o sofrimento que te
atingiria, todos a dor de perder entes queridos e ver relações afetivas
fracassarem, como lidaria com isso?
Todos sabemos que um dia iremos
morrer e que dor e sofrimento são inevitáveis, mas ser capaz de vivenciar tudo
isso (de certo modo) de uma só vez deve ser um sentimento avassalador e o modo
como a narrativa, ao fim, corta diferentes momentos da vida de Louise sendo
experimentados simultaneamente por ela é precisa em suscitar essa impressão de
sobrecarga sensorial e afetiva. O mais tocante nisso tudo é que mesmo sabendo o
que o futuro lhe reserva e o devastador sofrimento que virá, Louise escolhe
seguir o caminho visualizado. Ela compreende que a beleza e a felicidade são
sempre finitas, construídas no acúmulo de pequenos e fugazes momentos que dão
valor e significado à nossa breve existência e que eles fazem tudo valer a pena
quando alcançamos o inevitável fim do percurso.
A Chegada é uma poderosa ficção-científica que, como os melhores
exemplares do gênero, permite um estudo complexo da natureza humana e seus
problemas existenciais. Seja no modo como lidamos com os outros ou consigo
mesmo.
Nota: 9/10
Trailer:
Sinto que história é boa, mas o que realmente faz a diferença é a participação de Amy Adams e Jeremy Renner neste filme, já que pela grande experiência que eles têm no meio da atuação fazem com que os seus trabalhos sejam impecáveis e sempre conseguem transmitir todas as suas emoções, por se acaso você não tenha visto A Chegada essa será uma excelente oportunidade e garanto que você não irá se arrepender.
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ResponderExcluirElainne, a Amy Adams está mesmo ótima no filme