O movimento do Cinema Novo foi um dos mais importantes para o cinema brasileiro e é referência de nossa cinematografia tanto nacional quanto internacionalmente. Seus produtos até hoje continuam a impactar a produção nacional, assim como os valores defendidos por muitos cineastas que participavam do movimento ou eram contemporâneos a estes. Este Cinema Novo de Eryk Rocha tenta entender o espírito, a visão e as referências que guiavam os cineastas do período usando áudios e imagens de arquivo com falas desses realizadores, bem como as imagens e sons dos próprios filmes realizados por eles.
Seria muito fácil produzir um
documentário com um caráter mais histórico e didático, com especialistas,
historiadores e críticos falando sobre o que foi o Cinema Novo, quem fez e qual
sua importância, mas esse não é o foco de Rocha aqui. Ele se importa mais com a
potência estética e ideológica do movimento do que em uma narrativa histórica,
daí sua escolha por algo narrado em, digamos, primeira pessoa, ou seja, da boca
dos próprios cineastas do período como Joaquim Pedro de Andrade, Nelson Pereira
dos Santos, Leon Hirszman e, claro Glauber Rocha, pai de Eryk. A escolha por
esses depoimentos também facilita nossa aproximação com esses cineastas e evita
um relato mais distanciado, mistificado ou mesmo demasiadamente reverente a
eles, deixando que eles se apresentem a nós com suas ideias e contradições.
Através das falas dos
realizadores percebemos uma certa verve antropofágica do movimento, se
apropriando e devorando das ideias de vanguardas europeias e da cultura popular
brasileira para criar algo próprio, remetendo ao manifesto de Oswald de
Andrade. Ao mesmo tempo, fica claro que muitas perguntas levantadas por ele,
como a questão da distribuição dos filmes e a tentativa de fazê-los dialogar
com um público mais amplo, permanecem em aberto e são tão relevantes hoje
quanto eram a sessenta anos atrás. Assim, rever e repensar o Cinema Novo, não é
apenas olhar para o passado e refletir sobre ele, mas é também pensar no
presente.
Esse olhar presente também se
manifesta nas escolhas dos materiais usados por Eryk, que se apropria das falas
e filmes de cineastas que não faziam parte do chamado grupo do Cinema Novo e
constantemente entrava em conflito com eles, como Luiz Sérgio Person, mas que
faziam filmes que dialogavam com o movimento e traziam valores similares,
deixando assim que querelas passadas fiquem no passado e adotando uma
perspectiva mais ampla do fenômeno. Do mesmo modo, também traz cineastas anteriores
ao período, como Mario Peixoto, cujo filme Limite
(1931) é um marco do cinema brasileiro e influenciou gerações.
A montar juntas cenas de
diferentes filmes do período, Eryk Rocha não apenas identifica as recorrências
entre essas obras, mas também consegue sintetizar as sensações transmitidas por
eles. Eram filmes de correria, de luta, de resistência, de poesia, de
deslumbramento. É como uma dose concentrada que em poucos minutos nos lembra da
potência transformadora estética e ideológica desses filmes.
Cinema Novo acaba se mostrando um rico e afetuoso estudo sobre um
importante período do cinema brasileiro, revelando ainda que esse cinema e
essas ideias ainda tem muito a dizer sobre nosso presente.
Nota: 8/10
Este texto faz parte da nossa cobertura do XII Panorama Internacional Coisa de Cinema.
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