A história real de uma família
que adota uma criança com HIV poderia verdadeiramente render um drama poderoso
e inspirador, mas este Pequeno Segredo
não consegue fazer nada de interessante com a premissa que tem em mãos, prejudicado
por um texto raso e uma narrativa truncada e sem ritmo.
O filme segue a história real de
Vilfredo (Marcello Anthony) e Heloísa Schurmann (Júlia Lemmertz) que adotaram a
menina Kat (Mariana Goulart). Paralelamente também conta a história dos pais da
menina, o neozelandês Robert (Erroll Shand) e a paraense Jeanne (Maria Flor),
que contrai o vírus ao receber uma transfusão de sangue contaminado. Permeando
as duas histórias está Barbara (Fionulla Flanagan), a amarga e xenófoba mãe de
Robert.
Já nos primeiros minutos o filme
mostra sua falta de ritmo e inabilidade em estabelecer seus personagens de
maneira fluida e orgânica ao recorrer a três longas narrações em off de Heloísa, Kat, Robert. Cada uma
delas serviria por si só como um bom início, mas ao usar as três em sequência,
cria-se uma série de "falsos inícios" que levam cerca de vinte
minutos só para efetivamente fazer o filme começar. Algo similar ao que
acontecia no primeiro O Hobbit
(2012), que tínhamos uma longa série de narrações sobre tópicos diferentes até
que finalmente o filme começasse. Ainda por cima, essas narrações iniciais
explicam muito, mas tem muito pouco a dizer sobre quem realmente são essas pessoas ou
como elas se tornaram daquele jeito. Robert chega a dizer em dado momento que
sempre partia quando a situação ficava desfavorável, mas o filme nunca se
esforça em tentar entender de onde vem esse impulso do personagem.
Na verdade os personagens são tão
unidimensionais que beiram caricaturas. Barbara é tão completamente
desagradável todo o tempo que mais parece uma vilã de desenho animado, ao passo
que Heloísa é sempre tão resiliente, estoica, amorosa e correta que ela mais
parece uma santa do que um ser humano. Lá pela segunda metade o filme tenta
focar no embate entre as duas, mas há tão pouca sutileza ou nuance nessas
pessoas que tudo se resume a um rasteiro duelo de bem contra o mal.
A cena em que Barbara entra na
casa dos Schurmann disposta a levar Kat embora a faz parecer uma bruxa má da
Disney com seus olhos esbugalhados e sorriso insano. Ao passo que Heloísa, tão
pura e naturalmente bondosa consegue "curar" Barbara de sua maldade
apenas ao professar a ela o seu amor e literalmente tocando-a, quase como uma
santa milagreira. Júlia Lemmertz empresta um calor humano bastante genuíno para
Heloísa e consegue impedir que a personagem descambe para uma caricatura
irritante, funcionando em emocionar à despeito do texto raso que a impede de
torná-la uma pessoa mais interessante. O mesmo pode ser dito de Marcello
Anthony, mas seu personagem tem tão pouco tempo de tela que faz pouca diferença
ou impacto no todo da obra.
A menina Kat, por outro lado, é
reduzida a uma mártir, passando boa parte do tempo na condição de vítima, sendo
provocada por colegas e até mesmo por pessoas na rua, como a cena na fila da
loja, em que uma senhora tentando puxar assunto é filmada como uma declaração
completamente hostil. Em outro momento, uma colega de balé perde a vaga de
solista para ela e protesta, sendo rechaçada pela professora, imaginamos que a
cena vai terminar por aí, já tendo estabelecido a hostilidade da colega. Ao
invés disso, o filme faz a menina responder à professora, vomitando mais uma
onda de ofensas que não tem função alguma a não ser pesar a mão no sofrimento
da garota de maneira apelativa e sensacionalista. O mesmo pode ser dito do
plano contra-plongée dela se
apresentando próxima ao fim, que coloca as luzes do teatro por trás dela
formando um halo de luz ao redor de sua cabeça, salientando de maneira óbvia o
aspecto angelical da menina.
O excesso de narrações em off, além de truncar o desenvolvimento
da trama, também oferece muito pouco em termos de desenvolvimento de
personagem, já que muitas vezes nos dizem coisas que eles já demonstraram
através de suas ações ou narram eventos que acabamos de ver na tela. Um exemplo
disso é a cena em que Jeanne encontra uma baleia encalhada na praia e na cena
seguinte a vemos redigir uma carta para Heloísa narrando exatamente o que
acabamos de ver segundos atrás.
Também atrapalha um excesso de
cenas que está ali apenas para manipular a percepção do público, em um momento
vemos Bárbara despejar o conteúdo de um comprimido da sopa do marido, apenas
para na cena seguinte nos revelar que era o remédio para câncer, sendo que não
há nenhum motivo para criar esse suspense em relação ao que ela botou na
comida. Do mesmo modo, o filme trata a revelação da doença de Kat como algo
extremamente bombástico e inesperado, sendo que isso não apenas está na sinopse
do filme, como também é facilmente dedutível e óbvio, principalmente quando
vemos o corpo de Jeanne tomado pelas feridas e lesões provocadas pela doença.
Manipulativa também é a música com sua quase onipresença de instrumentos de
corda em tons chorosos sempre em altíssimo volume para nos dizer sem cerimônia
e de modo incrivelmente intrusivo que aquele momento é para chorar. A fotografia é um dos poucos acertos, em especial os amplos planos com os personagens no mar, que ajuda a transmitir a imensidão e o encantamento que a paisagem desperta em Heloísa e na própria Kat.
Pequeno Segredo desperdiça uma história interessante em um filme
raso, maniqueísta, clichê, apelativo e desprovido de ritmo. A narrativa
sacraliza tanto suas personagens que é mais uma hagiografia do que uma
biografia.
Nota: 3/10
Trailer:
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