terça-feira, 8 de novembro de 2016

Crítica - Pequeno Segredo

Resenha Pequeno Segredo


Review Pequeno Segredo
A história real de uma família que adota uma criança com HIV poderia verdadeiramente render um drama poderoso e inspirador, mas este Pequeno Segredo não consegue fazer nada de interessante com a premissa que tem em mãos, prejudicado por um texto raso e uma narrativa truncada e sem ritmo.

O filme segue a história real de Vilfredo (Marcello Anthony) e Heloísa Schurmann (Júlia Lemmertz) que adotaram a menina Kat (Mariana Goulart). Paralelamente também conta a história dos pais da menina, o neozelandês Robert (Erroll Shand) e a paraense Jeanne (Maria Flor), que contrai o vírus ao receber uma transfusão de sangue contaminado. Permeando as duas histórias está Barbara (Fionulla Flanagan), a amarga e xenófoba mãe de Robert.

Já nos primeiros minutos o filme mostra sua falta de ritmo e inabilidade em estabelecer seus personagens de maneira fluida e orgânica ao recorrer a três longas narrações em off de Heloísa, Kat, Robert. Cada uma delas serviria por si só como um bom início, mas ao usar as três em sequência, cria-se uma série de "falsos inícios" que levam cerca de vinte minutos só para efetivamente fazer o filme começar. Algo similar ao que acontecia no primeiro O Hobbit (2012), que tínhamos uma longa série de narrações sobre tópicos diferentes até que finalmente o filme começasse. Ainda por cima, essas narrações iniciais explicam muito, mas tem muito pouco a dizer sobre quem realmente são essas pessoas ou como elas se tornaram daquele jeito. Robert chega a dizer em dado momento que sempre partia quando a situação ficava desfavorável, mas o filme nunca se esforça em tentar entender de onde vem esse impulso do personagem.

Na verdade os personagens são tão unidimensionais que beiram caricaturas. Barbara é tão completamente desagradável todo o tempo que mais parece uma vilã de desenho animado, ao passo que Heloísa é sempre tão resiliente, estoica, amorosa e correta que ela mais parece uma santa do que um ser humano. Lá pela segunda metade o filme tenta focar no embate entre as duas, mas há tão pouca sutileza ou nuance nessas pessoas que tudo se resume a um rasteiro duelo de bem contra o mal.

A cena em que Barbara entra na casa dos Schurmann disposta a levar Kat embora a faz parecer uma bruxa má da Disney com seus olhos esbugalhados e sorriso insano. Ao passo que Heloísa, tão pura e naturalmente bondosa consegue "curar" Barbara de sua maldade apenas ao professar a ela o seu amor e literalmente tocando-a, quase como uma santa milagreira. Júlia Lemmertz empresta um calor humano bastante genuíno para Heloísa e consegue impedir que a personagem descambe para uma caricatura irritante, funcionando em emocionar à despeito do texto raso que a impede de torná-la uma pessoa mais interessante. O mesmo pode ser dito de Marcello Anthony, mas seu personagem tem tão pouco tempo de tela que faz pouca diferença ou impacto no todo da obra.

A menina Kat, por outro lado, é reduzida a uma mártir, passando boa parte do tempo na condição de vítima, sendo provocada por colegas e até mesmo por pessoas na rua, como a cena na fila da loja, em que uma senhora tentando puxar assunto é filmada como uma declaração completamente hostil. Em outro momento, uma colega de balé perde a vaga de solista para ela e protesta, sendo rechaçada pela professora, imaginamos que a cena vai terminar por aí, já tendo estabelecido a hostilidade da colega. Ao invés disso, o filme faz a menina responder à professora, vomitando mais uma onda de ofensas que não tem função alguma a não ser pesar a mão no sofrimento da garota de maneira apelativa e sensacionalista. O mesmo pode ser dito do plano contra-plongée dela se apresentando próxima ao fim, que coloca as luzes do teatro por trás dela formando um halo de luz ao redor de sua cabeça, salientando de maneira óbvia o aspecto angelical da menina.

O excesso de narrações em off, além de truncar o desenvolvimento da trama, também oferece muito pouco em termos de desenvolvimento de personagem, já que muitas vezes nos dizem coisas que eles já demonstraram através de suas ações ou narram eventos que acabamos de ver na tela. Um exemplo disso é a cena em que Jeanne encontra uma baleia encalhada na praia e na cena seguinte a vemos redigir uma carta para Heloísa narrando exatamente o que acabamos de ver segundos atrás.

Também atrapalha um excesso de cenas que está ali apenas para manipular a percepção do público, em um momento vemos Bárbara despejar o conteúdo de um comprimido da sopa do marido, apenas para na cena seguinte nos revelar que era o remédio para câncer, sendo que não há nenhum motivo para criar esse suspense em relação ao que ela botou na comida. Do mesmo modo, o filme trata a revelação da doença de Kat como algo extremamente bombástico e inesperado, sendo que isso não apenas está na sinopse do filme, como também é facilmente dedutível e óbvio, principalmente quando vemos o corpo de Jeanne tomado pelas feridas e lesões provocadas pela doença. Manipulativa também é a música com sua quase onipresença de instrumentos de corda em tons chorosos sempre em altíssimo volume para nos dizer sem cerimônia e de modo incrivelmente intrusivo que aquele momento é para chorar. A fotografia é um dos poucos acertos, em especial os amplos planos com os personagens no mar, que ajuda a transmitir a imensidão e o encantamento que a paisagem desperta em Heloísa e na própria Kat.

Pequeno Segredo desperdiça uma história interessante em um filme raso, maniqueísta, clichê, apelativo e desprovido de ritmo. A narrativa sacraliza tanto suas personagens que é mais uma hagiografia do que uma biografia.


Nota: 3/10

Trailer:

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