segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Crítica - Animais Noturnos

Análise Animais Noturnos


Review Animais Noturnos
Artistas muitas vezes se colocam em suas obras. Aquilo que tratam em seus produtos muitas vezes é uma forma de expiar dores, angústias e frustrações. Sob este aspecto, toda obra de ficção seria também (ao menos em algum nível) um relato autobiográfico. A função catártica da ficção é exatamente o tema central deste Animais Noturnos.

A trama segue Susan (Amy Adams), uma dona de galeria de arte que um dia recebe o manuscrito de um romance enviado por seu ex-marido, Edward (Jake Gyllenhaal). O livro é dedicado a ela e conforme ela começa a ler a trágica história de vingança de Tony (também Gyllenhaal), começa a perceber as semelhanças temáticas entre a jornada de Tony e seu casamento fracassado.

O filme não nos mostra apenas a história de Susan no presente, como também a do romance de Edward e o passado dos dois e como seu relacionamento erodiu. É uma estrutura que facilmente podia descambar para uma bagunça rasa, mas o texto de Tom Ford (que também dirige) consegue equilibrar tudo com eficiência. O equilíbrio que ele tem no texto, porém, lhe falta à direção. Sua condução cheia de afetações e floreios estilísticos confere beleza e plasticidade até ao que deveria incomodar. As paisagens desérticas do Texas e seus casebres arruinados pelos quais Tony passa em sua busca por vingança são tão perfeitamente filmados e belissimamente fotografados (alguns planos parecem pinturas) que jamais soam ameaçadores, opressivos e decadentes como deveriam. O mesmo pode ser dito da violência, que deveria ser crua, gráfica, brutal e implacável, mas é tudo tão estilizado que seu impacto se esvazia. O filme acaba parecendo como uma das instalações artísticas da galeria de Susan, algo feito pra chocar e incomodar, mas que são colocadas em um ambiente tão perfeitamente clean que terminam desprovidas de impacto e soam ascéticas e frígidas.

Os excessos também estão presentes no uso da música que, intrusiva em demasia, atrapalha a construção cuidadosa e sutil dos atores. Um exemplo é a cena de Tony nu na banheira do hotel depois de ter falado com a polícia. Gyllenhaal consegue trazer toda a dor e desespero de um homem que não apenas cogita a possibilidade de ter perdido a família como também lida com a culpa de que isso pode ter acontecido por sua falta de ação, mas a música entra no último volume berrando forçosamente em nossos ouvidos a tristeza que o ator é tão hábil em evocar. Há também uma cena entre Susan e uma colega de trabalho (vivida por Jena Malone) que não tem qualquer propósito além de dar um susto gratuito e inútil no público, como se o próprio Ford saltasse da tela e dissesse: "a-há! Peguei vocês! Viram como sou esperto?". Um expediente raso, apelativo e que em nada se relaciona com o restante do filme, parecendo mais algo saído de um Atividade Paranormal do que o drama emocional que a narrativa tenta criar.

O que nos mantém conectados à narrativa é o bom desempenho dos atores, em especial Amy Adams, Jake Gyllenhaal e Michael Shannon. Adams começa dando indicadores sutis da infelicidade e complexo de culpa de Susan, que trocou um relacionamento com alguém que lhe era interessante em nome de um futuro mais "estruturado", mas que não lhe trouxe felicidade alguma. Conforme o livro a faz pensar no seu relacionamento com o ex-marido ela vai se sentindo cada vez mais perdida. Gyllenhaal não apenas é ótimo ao trazer a dor e desespero de Tony, como também o desamparo de Edward, que se vê impotente ao perceber a erosão de seu casamento. A jornada de Tony é praticamente a tentativa dele de eliminar seus traumas passados, exorcizar aquele seu antigo eu e seguir em frente. Michael Shannon, por sua vez, é excelente como o policial Andes, que ajuda Tony em sua busca por justiça. Shannon não apenas traz intensidade e gravidade ao detetive, como faz dele quase que um produto de seu meio, alguém tão habituado em viver sob circunstâncias duras que se tornou ainda mais duro e seu personagem rouba a cena cada vez que aparece.

Alguns coadjuvantes, por outro lado, deixam a desejar. Armie Hammer é tão óbvio na sua construção do marido de Susan que já na primeira conversa entre eles fica aparente sua traição. Jena Malone tem uma presença não apenas irrelevante para a narrativa, mas também irritante na sua caricatura de hipster do mundo das artes. Igualmente caricato e exagerado é Aaron Johnson que jamais vai além do clichê do caipira sádico e provoca mais aborrecimento do que temor.

Animais Noturnos tem uma série de boas ideias no modo como tenta reconstruir a narrativa de uma relação fracassada através de um produto artístico e seu elenco ajuda a vender essas ideias, mas derrapa em uma direção cheia de maneirismos e excesso que sabota o próprio material ao invés de ressaltá-lo.


Nota: 5/10

Trailer:

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