A desenvolvedora Telltale games ganhou evidência pelo modo como reformulou as narrativas contadas pelos jogos de aventura estilo point and click, ao deixar várias decisões à cargo do jogador, permitindo que ele escolhesse que tipo de personagem seu protagonista seria e fazendo-o sentir, em certa medida, o peso das consequências de suas decisões. A fórmula já tinha dado muito certo em The Walking Dead: The Game (cuja terceira temporada já está chegando), The Wolf Among Us, Tales From the Borderlands e volta a funcionar muito bem neste Batman: The Telltale Series.
Dividida em cinco episódios, a
trama se passa no início da carreira de Bruce Wayne como vigilante e marca seu
primeiro encontro com muitos de seus importantes inimigos como o Pinguim e a
Mulher-Gato. A história toma algumas liberdades com o cânone do morcego, em
especial quanto ao passado da família Wayne, mas tudo funciona em favor da
narrativa e da visão que a desenvolvedora tenta trazer para o personagem. As
novas informações sobre seus pais ajudam a dar mais peso e responsabilidade
para o trabalho de Bruce/Batman em melhorar sua cidade.
Como no restante dos games da
desenvolvedora, o jogo segue o formato de "apontar e clicar",
dialogando com outros personagens e analisando e coletando objetos para a
resolução de puzzles. Além disso,
temos também várias sequências de combate que se desenvolvem por meio de quick time events, requisitando o uso de
botões específicos para dar continuidade às lutas. Durante as lutas cada golpe
dado enche um medidor no canto da tela e quando cheio, permite que o jogador
realize uma finalização devastadora e encerre o combate. A questão é que não há
punição alguma para o erro, que apenas resulta em uma demora maior para
preencher a barra e acabar a luta, o que diminui a tensão e a urgência dos
embates.
Como Batman também é um detetive,
o jogo traz alguns puzzles
investigativos que envolvem coletar evidências em uma cena de crime e depois
tentar estabelecer ligações entre elas para entender o que aconteceu. É bem
interessante e exige uma certa medida de raciocínio lógico, embora não chegue
no nível de complexidade de games centrados nisso como Sherlock Holmes: Crimes and Punishments. Em algumas sequências de
infiltração e furtividade também é possível escolher como o Batman vai
neutralizar cada um dos inimigos do cenário, mas estes mais lineares e não há
escolhas erradas.
A força do jogo reside no impacto
que os eventos tem sobre Bruce Wayne e nas escolhas difíceis que ele coloca ao
jogador, tanto em relação a que tipo de vigilante ser como Batman (um
anti-herói brutal ou alguém mais correto) e também que tipo de impressão se
quer causar como Batman. Na primeira vez que interroguei um criminoso escolhi
espancá-lo sem dó, causando-lhe grandes danos, mas a expressão assustada e
enojada de Gordon e Montoya ao me verem fazendo aquilo imediatamente me fez
repensar meus métodos. A construção das relações de Batman/Bruce com Gordon,
Harvey Dent, Selina/Mulher-Gato é onde o jogo realmente brilha.
Durante minha jornada escolhi
ficar próximo de Harvey e construir uma amizade bem próxima com ele, então
vê-lo se perder em sua dupla personalidade trouxe um sentimento de impotência,
já que eu sabia que aquele amigo não estava mais ali, mas me mantive fiel a
ele, tentando ajudá-lo ao invés tratá-lo como um criminoso qualquer e partindo
para o combate sem pensar. As decisões tomadas raramente são fáceis e te fazem
sentir na pele o quão é difícil fazer o que Wayne faz. Muitas vezes o jogo te
dá a opção de escolher abordar uma situação como Batman ou como Bruce, levando
o jogador a priorizar uma identidade em detrimento da outra (em geral eu
preferia usar a finesse de Bruce à
truculência do Batman). Se outros jogos (como a franquia Arkham) te fazem
sentir como é fisicamente ser o Batman, este, mais do que qualquer outro, te
coloca da cabeça do personagem, te fazendo experimentar as dúvidas, tensões e
escolhas impossíveis que ele precisa fazer.
Essa primeira temporada consegue
equilibrar bem esses momentos de diálogo e desenvolvimento de personagem com os
puzzles e combates, sendo o último
episódio a única exceção. O capítulo derradeiro te joga em uma cena de crime e
luta atrás da outra, quase que com pressa de chegar ao final, deixando de lado
o mais interessante que são os personagens (ainda que tenhamos bons momentos
envolvendo Harvey, Selina e a vilã Lady Arkham), mas não chega a prejudicar o
desfecho, que resolve as principais tramas e deixa a porta aberta para continuar
(incluindo a presença de um icônico vilão).
O jogo tem textos traduzidos em
português, o que é ótimo para quem não é familiarizado com o inglês, mas a
tradução é muito problemática. Em geral, mesmo quando menciono problemas de
tradução não deixo que isso pese na minha avaliação final, mas como é um jogo
muito dependente de diálogos e da escolha que o jogador faz deles, os inúmero
erros de tradução (sem mencionar a quantidade de momentos em que tudo aparecia
em inglês) prejudica muito o jogador. Muitas vezes o texto traduzido traz um
significado diametralmente contrário àquele desejado pelo jogador, te induzindo a falar ou fazer algo que não é
o que você desejava para o personagem e obrigando a recarregar o save para tentar decifrar qual das opções
erroneamente traduzidas é aquela que se encaixa na forma como você joga.
Visualmente segue o padrão de The Walking Dead: The Game, The Wolf Among Us, Tales From the Borderlands com personagens em cel shading, conferindo-lhes uma aparência relativamente cartunesca,
mas muito expressiva. Os cenários, porém, são ocasionalmente prejudicados por
algumas texturas pobres e serrilhados, mas nada que comprometa a imersão.
Ainda que bem aderente à
"formula Telltale", este Batman:
The Telltale Series funciona graças à visão que a desenvolvedora traz do
personagem e como seu arco narrativo nos deixa imersos na mente de Bruce Wayne,
nas dificuldades enfrentadas por ele e nas relações que ele constrói.
Nota: 8/10
Obs: Esse texto foi feito a partir da versão de PS4. O jogo está
disponível para PlayStation 4, Xbox One, PlayStation 3, Xbox 360, Android, iOS
e PC.
Trailer:
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