terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Crítica - Capitão Fantástico

Análise Capitão Fantástico


Review Capitão Fantástico
Capitão Fantástico parecia aquele filme indie padrão sobre uma família excêntrica e desajustada tentado lidar com as coisas banais do "mundo real", aprendendo não só a preencherem as lacunas que faltam, mas também a abraçar a própria esquisitice. Na verdade ele é exatamente isso, mas funciona pelo fato de evitar maniqueísmos fáceis e não glorificar demais seus personagens, apontando suas falhas e contradições e permitindo que eles lidem com isso.

Ben (Viggo Mortensen) é um homem que vive em uma casa na floresta com seus seis filhos. Ele os educa em casa, ensinando filosofia, política, física e todas as outras disciplinas acadêmicas, assim como também os ensina a caçar, rastrear e a se virarem na natureza. Quando sua esposa, que estava internada para tratar de seu distúrbio bipolar, comete suicídio, ele decide viajar para o enterro, mesmo contrariando o sogro (Frank Langella) que ameaça prendê-lo caso apareça, já que ele culpa o estilo de vida alternativo deles como responsável pelo que aconteceu com a filha.

A estrutura lembra um pouco Pequena Miss Sunshine (2006), com essa família desajustada cruzando o país e sendo obrigada a lidar com sentimentos que há muito vinham sendo calados. A viagem também vai mostrando o quão despreparados os filhos de Ben são em lidar com o mundo e as pessoas, à despeito de todo o conhecimento que possuem. Assim, a utopia em que eles pareciam viver vai aos poucos sendo desfeita conforme as contradições de Ben vão sendo confrontadas.

Viggo Mortensen faz de Ben um homem de valores bem definidos e estritos e que genuinamente pensa que seu estilo de vida é o melhor. Sua postura e lugar de superioridade moral em que se coloca, no entanto, por vezes o faz agir com certa soberba e conforme vai percebendo que seus filhos não são tão adequados para o mundo como pensava, vai aos poucos enchendo ele de dúvida quanto ao que está fazendo, principalmente agora sem a esposa.

O filme acerta ao não vilanizar o avô, que é mostrado como alguém com um afeto real pelos netos e que quer o melhor para eles. Ainda que a dor da perda da filha o faça culpar Ben por tudo, ele nunca é alguém que apenas quer prejudicar o protagonista, mas alguém que, assim como o próprio Ben, tenta fazer aquilo que julga ser o melhor para sua família. Aqui e ali temos algumas observações sobre o consumismo nos Estados Unidos e como isso é algo alienante e pouco saudável, inclusive com uma reação engraçada por parte das crianças ao se espantarem com a quantidade de obesos nas ruas.

Ocasionalmente, como muitos filmes indie similares, a narrativa chega a pesar a mão para ressaltar a esquisitice e o estatuto de desajustados da família, o que rende alguns momentos cheios de artificialidade. Um exemplo é a cena em que o ônibus de Ben é parado por um policial e ele pergunta o motivo daquelas crianças não estarem na escola. Ele poderia tranquilamente dizer que os estava levando para o funeral da mãe, policial algum provavelmente faria objeção a isso, mas ao invés disso, os filhos dele fingem ser fanáticos educados em casa, entoando versos da bíblia e cânticos religiosos. É como se o filme berrasse para nós "olhem como eles são pouco convencionais e bizarros" sem nenhuma sutileza.

Assim, Capitão Fantástico acaba funcionando por suas ponderações sobre a sociedade de consumo e a performance cuidadosa de Viggo Mortensen, ainda que faça pouco para se distinguir de filmes com abordagem similar.



Nota: 7/10

Trailer:

2 comentários:

Marcio Melo disse...

Gosto dessa artificialidade para a esquisitice indie. Tem seis exageros, mas gostei demais desse filme.

Lucas Ravazzano disse...

Olha, há diferentes níveis de artificialidade. Uma coisa é a artificialidade no nível da encenação, como os planos ultra simétricos do Wes Anderson, que te lembram "isso é um filme", "há um diretor manipulando isso". Outra coisa é ter um roteiro ou construção de personagem artificial, porque aí eles deixam de ser "pessoas possíveis" para se tornarem caricaturas exageradas com as quais fica difícil aderir, principalmente quando o filme demonstra querer sim que eu cole nesses personagens e torça por eles.