segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Crítica - South Park: 20ª Temporada

Análise South Park Temporada 20

Review South Park Temporada 20
South Park pegou todo mundo de surpresa na temporada anterior quando decidiu adotar uma estrutura mais serializada com arcos narrativos longos que se desdobravam ao longo dos episódios da temporada. Não eram apenas as piadas que iam sendo levadas de um episódio para outro, mas as tramas iam continuando construindo uma longa história ao longo dos dez episódios. Chegando nesta vigésima temporada, ficava a questão se os criadores Matt Stone e Trey Parker manteriam o formato ou se foi apenas uma experimentação. Ao que parece, eles gostaram das possibilidades que essa estrutura trazia, já que a vigésima temporada continua com aquilo que foi iniciado no ano anterior com arcos que se estendem ao longo da temporada. O texto a seguir pode conter alguns SPOILERS.

O ano vinte começa com a escola dos garotos Stan, Kyle, Cartman e Kenny sofrendo ataques em seu site de um troll de internet chamado Skankhunt42. O troll, cuja identidade é anônima, entra na página e constantemente dirige insultos às meninas da escola, o que leva a todos a desconfiarem de que é um dos meninos. Ao mesmo tempo há a aparição das Member Berries, frutas falantes que apelam para a nostalgia e se tornam uma febre entre os moradores da cidade, que parecem se afundar na nostalgia proporcionada por elas e se apegam cada vez mais ao passado.

O arco da trollagem reflete, entre outras coisas, como nos relacionamos e conversamos cada vez mais através de internet e rede sociais. Na narrativa cada vez que alguém decidia abandonar o Twitter ou outra plataforma similar tudo era encarado como um sinônimo de suicídio e a pessoa passava a ser vista como um "fantasma" vagando pelos corredores da escola. A revelação de que o troll não era um dos meninos (Cartman era um suspeito óbvio) e sim Gerald, o pai de Kyle, foi uma surpresa interessante. Primeiro porque o papel de "pai irresponsável e imaturo" nos últimos anos costumava a ser desempenhado pelo Randy, pai de Stan, segundo porque se lembrarmos do episódio do Yelp na temporada anterior, percebemos que Gerald já tinha uma pecha por escrever maldades na internet, fazendo a revelação não deixar de ser coerente com o personagem.

O crescimento das atividades de Gerald como troll acaba chamando a atenção das autoridades da Dinamarca, que decidem desenvolver um programa para tirar os trolls de seu anonimato, o que obriga Gerald a se aliar a um grupo de trolls de internet para tentar manter sua identidade. O que se segue é uma dura crítica a esse tipo de comportamento digital, no qual a "graça" se dá às custas da degradação e humilhação dos outros. Cada vez que um dos trolls tenta se defender, dizendo que o que faz é satírico ou que expõe hipocrisias da sociedade, a narrativa imediatamente mostra que não há nada disso no discurso odioso dessas pessoas e aquilo que eles consideram humor não passa de pura ofensa (não muito diferente do que fazem certos "comediantes" do Brasil ou Estados Unidos).

Ao mesmo tempo, mostra que há uma diferença entre trolls como Dildo Schwaggins, um sujeito solitário e infeliz que ofende outros na internet como uma tentativa de rechaçar os próprios sentimentos de inadequação, e alguém como Gerald, que tem família, amigos, é bem sucedido e, ainda assim, gasta boa parte de seu tempo ofendendo pessoas na internet. Isso não apenas quebra o tradicional estereótipo dos trolls, como também revela que as ditas "pessoas de bem" podem ser ainda mais cruéis e intolerantes do que qualquer outro e o fato de que tanta ofensa e agressividade venha de pessoas que não tem um motivo para estarem revoltados com o mundo torna isso ainda mais grave.

O arco das Member Berries, por sua vez, vai na direção de como esse espírito nostálgico e o desejo de voltar a outros tempos acaba possibilitando a ascensão de figuras retrógradas como Trump, aqui personificado pelo Sr. Garrison. Assim como Trump, Garrison se candidata a presidente com uma plataforma cheia de bravatas xenófobas, racistas e machistas. A série também não alivia para Hillary, mostrada como alguém incapaz de criar uma conexão com o público e cujo discurso demasiadamente ensaiado a faz parecer distante. Inclusive retoma aqui a metáfora de várias temporadas atrás de que a maioria das eleições é uma disputa entre "um babaca e um merda".

A vitória de Trump no mundo real, por sinal, parece ter mexido no planos de Stone e Parker. O episódio pós eleição era originalmente intitulado The Very First Gentleman, uma referência ao fato de que Bill Clinton se tornaria o "primeiro cavalheiro" da história com a eleição de Hillary. A vitória inesperada de Trump na terça-feira certamente fez a dupla de diretores e roteiristas mexer no episódio que foi ao ar na quarta, inclusive mudando o título de The Very First Gentleman para Oh, Jeez (algo como "oh, droga" em português). Diferente de About Last Night (da décima segunda temporada), sobre a primeira eleição de Obama, no qual a trama parecia feita para comportar qualquer resultado e Obama e McCain poderiam trocar de lugar de sem afetar a história, aqui parece que eles tiverem que mexer em muito do que planejaram para comportar a vitória de Trump.

Com isso todo o segmento de Bill Clinton tentando criar um clube de cavalheiros ficou completamente perdido na trama (provavelmente não conseguiram produzir novas cenas para compor o episódio e mantiveram essas, apenas redublando alguns diálogos). A trama das Member Berries também pareceu ser alterada, se no início tudo parecia apontar para J.J Abrams como responsável pelo surgimento das frutas, com a eleição de Trump descobrimos que tudo era um plano da Memberberry "primordial" que ao invés de ter saudades dos anos oitenta, tinha saudade dos anos quarenta. A vitória de Trump também rendeu bons momentos de paródia como a cena em que Garrison coloca sua peruca (para ficar ainda mais parecido com o presidente eleito) ao som de um mash-up entre a marcha presidencial americana e a Marcha Imperial de Star Wars.

Os últimos episódios também constroem várias piadas em torno do quanto é perigoso alguém tão instável e facilmente provocado no comando do maior arsenal bélico do mundo. Há uma cena muito boa entre Garrison e o PC Principal, na qual o presidente eleito agradece o diretor "politicamente correto"  por tê-lo ajudado a ganhar notoriedade. Afinal o crescimento do discurso inclusivo e a conquista de direitos básicos de cidadania por vários grupos minoritários que motivou essa reação do sujeito branco de classe média de que "estão roubando meu país", o que fundamentalmente foi o motor da campanha (e vitória) de Trump.

Todo esse discurso político, no entanto, não significa que South Park abriu mão do seu senso de humor absurdo e nonsense e ao longo dos dez episódios dessa temporada temos uma série de cenas que diverte pelo puro valor besteirol. Entre elas temos o momento em que Caitlin Jenner vomita Member Berries em Garrison (que consequentemente vomita em outras pessoas), o protesto dos meninos abaixando as calças no escola, a quantidade imensa de palavrões ditas por Ike no final de temporada, a revelação de que as ações da Dinamarca eram na verdade uma grande trollagem (com direito à tortura dos trolls capturados com a clássica trollagem conhecida como "Rick Roll'd) ou mesmo a fantasia de Cartman sobre o que aconteceria caso a humanidade chegasse à Marte (e o magnata da tecnologia Elon Musk dublando à si próprio).

O arco de Cartman, por sinal, é o elo fraco dessa temporada. Costumeiramente um dos destaques da série, o gordinho tem uma passagem apagada pela temporada. Sua trama envolvendo seu namoro com a colega Heidi o limita a repetir a gag de que "mulheres são engraçadas" e isso cansa rápido, principalmente porque sua história demora a encontrar as demais.

A vigésima temporada de South Park continua a explorar um formato mais serializado, produzindo resultados divertidos em seu olhar sobre a política dos Estados Unidos, a onda de nostalgia que vem dominando o entretenimento e o modo como convivemos através da internet.

Nota: 8/10

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