Joguei todos os games da série
principal da franquia Assassin's Creed
(desconto aqui versões portáteis como o Liberation
e os três do selo Chronicles),
acompanhei a franquia em seus melhores momentos (Assassin's Creed 2, Brotherhood,
Black Flag) e nos seus piores (Revelations, Unity) e a possibilidade de um filme parecia uma tentativa
interessante de expandir a franquia (embora eu creia que suas narrativas, que
se estendem ao longo de anos, seriam melhor comportadas em uma série). Um elenco
de peso foi reunido, Michael Fassbender (também atuando como produtor), Marion
Cotillard, Jeremy Irons, um diretor promissor, Justin Kurzel do ótimo Macbeth: Ambição e Guerra (2015), foi
chamado. Com tanta gente boa envolvida, fica até difícil compreender como isso deu errado.
A trama acompanha Callum Lynch
(Michael Faassbender), um homem condenado à morte e prestes a ser executado por
assassinato. Após sua aparente execução, ele acorda em uma instalação da
corporação Abstergo acompanhado da cientista Sofia Rikkin, que diz precisar da
ajuda dele para localizar a Maçã do Éden, um artefato que, segundo ela, pode
eliminar a violência do mundo. Para achar o item, Callum precisa usar uma
máquina chamada Animus, que o faz reviver as memórias de antepassados que estão
contidas em seu código genético. A máquina o faz ver o passado de Aguilar
(também Fassbender), ancestral seu que viveu na época da Inquisição Espanhola,
no fim do século XV.
Se os games nos apresentaram a
personagens carismáticos como Ezio Auditore, Edward Kenway ou os gêmeos Frye, o
filme não consegue trazer nenhum personagem interessante. Callum é uma página
vazia, que alterna somente entre dois estados emocionais, a raiva e a confusão
(no velho clichê de filmes com realidades virtuais, no qual o personagem começa
a "ver coisas" e perde a noção de realidade), e com um passado igualmente clichê de perda pessoal.
Nas mãos de um ator menos competente se tornaria uma caricatura aborrecida, mas
Fassbender faz o melhor que pode com o material raso que tem em mãos, ao menos
conseguindo dar credibilidade ao sujeito, ainda que não nos dê o suficiente
para nos importarmos com ele. Aguilar, por sua vez, é ainda menos desenvolvido
(o filme se passa majoritariamente no presente e deve ter somente umas quatro
cenas no passado, indo na contramão do que vem acontecendo nos jogos) e deve
falar pouco mais de uma dúzia de frases ao longo do filme inteiro. No entanto,
Aguilar consegue manter nosso interesse pelas empolgantes cenas de ação nas
quais se engaja.
O assassino se move e luta tal
qual nos games e as os embates e
perseguições evidenciam a habilidade e engenhosidade do personagem, com direito
ao uso de muitos equipamentos vistos nos jogos. Existe, porém, um problema
nessas cenas de ação, que são excessivamente limpas e sem sangue. O material
original nunca se furtou em exibir as consequências brutais e sangrentas das
ações dos personagens e exibi-las aqui de maneira tão asséptica tira o peso
dramático e o impacto dos assassinatos. Sim, o estúdio certamente fez isso para
o filme pegar uma classificação indicativa mais baixa, mas, se consideramos que
a maioria dos jogos recebiam classificações entre 16 e 18 anos por causa da
violência e linguagem explícita, essa decisão seria como querer fazer um filme
do Deadpool com classificação baixa. Considerando que este Assassin's Creed foi feito pela mesma Fox que arrecadou rios de
dinheiro (cerca de 785 milhões para um modesto orçamento de 58 milhões),
elogios e até indicações a prêmios importantes, como o Globo de Ouro, com Deadpool (2016), essa decisão faz ainda
menos sentido.
O filme apresenta não apenas uma
ótima fidelidade visual em relação ao games como também oferece uma
reconstrução bastante competente do período da revolução espanhola, ainda que
em algumas tomadas aéreas fique incomodamente evidente a artificialidade de
alguns cenários digitais, criando uma atmosfera bem imersiva. O louvável uso de
falas integralmente em espanhol durante essas cenas também contribui para a
imersão.
Se os heróis não tem lá muito
carisma, os vilões não se saem muito melhor. Assim como Fassbender, Marion
Cotillard tenta ao máximo dar algum tipo de contorno ou nuance para sua Sofia,
mas fica presa a um texto que a limita a repetir a mesma fala sobre a
importância de acabar com a violência que jamais dá espaço para levar as suas motivações
além da superfície e lugar comum. O veterano Jeremy Irons se limita a ser um
megalomaníaco genérico e Charlotte Rampling não tem praticamente nada a fazer
como a líder dos Templários. O filme ainda desperdiça bons atores como Michael
K. Williams (que vive o Moussa) e Brendan Gleeson (dizer quem ele é seria spoiler) em papéis meramente
explicativos.
O excesso de diálogos expositivos
é outra coisa que prejudica o fluxo da trama. Se os games permitem que a pesada mitologia e funcionamento das facções
seja construído e apresentado aos poucos em cerca de quarenta ou trinta horas
de jogo, o filme precisa fazer tudo isso caber em cerca de uma hora e cinquenta
minutos. Assim, a primeira metade demora a engrenar, engatando uma longa
explicação atrás da outra, fazendo tudo parecer mais lento e moroso do que
deveria ser. Aqui e ali a trama tenta levantar discussões sobre liberdade e
livre-arbítrio, mas isso é abordado de maneira tão passageira que nada de
realmente é feito com essas ideias. O que sobra na trama do tempo presente
acaba sendo mais uma narrativa sobre uma megacorporação que tenta controlar o
mundo enquanto um pequeno grupo tenta lhe fazer resistência, da qual já vimos
um número imenso igual.
Assassin's Creed acerta nos visuais, na recriação do passado e nas
cenas de ação, sendo uma pena que essa ambientação seja aquilo com o menor foco
de atenção da narrativa, nos obrigando a gastar a maior parte do tempo em uma
trama morosa com personagens pouco interessantes.
Nota: 5/10
Trailer
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