O diretor sul-coreano Park
Chan-Wook tem apreço por histórias de vingança. Isso já tinha ficado claro em
sua "trilogia da vingança", composta por Mr. Vingança (2002), Oldboy
(2003) e Lady Vingança (2005). Depois
de tantos filmes excelentes sobre o tema, era de se imaginar que uma nova
história de vingança contada por ele fosse soar como repetitiva e sem o frescor
criativo de antes. Isso, no entanto, não acontece neste A Criada, que também conta uma história de vingança em um ambiente
de sordidez e constante exploração.
A trama começa quando a jovem
Sook-Hee (Tae-ri Kim) é abordada pelo golpista "Conde" Fujiwara
(Jung-woo Ha), um falsário que se passa por nobre japonês para se aproximar de
um rico sul-coreano que coleciona livros raros, Kouzuki (Jing-woong Jo). O
falso conde sabe que o colecionador está à beira da falência por causa de seus
gastos com sua coleção e sua única solução para se salvar financeiramente é
casar com Lady Hideko (Min-hee Kim), a sobrinha de sua falecida esposa que
tenha uma grande herança a receber. O falso conde então resolve ele mesmo
seduzir Hideko e para isso infiltra Sook-Hee na mansão para trabalhar como
criada da jovem nobre. Aos poucos, no entanto, Sook-Hee começa a se afeiçoar
por seu alvo e o que inicialmente era admiração vai dando lugar ao desejo.
O grande trunfo do filme é como
Chan-Wook brinca com nossas percepções sobre os personagens, contando a
história sobre um ponto de vista e depois retornando para contá-la sobre outro,
ressignificando o que vimos antes e amarrando as pontas soltas com extrema
maestria. Lady Hideko é desde o início um inescrutável mistério para nós e
durante boa parte do filme ficamos nos perguntando se ela é realmente tão
inocente quanto tenta parecer ou se tudo é um grande jogo para ela. Do mesmo
modo, ficamos imaginando até que ponto Sook-Hee está mesmo afeiçoada a Hideko a
ponto de atrapalhar o golpe que ela e o Conde planejaram. Chega a um ponto que
nem sabemos dizer direito quem é a verdadeira vítima ali, se Sook-Hee ou
Hideko.
Aos poucos vamos descobrindo que
a restrita biblioteca do colecionador e a relação que ele tinha com Hideko (e
também com sua falecida tia) é muito mais sórdida do que imaginamos. Os
"recitais" que Hideko fazia para os convidados do tio eram leituras
de contos eróticos extremamente depravados e ela não passava de um joguete
pervertido nas mãos do tio e seus convidados. Nesse sentido, é extremamente
simbólica a revolta de Sook-Hee ao descobrir o conteúdo da biblioteca e sua
decisão de destruir tudo é como se ela e Hideko gritassem "não somos
objetos e não existimos ou vivemos em função do seu prazer". Inclusive, se
olharmos os personagens masculinos do filme (o Conde e o tio) percebemos que o
que os atrai para Hideko é menos o desejo ou o amor e mais a sensação de poder
de a estar controlando e dobrando-a à sua vontade.
A vingança de Hideko (e
posteriormente de Sook-Hee) não é apenas por crueldade ou retribuição a
violências sofridas durante anos, mas um ato de resistência frente à constante
dominação masculina que tenta se impor sobre ela. Conforme a trama avança,
vamos aos pouco vendo o que o tio fazia com ela, tudo de maneira sutil e nunca
de modo explícito, mas que ainda assim evoca horrores inimagináveis. Um exemplo
a tomada que mostra um enorme polvo em seu "calabouço
sadomasoquista", bastante parecido com as ilustrações de seus livros
eróticos e ficamos imaginando se ele tentava reencenar as imagens usando
Hideko. Não é à toa que a carta que ela deixa ao consumar sua vingança, ela
deixa uma carta ao tio dizendo "na vida real, nenhuma mulher sente prazer
ao ser forçada a algo", funcionando quase como uma resposta à fala do
conde de que as mulheres sentem mais prazer quando são violadas.
A fotografia confere uma beleza
macabra à mansão nas montanhas, cujo design
parece misturar influências orientais com toques vitorianos ocidentais. A
música, cheia de acordes sinuosos, ajuda a dar um tom de mistério e contribuiu
para o constante clima de tensão e incerteza. Como o filme é contado se
dividindo entre os pontos de vista de diferentes personagens, o trabalho de
câmera contribui para que permite que percebamos com clareza essa mudança de
foco. Se no início é Sook-Hee que está no centro de quadro o tempo todo, com
Hideko ao fundo ou nas beiradas, na segunda parte é Hideko que toma o centro
dos planos.
A Criada se mostra um hábil conto de vingança e resistência diante
de um abuso sistemático, engrandecido pela estrutura que mantém incertas as
intenções de seus personagens e vai aos poucos nos revelando a sordidez do
universo em que habitam.
Nota: 9/10
Trailer:
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