terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Crítica - A Criada

Análise A Criada


Review A Criada
O diretor sul-coreano Park Chan-Wook tem apreço por histórias de vingança. Isso já tinha ficado claro em sua "trilogia da vingança", composta por Mr. Vingança (2002), Oldboy (2003) e Lady Vingança (2005). Depois de tantos filmes excelentes sobre o tema, era de se imaginar que uma nova história de vingança contada por ele fosse soar como repetitiva e sem o frescor criativo de antes. Isso, no entanto, não acontece neste A Criada, que também conta uma história de vingança em um ambiente de sordidez e constante exploração.

A trama começa quando a jovem Sook-Hee (Tae-ri Kim) é abordada pelo golpista "Conde" Fujiwara (Jung-woo Ha), um falsário que se passa por nobre japonês para se aproximar de um rico sul-coreano que coleciona livros raros, Kouzuki (Jing-woong Jo). O falso conde sabe que o colecionador está à beira da falência por causa de seus gastos com sua coleção e sua única solução para se salvar financeiramente é casar com Lady Hideko (Min-hee Kim), a sobrinha de sua falecida esposa que tenha uma grande herança a receber. O falso conde então resolve ele mesmo seduzir Hideko e para isso infiltra Sook-Hee na mansão para trabalhar como criada da jovem nobre. Aos poucos, no entanto, Sook-Hee começa a se afeiçoar por seu alvo e o que inicialmente era admiração vai dando lugar ao desejo.

O grande trunfo do filme é como Chan-Wook brinca com nossas percepções sobre os personagens, contando a história sobre um ponto de vista e depois retornando para contá-la sobre outro, ressignificando o que vimos antes e amarrando as pontas soltas com extrema maestria. Lady Hideko é desde o início um inescrutável mistério para nós e durante boa parte do filme ficamos nos perguntando se ela é realmente tão inocente quanto tenta parecer ou se tudo é um grande jogo para ela. Do mesmo modo, ficamos imaginando até que ponto Sook-Hee está mesmo afeiçoada a Hideko a ponto de atrapalhar o golpe que ela e o Conde planejaram. Chega a um ponto que nem sabemos dizer direito quem é a verdadeira vítima ali, se Sook-Hee ou Hideko.

Aos poucos vamos descobrindo que a restrita biblioteca do colecionador e a relação que ele tinha com Hideko (e também com sua falecida tia) é muito mais sórdida do que imaginamos. Os "recitais" que Hideko fazia para os convidados do tio eram leituras de contos eróticos extremamente depravados e ela não passava de um joguete pervertido nas mãos do tio e seus convidados. Nesse sentido, é extremamente simbólica a revolta de Sook-Hee ao descobrir o conteúdo da biblioteca e sua decisão de destruir tudo é como se ela e Hideko gritassem "não somos objetos e não existimos ou vivemos em função do seu prazer". Inclusive, se olharmos os personagens masculinos do filme (o Conde e o tio) percebemos que o que os atrai para Hideko é menos o desejo ou o amor e mais a sensação de poder de a estar controlando e dobrando-a à sua vontade.

A vingança de Hideko (e posteriormente de Sook-Hee) não é apenas por crueldade ou retribuição a violências sofridas durante anos, mas um ato de resistência frente à constante dominação masculina que tenta se impor sobre ela. Conforme a trama avança, vamos aos pouco vendo o que o tio fazia com ela, tudo de maneira sutil e nunca de modo explícito, mas que ainda assim evoca horrores inimagináveis. Um exemplo a tomada que mostra um enorme polvo em seu "calabouço sadomasoquista", bastante parecido com as ilustrações de seus livros eróticos e ficamos imaginando se ele tentava reencenar as imagens usando Hideko. Não é à toa que a carta que ela deixa ao consumar sua vingança, ela deixa uma carta ao tio dizendo "na vida real, nenhuma mulher sente prazer ao ser forçada a algo", funcionando quase como uma resposta à fala do conde de que as mulheres sentem mais prazer quando são violadas.

A fotografia confere uma beleza macabra à mansão nas montanhas, cujo design parece misturar influências orientais com toques vitorianos ocidentais. A música, cheia de acordes sinuosos, ajuda a dar um tom de mistério e contribuiu para o constante clima de tensão e incerteza. Como o filme é contado se dividindo entre os pontos de vista de diferentes personagens, o trabalho de câmera contribui para que permite que percebamos com clareza essa mudança de foco. Se no início é Sook-Hee que está no centro de quadro o tempo todo, com Hideko ao fundo ou nas beiradas, na segunda parte é Hideko que toma o centro dos planos.

A Criada se mostra um hábil conto de vingança e resistência diante de um abuso sistemático, engrandecido pela estrutura que mantém incertas as intenções de seus personagens e vai aos poucos nos revelando a sordidez do universo em que habitam.


Nota: 9/10

Trailer:

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