Este Estrelas Além do Tempo já tinha chamado minha atenção por causa de
sua premissa, que contava um capítulo até então desconhecido da história da
exploração espacial dos Estados Unidos e da importância de figuras que,
provavelmente por questões de etnia e gênero, passaram décadas sem o devido
reconhecimento por seu protagonismo em momentos tão importantes. A questão é
que o filme oferece muito mais do que meras curiosidades históricas, nos
apresentando a personagens fascinantes e uma narrativa cheia de sensibilidade.
A trama segue Katherine (Taraji
P. Henson), Mary (Janelle Monae) e Dorothy (Octavia Spencer), três mulheres que
trabalhavam na força-tarefa responsável pelos cálculos dos foguetes da NASA em
1961, auge da corrida espacial quando EUA e União Soviética lutavam para serem
os primeiros no espaço. Como ainda era um período de segregação racial em
muitos estados americanos, incluindo a Virgínia, no qual a história se passa. O
grupo das protagonistas era segregado do resto, funcionando em uma sala isolada
em um ponto distante do campus da
NASA, quase que feito propositalmente para mantê-las longe de vista. Aos
poucos, no entanto, os talentos das três vão se mostrando valiosos para a
corrida espacial, mas o caminho para o reconhecimento é marcado por muitas
barreiras construídas de puro preconceito.
O filme vai mostrando de forma
orgânica e sem pesar a mão o modo como o preconceito imperava no período, mas
sem deixar de conceber a segregação como algo cruel. Desde o modo como elas são
abordadas pela polícia no início, que sutilmente traz seu cassetete em mãos ao
se aproximar delas mesmo sem que o trio tenha feito nada errado, aos ônibus
segregados ou ao modo como que todos param o observam com estranheza quando
Katherine pega uma xícara de café, quase como se encarassem como um ato de
ousadia o fato dela querer beber o mesmo café destinado aos brancos. Aos poucos
vamos vendo como mesmo coisas simples e sem importância, como a distância dos
banheiros segregados, parecem feitos para comunicar que os espaços de
importância e poder não estão ao alcance dos negros.
Henson, Monae e Spencer trazem
uma boa dose de resiliência e uma bem vinda complexidade às suas personagens.
Seria fácil pesar a mão no sofrimento delas e apelar para um sentimentalismo
rasteiro, mas as atrizes (e também o roteiro) fazem delas mulheres cheias de
nuance, que mesmo com uma visão bem realista do mundo em que vivem e das
barreiras que se colocam em seu caminho, nunca perdem a disposição e o humor,
mas também tem seus momentos de dúvida e insegurança. A trama consegue
desenvolver de modo satisfatório o arco de cada uma delas, nos permitindo olhar
para suas vidas profissionais e pessoais (e revelando que elas também tinham
que lidar com barreiras em casa), transformando-as em pessoas multifacetadas e
fascinantes. Cada uma tem seu grande momento (a cena do briefing para Katherine, a do tribunal para Mary e a dos
computadores para Dorothy) e sentimos que são momentos de triunfo e satisfação
devidamente construídos pela trama ao invés de algo enfiado goela abaixo por necessidade
do roteiro.
Kevin Costner evita que seu Al
Harrison caia no clichê do "salvador branco", fazendo dele um homem
direto e movido por pragmatismo, que rejeita a segregação simplesmente pela sua
inutilidade prática (sem mencionar que só o faz depois de perceber como foi injusto com Katherine) e que nunca se entrega àqueles discursos cheios de lições
de moral fáceis que este tipo de filme costuma apresentar. O antagonista de
Katherine, o matemático Paul (Jim Parsons, o Sheldon de The Big Bang Theory), poderia facilmente cair no terreno da
caricatura, mas Parsons instila nele uma admiração e respeito genuínos por
Katherine ainda que ele se comporte de modo indubitavelmente preconceituoso ao
constantemente lembrá-la de que há um limite de até onde ela pode avançar.
É justamente por seu equilíbrio,
pela delicadeza com a qual comunica sua mensagem e pela qualidade de seu elenco
que Estrelas Além do Tempo é um
eficiente resgate de um capítulo praticamente desconhecido da história.
Nota: 8/10
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