segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Crítica - Passageiros

Análise Passageiros


Review Passageiros
A mistura de vários tipos de filmes que costumam fazer sucesso como uma ficção científica com temas existenciais (pensem em Interestelar ou A Chegada), dramas românticos e filmes catástrofes somados aos dois atuais queridinhos de Hollywood, Chris Pratt e Jennifer Lawrence, parecia uma receita lógica. Afinal, se isoladamente esses ingredientes dão certo, juntos eles vão dar ainda mais certo, não é? Bem, não. Arte não é uma ciência exata e mesmo nesse cinemão feito em escala industrial e para grande público não dá para reduzir tudo a uma mera aplicação de fórmulas, pois se fosse assim tão simples não existiriam fracassos. Este Passageiros é prova de que simplesmente juntar um monte de coisas que faz sucesso não vai necessariamente resultar em algo bom.

A trama se passa no futuro quando a humanidade colonizou planetas distantes e uma grande corporação oferece cruzeiros para quem quiser habitar esses novos planetas. A viagem dura 120 anos e os passageiros e a tripulação são mantidos em animação suspensa durante boa parte do trajeto, sendo acordados somente quatro meses antes de chegarem. Quando a nave Avalon é atingida por uma chuva de meteoros, um defeito acaba acordando um dos passageiros, o mecânico Jim (Chris Pratt). Sem saber o que causou o problema e sem conseguir acesso aos compartimentos da tripulação, Jim tenta descobrir o que está acontecendo e o que fazer agora que é o único acordado ali. Ele eventualmente acaba ganhando a companhia de outra passageira, Aurora (Jennifer Lawrence), mas os problemas da nave se agravam.

O filme até apresenta alguns conflitos interessantes, mas a maioria no início, com um solitário Jim tendo que lidar com a ideia do que fazer com sua "vida", agora que está ali sozinho e não tem como retornar ao estado de animação suspensa. Também apresenta um dilema ético e moral curioso com ele decidindo se "acorda" ou não Aurora (e o nome similar ao da princesa de A Bela Adormecida da Disney certamente não é acidente). A questão é que daí em diante o filme se perde em uma série de soluções simplistas que resolve de maneira muito fácil e óbvia as questões complexas que o terço inicial levanta, culminando em um desfecho que força a mão para apaziguar os conflitos e dar um "final feliz" para a situação.

Eu entendo que a cena final é feita para ter um quê de Eram os Deuses Astronautas? com a tripulação encontrando uma grande floresta na espaçonave, mas se pensarmos bem, como toda aquela vegetação pode ter crescido sem que suas raízes se expandissem ao ponto de prejudicarem o funcionamento dos sistemas da nave? Mais que isso, a própria premissa acaba soando tola quando pensamos que não muito sentido que a megacorporação responsável pela Avalon não tenha pensado que em algum momento os sistemas de computador poderiam dar problema e não tenham implementado nenhum protocolo emergencial para acordar a tripulação caso algo começasse a dar errado na nave. Para uma empresa com faturamento na casa dos quatrilhões (como Aurora diz em dado momento) eles não parecem particularmente inteligentes ou interessados em proteger e salvaguardar seu caro patrimônio.

Pratt e Lawrence são carismáticos o suficiente para manter o nosso interesse mesmo quando o filme parece temer ter que lidar com as questões complicadas que levanta e resolve simplificar muita coisa ao não apenas colocá-los diante de uma crise que só podem resolver juntos, como força a lógica para manter um deles vivo em um final extremamente covarde e forçosamente conciliador. Michael Sheen rouba a cena como um robô barman tão otimista que ocasionalmente parece soar sinistro, me lembrando um pouco do barman de O Iluminado (1980). Lawrence Fishbourne, por sua vez, é desperdiçado em um sujeito que é mais um mecanismo de roteiro do que personagem, servindo apenas para dar explicações necessárias para mover a trama e mastigar as lições de moral do filme com sua voz grave e serena (imagino que Morgan Freeman devia estar com a agenda indisponível).

O filme também parece ter dificuldade em lidar com o tanto de gêneros que tenta misturar, exibindo uma divisão bem clara entre o sci-fi existencial (o início), o drama romântico (o meio) e o filme catástrofe (o fim), nem sempre transitando organicamente entre as três coisas. Aqui e ali consegue criar algumas cenas visualmente interessantes, como a tensa sequência da piscina em gravidade zero, mas no geral apenas reproduz os designs claros, limpos e assépticos que já vimos em uma penca de filmes similares.

Passageiros não chega a ser a bagunça que sua premissa sugeria que poderia ser, mas não sai da superfície dos temas e perguntas que levanta e é prejudicado por um clímax tão simplório que nem mesmo a simpatia de seus protagonistas consegue salvar.


Nota: 4/10 


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