terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Crítica - A Grande Muralha

Análise A Grande Muralha


Review A Grande Muralha
Eu imaginaria que um filme com Matt Damon e Willem Dafoe enfrentando monstros em uma China medieval fosse ao menos ser divertido. Seu diretor, Zhang Yimou, de Herói (2002) e O Clã das Adagas Voadoras (2004), é célebre por seu apuro estético, então também era de se esperar visuais criativos e impressionantes. Nada disso, no entanto, está presente em A Grande Muralha, um filme tão derivativo e sem personalidade que jamais o ligaria a Yimou se não tivesse visto seu nome nos créditos.

A trama acompanha um grupo de mercenários europeus liderados por William (Matt Damon) que tenta viajar à China na esperança de conseguirem comercializar o famoso pó negro (pólvora) produzido pelos orientais. O grupo acaba chegando na Grande Muralha, na qual o exército chinês se prepara para uma invasão iminente. A muralha foi criada para proteger o país e o mundo de demônios esverdeados chamados Tao Tei, que chegaram em nosso mundo através de um meteoro (mas isso não faria deles alienígenas? Bem, sim, mas o filme não explica muito bem o que de fato são essas criaturas, nem o motivo delas atacarem de tempos em tempos ao invés de continuamente). Testemunhando o poder dos monstros em primeira mão, William e seu amigo Tovar (Pedro Pascal), decidem ficar e ajudar, pelo menos até conseguirem por as mãos na pólvora dos chineses com a ajuda de Ballard (William Dafoe).

William tem a típica jornada de herói, aprendendo a lutar por algo mais do que a si mesmo e entendendo o valor do companheirismo para se redimir de um passado sangrento. O filme não só se esforça pouco para ir além dos lugares comuns desse tipo de arco de personagem, como o faz de maneira exageradamente óbvia. Quando o ouvimos dizer que aprendeu a sobreviver sem depender de ninguém e confiança é uma fraqueza, temos a certeza que ele irá inevitavelmente aprender a importância de trabalhar em conjunto ao longo do filme. Exceto por essa transformação e por sua habilidade com um arco e flecha, o personagem é completamente desprovido de personalidade e não fossem seus diálogos bem-humorados com Tovar, não haveria qualquer razão para nos importarmos com ele.

Incomoda também que ele seja o arquétipo do "salvador branco", um homem ocidental que chega a uma terra estranha e é facilmente capaz de lidar com um problema que os nativos não conseguem resolver. Apesar de enfrentarem os Tao Tei há vinte séculos e terem documentos que falam de sua vulnerabilidade a ímãs, só William tem a ideia de tentar usar isso para derrotarem os monstros. Sem falar da facilidade com a qual ele os derrota, enquanto que os soldados chineses, que treinaram a vida inteira para lutar com as criaturas, tem dificuldade em vencê-los. Assim, o personagem acaba servindo a um discurso colonialista condescendente completamente anacrônico e inadequado aos dias atuais.

Os monstros falham em ameaçar por causa da facilidade com a qual o protagonista os elimina e também pelo design pouco inspirado que as torna parecidas com outras monstruosidades que já vimos na ficção (em especial com a criatura Sammael do primeiro Hellboy). Elas também não tem qualquer propósito ou motivação, sendo apenas coisas a serem abatidas. A resolução inclusive segue o clichê de outros filmes de invasão, com os protagonistas focados em eliminar a rainha para inutilizar as demais criaturas.

As cenas de ação falham em empolgar, em especial pelo excesso de computação gráfica que faz tudo soar artificial. Zhang Yimou se tornou famoso ao criar cenas de ação que exploravam ao máximo as proezas marciais dos seus atores (lembrem da luta entre Jet Li e Donnie Yen em Herói), usando efeitos digitais apenas quando necessário. Aqui acontece o contrário, com os efeitos especiais compondo a quase integralidade da ação e deixando pouco espaço para que vejamos os atores realmente lutando. Isso sem falar na qualidade irregular dos efeitos, que muitas vezes deixam evidente que estamos vendo um grupo de atores diante de um fundo verde vazio e da artificialidade do dublê digital que substitui Matt Damon em alguns momentos. Incomoda também que alguns momentos pareçam mera reprodução de coisas que já vimos em outros filmes. O momento em que as criaturas se empilham para tentar subir a muralha é incomodamente similar a uma cena de Guerra Mundial Z (2013).

Aqui e ali Yimou consegue imprimir seu senso estético e visual, como no salão do imperador, na torre de vitrais, nas armadilhas da muralha ou nas armaduras da Legião Sem Nome, mas ainda assim passa longe da grandiosidade e qualidade de seus melhores filmes. A música de Ramin Djwadi incorpora instrumentos orientais em sua orquestração, mas não vai além de criar temas épicos genéricos que podiam ser usados em qualquer filme similar sem que notássemos a diferença, assim como a igualmente genérica (e intrusiva) música que ele compôs para Warcraft (2016). Isso é lamentável se levarmos em conta o trabalho soberbo que o compositor vem fazendo nos últimos anos na televisão em séries como Person of Interest, Game of Thrones e Westworld. Claro, é possível que ele não tenha tido nesses dois longas a mesma liberdade criativa que tem nas séries na qual trabalha e tenha feito o que foi pedido pela produção dos filmes, mas ainda assim é uma pena ver um talento como o dele ser desperdiçado.

A Grande Muralha acaba sendo um daqueles filmes que você começa a esquecer no instante em que põe os pés para fora da sala de cinema. Os personagens são insossos, a trama é uma coleção de clichês e a ação é artificial demais para empolgar. É impressionante como a reunião de tanta gente talentosa resultou em algo tão esquecível.

Nota: 4/10

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