Eu imaginaria que um filme com
Matt Damon e Willem Dafoe enfrentando monstros em uma China medieval fosse ao
menos ser divertido. Seu diretor, Zhang Yimou, de Herói (2002) e O Clã das
Adagas Voadoras (2004), é célebre por seu apuro estético, então também era
de se esperar visuais criativos e impressionantes. Nada disso, no entanto, está
presente em A Grande Muralha, um
filme tão derivativo e sem personalidade que jamais o ligaria a Yimou se não
tivesse visto seu nome nos créditos.
A trama acompanha um grupo de
mercenários europeus liderados por William (Matt Damon) que tenta viajar à
China na esperança de conseguirem comercializar o famoso pó negro (pólvora)
produzido pelos orientais. O grupo acaba chegando na Grande Muralha, na qual o
exército chinês se prepara para uma invasão iminente. A muralha foi criada para
proteger o país e o mundo de demônios esverdeados chamados Tao Tei, que
chegaram em nosso mundo através de um meteoro (mas isso não faria deles alienígenas?
Bem, sim, mas o filme não explica muito bem o que de fato são essas criaturas,
nem o motivo delas atacarem de tempos em tempos ao invés de continuamente).
Testemunhando o poder dos monstros em primeira mão, William e seu amigo Tovar
(Pedro Pascal), decidem ficar e ajudar, pelo menos até conseguirem por as mãos
na pólvora dos chineses com a ajuda de Ballard (William Dafoe).
William tem a típica jornada de
herói, aprendendo a lutar por algo mais do que a si mesmo e entendendo o valor
do companheirismo para se redimir de um passado sangrento. O filme não só se
esforça pouco para ir além dos lugares comuns desse tipo de arco de personagem,
como o faz de maneira exageradamente óbvia. Quando o ouvimos dizer que aprendeu
a sobreviver sem depender de ninguém e confiança é uma fraqueza, temos a
certeza que ele irá inevitavelmente aprender a importância de trabalhar em
conjunto ao longo do filme. Exceto por essa transformação e por sua habilidade
com um arco e flecha, o personagem é completamente desprovido de personalidade
e não fossem seus diálogos bem-humorados com Tovar, não haveria qualquer razão
para nos importarmos com ele.
Incomoda também que ele seja o
arquétipo do "salvador branco", um homem ocidental que chega a uma
terra estranha e é facilmente capaz de lidar com um problema que os nativos não
conseguem resolver. Apesar de enfrentarem os Tao Tei há vinte séculos e terem
documentos que falam de sua vulnerabilidade a ímãs, só William tem a ideia de
tentar usar isso para derrotarem os monstros. Sem falar da facilidade com a
qual ele os derrota, enquanto que os soldados chineses, que treinaram a vida
inteira para lutar com as criaturas, tem dificuldade em vencê-los. Assim, o
personagem acaba servindo a um discurso colonialista condescendente
completamente anacrônico e inadequado aos dias atuais.
Os monstros falham em ameaçar por
causa da facilidade com a qual o protagonista os elimina e também pelo design pouco inspirado que as torna
parecidas com outras monstruosidades que já vimos na ficção (em especial com a
criatura Sammael do primeiro Hellboy).
Elas também não tem qualquer propósito ou motivação, sendo apenas coisas a
serem abatidas. A resolução inclusive segue o clichê de outros filmes de
invasão, com os protagonistas focados em eliminar a rainha para inutilizar as
demais criaturas.
As cenas de ação falham em
empolgar, em especial pelo excesso de computação gráfica que faz tudo soar
artificial. Zhang Yimou se tornou famoso ao criar cenas de ação que exploravam
ao máximo as proezas marciais dos seus atores (lembrem da luta entre Jet Li e
Donnie Yen em Herói), usando efeitos
digitais apenas quando necessário. Aqui acontece o contrário, com os efeitos
especiais compondo a quase integralidade da ação e deixando pouco espaço para
que vejamos os atores realmente lutando. Isso sem falar na qualidade irregular
dos efeitos, que muitas vezes deixam evidente que estamos vendo um grupo de
atores diante de um fundo verde vazio e da artificialidade do dublê digital que
substitui Matt Damon em alguns momentos. Incomoda também que alguns momentos
pareçam mera reprodução de coisas que já vimos em outros filmes. O momento em
que as criaturas se empilham para tentar subir a muralha é incomodamente
similar a uma cena de Guerra Mundial Z (2013).
Aqui e ali Yimou consegue imprimir
seu senso estético e visual, como no salão do imperador, na torre de vitrais,
nas armadilhas da muralha ou nas armaduras da Legião Sem Nome, mas ainda assim
passa longe da grandiosidade e qualidade de seus melhores filmes. A música de
Ramin Djwadi incorpora instrumentos orientais em sua orquestração, mas não vai
além de criar temas épicos genéricos que podiam ser usados em qualquer filme
similar sem que notássemos a diferença, assim como a igualmente genérica (e
intrusiva) música que ele compôs para Warcraft
(2016). Isso é lamentável se levarmos em conta o trabalho soberbo que o compositor vem
fazendo nos últimos anos na televisão em séries como Person of Interest, Game of
Thrones e Westworld. Claro, é
possível que ele não tenha tido nesses dois longas a mesma liberdade criativa
que tem nas séries na qual trabalha e tenha feito o que foi pedido pela
produção dos filmes, mas ainda assim é uma pena ver um talento como o dele ser
desperdiçado.
A Grande Muralha acaba sendo um daqueles filmes que você começa a
esquecer no instante em que põe os pés para fora da sala de cinema. Os
personagens são insossos, a trama é uma coleção de clichês e a ação é
artificial demais para empolgar. É impressionante como a reunião de tanta gente
talentosa resultou em algo tão esquecível.
Nota: 4/10
Nenhum comentário:
Postar um comentário